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Comecei a escrever este ensaio na manhã de 21 de abril de 2025, menos de meia hora após receber a notícia da morte do Papa Francisco. Este é o momento dos obituários prontos, da calma antes dos debates sobre seu legado e dos sussurros sobre a política de sucessão no Colégio dos Cardeais.
Mas nada disso é o foco deste texto — tampouco farei afirmações diretas sobre os rumos que a doutrina, os ensinamentos ou as práticas da Igreja devem tomar. Partindo do princípio de que nenhuma crise grave torne este ensaio irrelevante, minha intenção é simples: refletir sobre o papel da Igreja, qualquer que seja o sucessor de Pedro.
E minha tese é a seguinte: a Igreja precisa ser um espaço de encontro real e concreto — de amizade face a face e até de fricções interpessoais — em uma era de “angelismo desencantado”, na qual a transcendência parece inalcançável. Esse apelo à concretude pode soar abstrato, mas espero torná-lo mais palpável nas linhas que seguem.
A Igreja sempre foi um sinal de contradição esperançosa, embora os erros que ela confronta mudem com o tempo. No mundo pagão dos primeiros séculos, o que predominava era uma imanência sufocante: um universo eterno de tempo cíclico, um céu intransponível, e um destino atado à posição social — quase sempre sujeito aos caprichos de deuses inconstantes ou de homens que se comportavam como tais.
A boa nova dos Evangelhos rompia com essa lógica: o cosmos tinha um início e um fim (em ambos os sentidos da palavra), o céu se abriria como uma cortina, e nossa condição final poderia ser a união com um Deus que nos criou à sua imagem e que é, em si, amor. Diante da densidade opressora daquele regime metafísico, não surpreende que o Espírito Santo tenha vindo como fogo e vento. E tampouco causa espanto que, como reação, tenha surgido a tentação gnóstica de uma espiritualidade desencarnada.
A era contemporânea, por contraste, parece fugir da concretude. Já se tornou lugar-comum lamentar o fato de vivermos em um mundo virtual e disperso — mas isso não o torna menos verdadeiro. Em seu instigante livro A Web of Our Own Making: The Nature of Digital Formation [Uma Teia de Nossa Própria Criação, sem edição no Brasil], o filósofo Antón Barba-Kay mostra como a cultura digital vem reformulando a maneira como nos percebemos e compreendemos o mundo.
Passamos a nos definir pelo que é quantificável digitalmente (e vendável), mergulhando numa existência de distração constante, sem atrito e distante do outro — uma vida de avatares em rivalidade mimética com outros avatares, não de pessoas em comunhão. Ao destravarmos nossos celulares, os olhos que mais frequentemente encontramos são os nossos. Nesse cenário, a acédia — um antigo conceito cristão que descreve o tédio espiritual e a apatia diante do bem — deixa de ser apenas um vício: torna-se o modo de vida dominante.
Vivemos, assim, uma conjunção das duas ordens que mencionei antes: a opressão imanente do cosmos pagão e o ideal abstrato do gnosticismo. Somos, ao mesmo tempo, deuses sublunares desencarnados e erráticos, tentando escapar da morte com um rolar infinito de tela — um apocalipse digital contínuo.
Não fomos feitos para isso. E, naturalmente, somos infelizes. Tampouco há soluções fáceis: aplicativos e hacks de vida só reforçam as mesmas estruturas que nos aprisionam. A Igreja, como tantas vezes na história, pode nomear, diagnosticar e curar essa doença.
Em tempos desencarnados, ela permanece resolutamente encarnada: o toque da água benta, a unção com óleo, a pitada de sal, o aroma do incenso, a voz da absolvição, o tapa suave da crisma, as velas de São Brás sobre a garganta, a imposição das mãos, a dor nos joelhos durante a consagração, a relíquia seca de um santo — e, sobretudo, o sabor do pão e do vinho que, pelo mistério da fé, são corpo e sangue de Cristo. É o sofrimento redimido pelo amor. E esta revolução não será digitalizada.
Ao contrário do gesto pagão de queimar incenso diante do imperador, essa materialidade aponta além de si: para a ressurreição de um corpo espiritualizado, uma união hipostática que é a negação radical da abstração preguiçosa do nosso tempo.
Não se trata de uma proposta nova, mas de uma verdade perene — providencialmente adequada ao nosso tempo. O mais importante que a Igreja pode fazer hoje é apresentar-se como tal e estar presente de forma incisiva. Ser ela mesma, com ainda mais intensidade.
Não sei se precisamos de novas iniciativas institucionais. Talvez seja melhor nos inspirarmos nas práticas do passado, que promoveram encontros verdadeiros: ser alegremente diferentes, em público, e contar ao mundo, pessoa por pessoa, o porquê dessa diferença.
Para as paróquias, isso significa portas abertas, acesso aos sacramentos, pregação clara da fé, acolhimento aos curiosos e hospitalidade ao estrangeiro. Não é algo revolucionário, mas tampouco trivial, dadas as tensões enfrentadas por um clero cada vez mais sobrecarregado.
Para os leigos, trata-se de converter-se continuamente e voltar-se, dia após dia, às riquezas da fé. Significa rezar, viver os sacramentos — não como último recurso espiritual, mas como o caminho para nos tornarmos quem realmente somos chamados a ser, e amar aquele que somos chamados a amar.
Nada substitui o encontro pessoal. Nenhum programa pastoral é capaz de realizar o que só o contato humano proporciona. A missão da Igreja, hoje, pode parecer singela: estar presente. Mas é justamente isso que um mundo deslocado e desencarnado mais necessita — saber que o Ser está presente.
É verdade que os católicos divergem em muitos pontos — e essas divergências são relevantes. Seria ingênuo esperar que um “consenso mínimo” entre diferentes correntes doutrinárias, litúrgicas ou ideológicas resolva tudo. Reconheço também que, para alguns, o que escrevi pode soar como uma defesa implícita de uma ortodoxia “normal” — nem morna, nem radical. E talvez seja isso mesmo. Afinal, não há ponto de vista neutro sobre questões fundamentais.
Mas acreditar na Igreja Católica — e no depósito de fé que ela preserva — exige reconhecer um núcleo inegociável, que resiste às marés da política. E, por ora, isso basta. Aliás, isso é tudo: um desafio, uma promessa, uma contracultura. Um sinal de contradição que deveríamos carregar como marca na testa — comunguemos na mão ou de joelhos.
Em suma: o que o mundo precisa é de catolicismo puro e simples — e em abundância.
Jeffrey Pojanowski é professor titular na Faculdade de Direito de Notre Dame, nos Estados Unidos. Publicou em revistas como Harvard Law Review, Yale Law Journal e Georgetown Law Journal. É coeditor do periódico The American Journal of Jurisprudence. Graduou-se em Políticas Públicas pela Universidade de Princeton e formou-se com distinção magna cum laude na Faculdade de Direito de Harvard. Foi assessor jurídico dos juízes John Roberts e Anthony Kennedy, da Suprema Corte norte-americana.
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©2025 the Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês: Being There: Pope Francis’s Death and the Future of the Catholic Church