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Mulheres no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau em Oswiecim, na Polônia
Mulheres no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau em Oswiecim, na Polônia| Foto: EFE

A língua é viva e não podemos controlar o seu uso — mas podemos lapidá-la, pois somos responsáveis pelo que com ela criamos. Temos visto vários conceitos  importantes para compreendermos a História Contemporânea serem usados como munição em guerras de narrativas que buscam obscurecer o conhecimento de fatos registrados e documentados. Por sua força imagética, palavras como “Holocausto”, “nazistas”, “fascistas”, “genocidas” viraram lugar comum em falas de quem quer ferir seus alvos. Muitos dos que as proferem querem impactar, sem se importar com a incorreção do uso em novos contextos.

A culminância é a inversão entre vítimas e opressores no âmbito do Holocausto, um evento único que deve servir de marco para que, na história da humanidade, jamais se repita um projeto genocida em caráter industrial à custa de roubo institucionalizado e legalizado pelo próprio governo. Não esquecendo que, no governo hitlerista, tudo começou com uma plataforma política-ideológica racista que deturpava a maneira como uma parte da população deveria olhar para outra, supostamente nociva. Criou-se contra os judeus, o principal alvo dos nazistas, uma ojeriza imagética infundada. Mas, as palavras repetidas e insufladas de ódio em campanhas falaram mais alto do que a realidade.

Hoje, mais uma vez, nos opomos a essa inversão, pois os dados de realidade precisam ter o seu peso em contraponto a teorias baseadas em preconceitos e distorções acerca de pessoas, fatos, registros. A História  Moderna e Contemporânea, no âmbito da era digital, deve ser estudada e escrita respeitando os milhões de fatos registrados, documentados e testemunhados.

Sobretudo, respeitando as vozes das vítimas, que ganharam espaço jurídico após o fim da Segunda Guerra Mundial com o advento da Vitimologia, ciência biopsicossocial fundada por Benjamin Mendelsohn, sobrevivente do Holocausto. Essas vozes merecem ecoar como grito de alerta. Um novo parâmetro de convivência social precisa ser pautado de modo que o terror não seja mais tolerado e nem banalizado.

Comparar ao nazismo o direito de defesa de Israel que, há mais de quatro meses,  busca resgatar a plena segurança de seus cidadãos e os reféns levados por um grupo terrorista, muitos ainda mantidos em cativeiro e dos quais não se tem notícias, é um mau uso histórico-conceitual que leva à deturpação da história passada e presente.

No ataque do Hamas, mais de mil civis de todas as idades foram vítimas, algumas mortas de imediato e outras centenas feridas com requintes de brutalidade, estupros, decapitações em ações bárbaras nas quais os terroristas se rejubilavam, comemorando com cabeças cortadas em suas mãos e anunciando que outros ataques como esse ainda virão.

Onde está mensurada que a resposta de Israel ao Hamas é desproporcional, se justamente Israel, como país formalmente instituído, tem agido em conformidade com as leis internacionais, dando tempo para que os civis em Gaza se desloquem e não venham a ser atingidos quando se aproxima em retaliação aos terroristas?

A guerra declarada por Israel não é contra os palestinos, mas, sim, contra o grupo terrorista Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007 e tem em seu estatuto os objetivos de destruir o Estado de Israel e destruir os judeus. Seus apoiadores reforçam esse intento. Isso por si só já bastaria para que  o mundo se insurgisse contra o Hamas que, para atingir seus objetivos, não poupa vidas dos seus civis, usando a  população palestina como escudos humanos e instituições escolares e hospitalares como camuflagem de seus estoques de armamentos. Mas, tantas evidências registradas pelos próprios terroristas não são suficientes para levar pessoas preconceituosas para com os judeus e a existência do Estado de Israel a se reposicionarem contra os meios e os fins do Hamas.

O Brasil é um país de população miscigenada, que foi exaltada positivamente em sua cultura durante muito tempo. Os judeus contribuem para o desenvolvimento do Brasil desde o descobrimento, e assim se repete em inúmeros países do mundo. Israel é um país democrático no Oriente Médio e por isso é apoiado por países que entendem essa importância para um equilíbrio regional e internacional. A proposta de um Estado Palestino numa divisão territorial foi aceita por Israel desde a proposição de sua criação, em 1947, pelas Nações Unidas.  No entanto, o lado árabe-palestino rejeitou a proposta e ainda hoje o Hamas não reconhece o direito de Israel existir.

Essas são dificuldades que estamos atravessando, tendo como ponto trágico a vida dos reféns que sofrem diariamente em condições sub-humanas. Falas de ordem de um Chefe de Estado alinhadas com propostas totalitárias de um grupo terrorista abalam os alicerces da democracia e os valores humanitários universais. Merecemos um Brasil colaborando para o reconhecimento mútuo das partes envolvidas nos conflito e na promoção de diálogos em prol da paz.

Sofia Débora Levy é psicóloga e professora, membro do Conselho Acadêmico da StandWithUs Brasil e representante para a Memória do Holocausto do Congresso Judaico Latino-Americano

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