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Homenagem a Mario Kozel Filho realizada pelo Comando Militar do Sudeste, em 5 de julho de 2018
Homenagem a Mario Kozel Filho realizada pelo Comando Militar do Sudeste, em 5 de julho de 2018| Foto:

Se estivesse vivo, o paulistano Mário Kozel Filho completaria 70 anos em julho de 2019. Mas ele morreu cinco décadas antes, a dez dias de completar 19 anos, numa madrugada fria e nublada de 26 de junho de 1968. Mário cumpria o serviço militar obrigatório desde janeiro, mas não queria servir carreira no Exército. Quando terminasse o ano, voltaria a trabalhar com o pai, Mário Kozel, gerente da Fiação Campo Belo. Tinha o sonho de abrir uma oficina mecânica.

Os projetos do jovem foram interrompidos por uma caminhonete Chevrolet verde, carregada com aproximadamente 50 quilos de dinamite. Por volta das 4h50 da manhã, o veículo foi arremessado em alta velocidade na direção do Quartel General do 2º Exército, no bairro de Ibirapuera, em São Paulo. O motorista acelerou e se lançou para fora da caminhonete. Entrou em um dos três Fuscas que participavam da ação. Enquanto os carros fugiam em velocidade, a caminhonete acertou um poste e capotou duas vezes às portas do QG.

Soldado nº 1803 do 4° Regimento de Infantaria, Mário Kozel Filho estava de guarda naquela noite, no posto 5, nas proximidades da entrada atacada, e se aproximou do veículo. Foi quando a bomba explodiu. O corpo do jovem soldado acabou sendo despedaçado. Curiosamente, Kozel prestava serviço em outra entrada, na rua Abílio Soares, onde o vento batia mais forte e estava mais frio. Dez minutos antes do ataque, pediu para trocar de lugar com um colega, o soldado José Maria Pereira Relva Júnior.

Diferença de valores

Foi Relva Júnior o primeiro a perceber a movimentação suspeita da caminhonete. Pediu que ela parasse, quase foi atropelado e tentou atirar contra os pneus, mas a arma falhou. Os colegas começaram a atirar contra o veículo, o que obrigou o motorista a saltar antes da hora – foi o que evitou que o carro subisse a rampa de acesso à entrada do quartel.

Outros seis militares ficaram feridos: o coronel Eldes de Souza Guedes e os soldados João Fernandes de Souza, Luiz Roberto Juliano, Edson Roberto Rufino, Henrique Chaicowski e Ricardo Charbeau. O carro bomba fez ruir uma parede lateral do QG, que fazia divisa com uma agência bancária. Um cofre, pesando aproximadamente uma tonelada, foi arremessado para fora do banco. A van pegou fogo e acabou destruída.

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O militar foi promovido post-mortem à graduação de terceiro sargento. Ainda hoje, o Comando Militar do Sudeste, instalado no bairro do Paraíso, diante de uma rua batizada com o nome de Mário Kozel Filho, realiza eventos em memória do soldado. O mais recente deles aconteceu em julho de 2018, quando o assassinato completou 50 anos. Estava presente a irmã do soldado, Suzana. Seus pais já são falecidos e demoraram anos para descobrir que tinham direito a uma pensão em nome do filho.

Definido em 2003, o valor era de R$ 330. Foi atualizado para R$ 1.140 em 2005. Mas o casal só foi informado em 2007, pela imprensa, a respeito dos valores. Em comparação, desde 1993 a viúva do guerrilheiro Carlos Lamarca recebe uma pensão de R$ 9.963,98, posteriormente atualizada para R$ 12.152,61. Lamarca era integrante do grupo que realizou o atentado, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que no ano seguinte se fundiria ao Comando de Libertação Nacional (Colina), de que participava a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Dilma, portanto, não participou da ação contra o QG do Exército.

“Não serviu para nada”

A investigação que se seguiu, e os depoimentos posteriores de guerrilheiros, indicam que oito homens e duas mulheres participaram da ação. Um deles, Eduardo Collen Leite, era membro da Resistência Democrática. Os demais eram todos integrantes da VPR: Waldir Carlos Sarapu, Wilson Egídio Fava, Onofre Pinto, Diógenes José de Carvalho Oliveira, José Araújo Nóbrega, Osvaldo Antônio dos Santos, Dulce de Souza Maia, Renata Ferraz Guerra de Andrade e José Ronaldo Tavares de Lira e Silva. Preso pela ditadura, Diógenes posteriormente passou a ter direito a uma indenização mensal de R$ 1.62.

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Em 1998, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho publicou um livro com base em entrevistas com guerrilheiras. A obra, Mulheres que foram à luta armada, inclui um depoimento de Renata Guerra de Andrade sobre o episódio. Ela explicou que a ação foi uma resposta a uma provocação do general Manuel de Carvalho Lisboa, comandante do II Exército. Dias antes, os guerrilheiros haviam invadido um hospital para roubar armas, ao que o militar declarou: “Essa foi uma iniciativa subversiva. Nela, não houve heroísmo algum. Desafio os subversivos a roubar armas dos meus quarteis, e não de hospitais”

Renata disse que a intenção, com o carro bomba, era responder ao coronel, sem matar ninguém – por isso a ação ocorreu de madrugada. “Nós aceitamos a provocação do general. Depois a gente se autocriticou por ter feito isso, que não serviu para nada. A não ser para matar o rapazinho”, ela declarou a Luiz Maklouf Carvalho.

Período violento

O ataque de julho não foi isolado. Ao longo de 1968, os guerrilheiros realizaram uma série de atentados – e isso meses antes do dia 13 de dezembro, quando foi anunciado o Ato Institucional Número 5, que reforçou o caráter ditatorial do regime militar iniciado quatro anos antes. Começando em março, com a explosão de uma na Avenida Paulista, os grupos de guerrilheiros promoveram ataques que deixaram 12 vítimas fatais naquele ano (veja a lista abaixo).

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Ao longo dos anos seguintes, o regime militar se reorganizou e passou a caçar os grupos terroristas – utilizando-se de tortura para obter informações e confissões. Em 1974, com o fim da Guerrilha do Araguaia, a resistência armada estava derrotada. Segundo a Comissão da Verdade, morreram 434 pessoas entre os guerrilheiros. De seu lado, os militares contabilizam 126 vítimas fatais.

Escalada de terror

Os atentados realizados pelos guerrilheiros em São Paulo, em 1968

  • 10/01 – Agostinho Ferreira Lima – Amazonas: No dia 6, nove guerrilheiros atacaram uma lancha da Marinha Mercante no Rio Negro. Agostinho não resistiu aos ferimentos.
  • 31/05 – Ailton de Oliveira – Rio de Janeiro: Guarda penitenciário, foi ferido mortalmente durante uma ação que tentava libertar nove integrantes do Movimento Armado Revolucionário (MAR) da Penitenciária Lemos de Brito.
  • 26/06 – Mário Kozel Filho – São Paulo: Vítima de um carro-bomba lançado por integrantes da VPR.
  • 27/06 – Noel de Oliveira Ramos – Rio de Janeiro: Atingido por um tiro no Largo de São Francisco, no início de uma manifestação estudantil a favor do regime militar.
  • 27/06 – Nelson de Barros – Rio de Janeiro: No mesmo dia, durante uma manifestação contra a ditadura, o sargento da Polícia Militar foi atingido por um tiro e faleceu.
  • 01/07 – Edward Ernest Tito Otto Maximilian Von Westernhagen – Rio de Janeiro: Major do Exército alemão, foi confundido com o major boliviano Gary Prado, famoso por ter matado Che Guevara. Membros do Comando de Libertação Nacional (Colina) o dispararam dez tiros contra ele.
  • 07/09 – Eduardo Custódio de Souza – São Paulo: Estava de sentinela no DEOPS quando foi alvejado por sete tiros.
  • 20/09 – Antônio Carlos Jeffery – São Paulo: A VPR atacou a sentinela do quartel da Força Pública de São Paulo, no Barro Branco. O soldado Jeffery foi morto a tiros.
  • 12/10 – Charles Rodney Chandler – São Paulo: Veterano da guerra do Vietnã, o capitão cursava sociologia e política na Fundação Álvares Penteado. Sem posse de nenhum tipo de informação confiável, membros da VPR consideraram que ele era um agente da CIA e o atacaram com metralhadora e revólveres.
  • 24/10 – Luiz Carlos Augusto – Rio de Janeiro: Durante uma passeata estudantil, foi morto por um tiro.
  • 25/10 – Wenceslau Ramalho Leite – Rio de Janeiro: Integrantes do Colina o atacaram com quatro tiros de pistola enquanto tentavam roubar seu carro.
  • 07/11 – Estanislau Ignácio Correia – São Paulo: Assassinado por membros da VPR que tentavam levar seu automóvel.
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