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Em 1º de maio de 2013, a cantora Anitta subiu no palco do Dia do Trabalhador organizada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), no Vale do Anhangabaú, e cantou para cerca de 50 mil pessoas.
Embora não tivesse atingido o auge da fama, ela já havia alcançado sucesso nacional — tanto que foi eleita a artista do ano pelo iTunes Brasil.
No mesmo dia, na mesma cidade, Gusttavo Lima se apresentou na festa organizada pela Força Sindical. Atrás dele, era possível ver a logomarca da Hyundai, uma das patrocinadoras da celebração.
Há menos de uma década, as comemorações de 1º de maio costumavam reunir dezenas de milhares de espectadores no centro de São Paulo. O formato da comemoração consistia em uma mistura curiosa de artistas popularescos, sindicalistas e líderes políticos de esquerda.
Mas, nos últimos anos, os eventos têm estado cada vez mais esvaziados. Neste ano, ao contrário do que fez em 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu não comparecer.
O que aconteceu com o 1º de maio?
O fim do imposto sindical, que entrou em vigor em 2017, certamente ajuda a explicar a perda do protagonismo de organizações como a CUT. Mas o encolhimento do Dia do Trabalhador tem a ver com um processo mais amplo.
Lula reclamou de 2024
No ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subiu ao palco da festa de 1º de maio, havia exatamente 1.635 pessoas na plateia reunida no estacionamento da Arena do Corinthians, na zona leste de São Paulo. A estimativa foi feita pelo "Monitor do Debate Político", da Universidade de São Paulo (USP), com base em imagens aéreas.
Em ano eleitoral, Lula fez do evento uma plataforma para Guilherme Boulos (PSOL), que disputava a prefeitura de São Paulo.
Durante o seu discurso, o petista nem tentou esconder a insatisfação com a baixa presença de público. “O ato está mal convocado. Nós não fizemos o esforço necessário para levar a quantidade de gente que era preciso levar”, disse Lula, dirigindo-se a um dos dirigentes sindicais encarregados de organizar o evento.
Se o presidente não foi capaz de atrair um grande número de pessoas, as atrações musicais tampouco. A estrela maior foi a cantora Paula Lima.
Fim do Imposto Sindical foi baque financeiro
O fim do Imposto Sindical, em 2017, afetou diretamente o caixa dos sindicatos e das centrais sindicais.
Segundo o Ministério do Trabalho, o valor da contribuição sindical caiu cerca de 98% entre 2017 e 2023. A arrecadação CUT, por exemplo, passou de R$62,2 milhões em 2017 para R$ 276,6 mil cinco anos depois.
Sem recursos para contratar os artistas mais valiosos do momento, os eventos do Dia do Trabalhador também perderam o potencial de atrair patrocinadores. O apoio de grandes marcas do setor privado, que era comum em outros anos, sumiu. Em 2024, sobrou apenas a estatal Petrobras.
Se, em 2014, a lista de atrações do ato da CUT teve Paula Fernandes e Michel Teló — ambos na lista dos maiores cachês da época, o fim do Imposto Sindical forçou as entidades de classe a cortar custos.
Em 2019, a CUT e a Força Sindical, que organizavam eventos separados em São Paulo, passaram a promover um ato unificado.
Em 2020 e 2021, por causa da pandemia, o evento foi substituído por transmissões ao vivo na internet.
Quando a comemoração voltou a ser realizada, em 2022, as dimensões da festa já eram bem menores. Naquele ano, a atração principal foi Daniela Mercury. Em 2023, a lista de destaques mencionava “Zé Geraldo, Toninho Geraes, Almirzinho, MC Sofia, Edi Rock e Dexter”.
Neste ano, a festa trocará o centro da cidade pela Praça Campos de Batagelle, na Zona Norte de São Paulo. A dupla Fernando e Sorocaba é o nome mais conhecido dentre os artistas que vão se apresentar.
Número de membros também está em queda
O fim do Imposto Sindical não é a única razão para o encolhimento das comemorações de 1º de Maio.
A popularização da internet reduziu drasticamente a importância das entidades de classe para as mobilizações populares. As redes sociais permitiram o surgimento de organizações horizontais. Ao contrário do que aconteceu com o impeachment de Fernando Collor, em 1992, a cassação de Dilma Rousseff 24 anos depois, não teve a participação de entidades como a CUT ou a UNE (União Nacional dos Estudantes). Os atos eram convocados e divulgados pela internet.
“Os sindicatos, de fato, perderam a importância que outrora exerceram como organizadores das demandas da classe trabalhadora. Esse fato não é recente e alcança também os partidos políticos", diz Rogério Baptistini, sociólogo e professor de Ciências Econômicas na Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Outro sintoma da perda de influência dos sindicatos é a redução no número de trabalhadores sindicalizados.
Em 2023, 8,4% dos trabalhadores empregados no Brasil integravam sindicatos. Em 2012, o índice era de 16,1%. Apesar de a população ter crescido no período, o número absoluto de sindicalizados caiu significativamente no mesmo período: de 14,4 milhões para 8,4 milhões de pessoas.
Na categoria indústria, o índice de trabalhadores sindicalizados passou de 21,3% para 10,3% entre 2012 e 2023.
Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Sindicatos perderam importância social
Quando os números do IBGE foram divulgados, a coordenadora de Pesquisas por Amostra de Domicílios do órgão, Adriana Beringuy, atribuiu a redução a mudanças na economia. Segundo ela, além da redução do interesse na sindicalização, o Brasil tem passado por um processo de desindustrialização.
“Nos últimos anos, há cada vez mais trabalhadores inseridos na ocupação de forma independente, seja na informalidade ou até mesmo por meio de contratos flexíveis, intensificados pela reforma trabalhista de 2017. Além disso, atividades que tradicionalmente registram maior cobertura sindical, como a indústria, vêm retraindo sua participação total no conjunto de trabalhadores”, Adriana afirmou.
Já Baptistini vê outro fator como preponderante no esvaziamento dos sindicatos. "Com a instabilidade como marca no mundo do trabalho, a política de esquerda parece ter se deslocado do tema da classe para os temas chamados de identitários, como gênero e raça. E a direita tradicional ocupa o lado oposto, da conservação de certos valores que estariam ameaçados. O trabalho, portanto, perde a centralidade na política. E os sindicatos não têm a quem falar”, ele afirma.
Baptistini acredita também que o descrédito crescente das instituições políticas se estendeu aos sindicatos. “O temor de perda de status social, de ver o futuro dos filhos ameaçado, a aposentaria em risco, lança as pessoas numa jornada de ressentimentos de descrença para com a política tradicional. É o que assistimos no Brasil e no mundo”, diz o professor.