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As soluções propostas pelo presidente francês para combater o fluxo de notícias falsas são seriamente preocupantes | THIERRY ZOCCOLAN/AFP
As soluções propostas pelo presidente francês para combater o fluxo de notícias falsas são seriamente preocupantes| Foto: THIERRY ZOCCOLAN/AFP

Em declarações dadas à imprensa no início deste ano, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou seus planos para reprimir o “fake news” (notícias falsas). Atacado pelo controverso Macron Leaks perto do final da campanha presidencial (que ele venceu em maio passado), estava previsto que o novo presidente francês começaria a combater a prática do fake news já no início de seu mandato. A veracidade das informações que fluem online é importante, mas as soluções propostas por Macron são seriamente preocupantes. 

O objetivo de Macron 

Na coletiva de imprensa, Macron declarou que restringir a presença do fake news online é essencial para a democracia francesa. E acrescentou: 

“Como vocês sabem, para propagar fake news na mídia social hoje em dia bastam algumas dezenas de milhares de euros, e isso pode ser feito enquanto se conserva anonimato completo.” 

É verdade que é possível gastar dezenas de milhares de euros, mas é fácil disseminar fake news sem gastar dinheiro algum. Tudo que é preciso é que um post viralize nas redes sociais. Quando isso ocorre, nenhum patrocínio dos posts é necessário. 

Para garantir que o público seja mais bem informado, Macron quer tornar obrigatória a transparência em relação a quem opera e dirige sites de jornalismo (se os responsáveis patrocinam conteúdos nas redes sociais) e conferir a juízes o direito de deletar conteúdos por completo. A lei que ele propõe vai vigorar apenas em épocas eleitorais, nas quais, diz o presidente, a opinião pública deve ser alimentada por fatos, não por informações falsas. A restrição proposta se deve ao “#MacronLeaks”, que aconteceu pouco antes do segundo turno da eleição presidencial francesa, em maio do ano passado. Milhares de e-mails de membros da equipe de Macron tinham sido vazados no site 4Chan, levando a acusações exageradas. 

A reação ao #MacronLeaks diz tudo 

Na realidade, você só precisa saber o que aconteceu após a polêmica que cercou os #MacronLeaks para entender que regular o fake news é péssima ideia. A comissão eleitoral francesa, supostamente imparcial, reagiu prontamente, recomendando fortemente às organizações de imprensa que não cobrissem o vazamento dos e-mails, e mais, que “não divulgassem o teor desses documentos, para não alterar a integridade do voto, não infringir as proibições definidas pela lei e não se expor à possibilidade de cometer delitos criminais”. 

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Milhares de e-mails vazados, que exigiram semanas e meses de trabalho para identificar se eram legítimos e relevantes ou não, foram censurados automaticamente. Vale notar, também, que o governo era comandado na época pelo presidente François Hollande, que havia endossado a candidatura de Emmanuel Macron à presidência. 

Porém, quanto mais as autoridades tentavam limitar a capacidade da mídia de divulgar o vazamento dos e-mails, mais levavam as pessoas a querer pesquisar o assunto elas mesmas, ao mesmo tempo gerando uma aura misteriosa de interesse em torno do dossiê inteiro. Com o livre fluxo de informação parcialmente obstruído, as consequências não pretendidas foram mais prejudiciais a Macron do que teria sido o caso de outro modo. A opinião de um partidário de Le Pen: se Macron identifica esses e-mails vazados como algo proibido, deve haver algo de interessante neles. Como dizem os franceses, il n'y a pas de fumée sans feu (não há fumaça sem fogo). 

Um bom exemplo concreto da vantagem de se permitir que todas as partes pesquisem e se comuniquem livremente foi uma gafe cometida pela rival de Macron. 

Ansiosa por explorar o vazamento dos e-mails, Marine Le Pen aludiu à existência de uma conta bancária num paraíso fiscal, algo que Macron teria usado para reduzir sua carga de impostos. Falar do assunto num debate ao vivo na televisão nacional revelou ter sido um erro. O fato é que, quer Le Pen tenha tido a ideia da suposta conta bancária dos e-mails vazados ou de outra fonte, não foi encontrada nenhuma prova da alegação, que resultou numa perda de credibilidade dela. 

Poder demais 

A pergunta geral a fazer em relação ao governo não é “quem deve ter o poder?”, mas “quanto poder deve haver?”. Os fatos são: que Emmanuel Macron quer evidentemente limitar o risco de futuros vazamentos de informações prejudicar sua reputação em sua campanha de reeleição; que o governo está estreitamente ligado às autoridades que impõem restrições de reportagem aos veículos de mídia; que o ministro da Justiça de Macron foi obrigado a renunciar ao cargo porque telefonou a jornalistas para lhes instruir a não noticiar o assunto dos e-mails vazados, e que dois outros membros do governo estão processando um site de jornalismo porque o site revelou que o chalé onde se hospedaram pertencia a um traficante internacional de drogas.

Tudo isso indica que um controle legislativo maior sobre a liberdade de imprensa é pouco aconselhável. Mas, o que é muito mais importante: se os partidários de Macron estão convencidos de que a chegada potencial de Le Pen ao poder seria realmente a chegada do fascismo, eles farão mal em deitar as bases para uma ação legislativa autoritária na qual o governo decide quais notícias são falsas e quais não o são. 

Buscar a verdade não é responsabilidade do governo, mas daqueles que observam as notícias. Apenas em um livre mercado de ideias as informações podem ser verificadas e reconfirmadas de modo transparente, usando fontes terceiras. Sim, isso significa que existe a possibilidade de notícias veiculadas serem falsas. Sim, significa que pode haver conflitos de interesse. Mas muito pior do que essas duas coisas seriam instituições que, essencialmente, se reivindicassem o status de Ministérios da Verdade. Sabemos onde isso vai dar. 

*Bill Wirtz é membro da Young Voices. Seus trabalhos já foram divulgados por vários veículos, incluindo Newsweek, Rare, RealClear, CityAM, Le Monde e Le Figaro. Ele também é analista de políticas públicas no Consumer Choice Center.

Conteúdo publicado originalmente no site da Foundation for Economic Education. Republicado em português com autorização.

Tradução de Clara Allain.
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