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Imagem divulgada pela Agência  de Notícias Coreana  nesta quarta (5) mostra o ditador  Kim Jong-Un celebrando o sucesso do lançamento do míssil intercontinental Hwasong-14. Kim desceveu o teste como um presente para os “americanos bastardos” | STR/AFP
Imagem divulgada pela Agência de Notícias Coreana nesta quarta (5) mostra o ditador Kim Jong-Un celebrando o sucesso do lançamento do míssil intercontinental Hwasong-14. Kim desceveu o teste como um presente para os “americanos bastardos”| Foto: STR/AFP

Após anos de ameaças, o ditador norte-coreano Kim Jong-Un parece ter dado um passo além na estratégia de intimidação aos seus principais inimigos – a vizinha Coreia do Sul e os Estados Unidos. Na última segunda-feira (3), a Coreia do Norte realizou seu teste balístico mais bem-sucedido até o momento: após várias falhas recentes, com quedas nos primeiros segundos após o lançamento, o míssil desta semana ficou no ar por 40 minutos, percorrendo quase mil quilômetros antes de uma queda controlada na costa do Japão. Realizado na véspera do dia da independência dos EUA, o teste foi considerado uma clara provocação. 

Especialistas americanos estimam que o poder de fogo é muito maior do que o teste exibiu: o Hwasong-14, utilizado na segunda-feira, poderia ter uma autonomia de mais de 6,7 mil quilômetros, atingindo lugares tão distantes quanto Moscou, a oeste, e o Alasca, se lançado na direção leste. Kim Jong-Un teria, por fim, comprovado ser capaz de atingir parte do território dos Estados Unidos.

Mas seria esse realmente o seu interesse? Diante da perspectiva de uma guerra impossível de vencer contra a maior potência militar do mundo, o que de fato está por trás da mais nova ameaça do regime norte-coreano?  

Tirano, mas não estúpido 

Desde que herdou o poder supremo de seu pai, Kim Jong-Il, no final de 2011, o ditador da Coreia do Norte é apresentado no Ocidente como um tirano com uma questionável capacidade de governar. No início, chegou a ser considerado um fantoche de membros mais velhos do governo – Kim Jong-Un tinha apenas 28 anos quando assumiu o poder. Depois, quando foi deixando cada vez mais claro que controlava totalmente o país (através da execução sumária de nomes fortes do governo), passou a ser apresentado como alguém instável mentalmente. 

“Não estamos lidando com uma pessoa racional”, disse, em março, a embaixadora americana nas Nações Unidas, Nikki Haley. “Ele não faz atos racionais, nem pensa claramente”, insistiu a diplomata. Em maio, o próprio presidente Donald Trump seguiria o mesmo caminho, definindo Kim Jong-Un como “um doido com armas nucleares nas mãos”. A fala de Trump – que, publicamente, havia declarado que considerava Kim “esperto” – foi revelada na transcrição de uma conversa telefônica que o mandatário americano teve com o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte – outro líder asiático acusado de violações de direitos humanos. 

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Muitos consideram a visão de um Kim Jong-Un beirando a loucura como um erro: ela ignora a manutenção de uma estratégia clara e antiga da Coreia do Norte, a de fabricar numerosas ameaças para obter benefícios das nações amedrontadas. Educado na Suíça sob um pseudônimo, Kim Jong-Un era tido como um excelente aluno em matemática, além de um grande fã de basquete, seguindo de perto a NBA (liga de basquete norte-americana) e outros elementos da cultura ocidental – gostos que teve que deixar de lado ou ocultar para ascender na corrida pela sucessão a Kim Jong-Il, tornando-se uma espécie de cópia perfeita do pai, principalmente na política externa, ainda que muito menos experiente. 

Sendo apenas o quarto filho do antigo ditador, Jong-Un acabou ganhando o favoritismo frente aos outros por ser considerado o mais leal e próximo do pai. “Eu acredito que haja uma razão para não sabermos muito sobre Kim: é porque não há muito que o defina como um indivíduo”, especulou o psiquiatra norte-americano Keith Ablow, em uma análise para o canal Fox News. “[Kim carrega] a raiva de uma criança, pré-adolescente, adolescente e jovem adulto cuja real personalidade foi ‘executada’ em favor de criar um clone de seu pai ditador”, ponderou. 

Sobrevivência 

Tão rápida quanto sua saída dos bastidores na “corte” norte-coreana foi a sua consolidação de poder. Kim Jong-Un trocou a imagem de fantoche pela de um tirano feroz ao eliminar, sem maiores ponderações, todos aqueles que o Ocidente considerava capazes de controlá-lo de alguma forma: em dezembro de 2013, mandou executar seu tio, Jang Song-Thaek, segundo em comando no país e a quem muitos viam como o dono do poder real. Song-Thaek também era considerado relativamente reformista, e concentrava as esperanças de uma gradual abertura do regime. 

Acredita-se o ditador esteja também por trás da misteriosa morte de seu irmão mais velho, Kim Jong-Nam, em fevereiro deste ano. No passado, Jong-Nam chegou a ser o primeiro na linha de sucessão ao poder, mas caiu em desgraça após propor mudanças ao regime e ser pego tentando visitar o Parque da Disney no Japão usando um passaporte falso. Exilado na Malásia e tido como uma das opções da China para assumir o governo em uma eventual derrubada de Kim Jong-Un, ele foi envenenado no que se suspeita ser um ataque perpetrado pelo governo da Coreia do Norte. 

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A violência extrema empregada contra opositores e possíveis ameaças ao seu poder, bem como os sucessivos ultimatos que dá ao Ocidente com seus testes nucleares e balísticos, são interpretados como uma busca de Kim Jong-Un por sobreviver. Uma sobrevivência que não é apenas a do seu regime, mas de si próprio: se por um lado o projeto nuclear serve para manter os Estados Unidos em alerta, Jong-Un vem dando mostras que não se contentará em ser um mero estado-satélite chinês, como no episódio da eliminação de seu irmão mais velho. A cada ato “irracional” de violência, o ditador norte-coreano fortalece um poder que no início era considerado tênue. 

“Ele não tem nenhum aliado confiável para garantir sua segurança, e enfrenta uma superpotência hostil que, no passado recente, invadiu Estados soberanos para substituir seus governos”, argumentou o historiador John Delury, professor da Universidade Yonsei em Seul, em entrevista à BBC. “A lição que os norte-coreanos aprenderam com a invasão ao Iraque é que, se Saddam Hussein realmente tivesse armas de destruição em massa, ele poderia ter sobrevivido”. 

Poder de barganha 

As repetidas ameaças lançadas por Kim Jong-Un, desta forma, aparecem como uma maneira de aumentar sua capacidade de barganha na hora de negociar com os Estados Unidos. Desde que assumiu o poder, o atual ditador da Coreia do Norte tem investido pesado em se mostrar um líder temível: já são mais de doze testes balísticos realizados pelo governo de Pyongyang somente em 2017 – Kim Jong-Il, nos 17 anos em que ficou no poder (1994-2011), havia realizado apenas dezesseis operações desse tipo. 

Os testes nucleares também têm se tornado cada vez mais poderosos, conforme demonstram os registros sísmicos da Coreia do Sul e do Japão cada vez que os norte-coreanos detonam uma bomba em suas bases subterrâneas. Kim Jong-Un, cujas violações sistemáticas de direitos humanos lhe rendem numerosas sanções internacionais, tenta reforçar o poderio militar para poder negociar termos mais simpáticos aos seus interesses: auxílios financeiros e humanitários que possibilitem a continuidade de seu regime sem grandes crises internas. 

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O entendimento da Coreia do Norte é que, tendo o poder nuclear em mãos, e a capacidade de utilizá-lo contra os Estados Unidos (ou seus aliados), qualquer ameaça à continuidade do reinado dos Kim desapareceria. O fato de os testes balísticos agora sugerirem que os norte-coreanos têm potencial de atingir parte do território americano (o Alasca) acrescenta um elemento a mais no conflito, mas a situação já indicava ser inviável para um ataque liderado por Washington: uma resposta de Kim Jong-Un, “mesmo com armas convencionais”, seria suficiente para causar grandes perdas à Coreia do Sul e ao Japão, destacou Tania Branigan, correspondente do The Guardian na Ásia, em um comentário sobre a corrida armamentista norte-coreana. 

No passado, a Coreia do Norte já fez uso de ameaças similares para barganhar com os seus adversários. Em 2005, o governo de Pyongyang concordou em desmantelar seu programa nuclear em troca de assistência econômica e garantias de segurança – mas, uma vez tendo recebido o auxílio, os norte-coreanos logo abandonaram o trato. Em fevereiro de 2012, novamente, os EUA tentaram um acordo, inicialmente aceito pela Coreia do Norte, para pôr fim aos testes nucleares e balísticos – apenas dezesseis dias depois, porém, o recém-empossado Kim Jong-Un anunciou que retomaria os testes. 

Com cada vez mais poder militar (e nuclear) nas mãos, Kim Jong-Un não é um louco interessado em destruir os Estados Unidos e muito menos em provocar uma Terceira Guerra Mundial, como temem alguns. Mas ele está se encaminhando para perpetuar um regime que, em pleno século 21, ainda mantém campos de concentração lotados de opositores. Analistas entendem que os programas armamentistas não devem parar até que a ditadura norte-coreana se sinta capaz de negociar com os EUA sem ver seu próprio regime em risco – ou seja, vendo-se como ameaçadora o bastante para fazer Donald Trump pensar duas vezes antes de ordenar um ataque. A questão, agora, é saber quantos mísseis serão necessários para Kim Jong-Un voltar às mesas de negociação.

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