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O auxílio-moradia que 86% dos juízes brasileiros recebem é de R$ 4.377,35. Este valor complementa salários que ultrapassam R$ 30 mil. Mesmo sozinhos, os mais de quatro mil reais mensais serviriam para colocar os magistrados acima de 92% da população brasileira em termos de salário

Embora o auxílio-moradia para os juízes esteja completando sua maioridade em 2018, já que foi criado por meio de uma liminar durante o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2000, ele ainda enfrenta vários percalços, tanto de ordem jurídica como moral. 

Desde que foi aprovado, o montante passou a ser depositado de forma automática para os juízes. É mais difícil abrir mão da regalia do que recebê-la – para rejeitar, é preciso preencher um formulário. Em 2017, o Brasil gastou 920 milhões de reais com o auxílio-moradia de vossas excelências. 

Durante todo este período, houve alguns questionamentos, mas o benefício voltou a ser discutido com força recentemente, quando se descobriu que o juiz Marcelo Bretas, mesmo morando com a esposa – também juíza e que já recebe o auxílio – entrou na justiça para receber a mesma regalia. Não parou por aí. Mesmo tendo residência em Curitiba, um apartamento de mais de 200 metros quadrados, o juiz Sérgio Moro também recebe o auxílio

Em tese, o auxílio-moradia deveria ser destinado apenas aos profissionais que vão trabalhar fora de suas cidades de origem. Na prática, ele acaba funcionando como uma maneira de aumentar artificialmente os salários dos juízes.

O fato de que justamente ele e Moro, que vêm fazendo um trabalho excepcional na Operação Lava Jato, usem o benefício – mesmo que de forma legal, como frisou Bretas ao se defender sobre a demanda feita à Justiça para aumentar seu soldo – é um sinal de que a prática está disseminada. Em estados pobres – em PIB e IDH – como o Tocantins, 99% dos juízes recebem o auxílio, que é totalmente livre de impostos, mais uma regalia reservada apenas aos membros do judiciário, legislativo e executivo. 

Ilegal não é, mas a moralidade de um país pobre gastar tanto com servidores públicos que recebem mais que 99% dos brasileiros é passível de discussão. Logo que Bretas e Moro foram expostos, políticos que são contra a Lava Jato aproveitaram o momento para atacá-los e também pôr em xeque toda a operação. 

A senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR) foi ao Twitter criticar Moro. “Alguém tem de explicar para o senhor Sergio Moro que o povo, que ganha salário mínimo, não tem esses artifícios para se proteger”, escreveu. E emendou: “O salário mínimo não terá reajuste. Aliás, grande parte das pessoas está desempregada. O senhor ganha bem mais de $ 30 mil.” 

Gleisi mora em um apartamento funcional – pago pelo dinheiro dos impostos da população – de 230 metros quadrados em Brasília. Se dispensasse o apartamento, também receberia auxílio-moradia. 

“Isso faz parte da tática petista de colocar todos em uma espécie de vala comum, sem diferenciar”, disse o colunista da Gazeta do Povo Flavio Gordon no podcast Ideias sobre auxílio-moradia e carnaval. 

O blogueiro da Gazeta do Povo Rodrigo Constantino concorda com Gordon sobre a tática diversionista usada pelos adversários da Lava Jato, mas afirma que a questão do auxílio-moradia não deve ser ignorada. “Não é porque eles estão sendo oportunistas que vamos ignorar este problema para o qual chamamos a atenção faz anos.” 

Na parte de baixo da pirâmide, os beneficiários do Bolsa-Família veem todo mês pingar em suas contas R$ 178,45 - valor médio do benefício do mês de janeiro de 2018, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social. 

Entre as mais de 13 milhões de famílias beneficiárias do programa é possível notar, no entanto, um movimento oposto ao realizado por parte dos magistrados, por exemplo. Em 2015, quando o programa já tinha 11 anos de existência, o governo federal havia contabilizado a saída voluntária de 3,1 milhões de famílias

Nesse universo de pessoas que dependem da ajuda do governo para se manter, quem progrediu o suficiente resolveu abrir mão de uma valor de R$ 178,45 – parece pequeno, mas representa quase 20% de um salário mínimo. A saída voluntária tem ainda mais valor ao se ressaltar o fato de que o monitoramento é feito anualmente por meio de uma atualização cadastral. Ou seja, se alguém já pode deixar de receber o benefício no começo do ano, poderia continuar por mais meses até a atualização ser feita. 

Em março, a ministra Carmen Lúcia deve colocar o assunto em votação no STF. É uma boa chance dos magistrados acabarem com os erros que vêm sendo cometidos há tempo demais. 

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