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Eleitora vota pelo correio, durante as eleições de meio de mandato de 2022, em Miami, Flórida, neste sábado
Eleitora vota pelo correio, durante as eleições de meio de mandato de 2022, em Miami, Flórida, neste sábado| Foto: EFE/EPA/CRISTOBAL HERRERA-ULASHKEVICH

Acusações de que um candidato recebeu mais votos em uma seção do que o número de eleitores existentes na localidade, apuração apontando resultados muito díspares das pesquisas de boca de urna, questionamentos acerca da confiabilidade das urnas eletrônicas. As situações nada hipotéticas poderiam se aplicar perfeitamente ao cenário brasileiro pós-eleição presidencial, mas são, na verdade, retiradas de notícias dos Estados Unidos do início dos anos 2000. Se, no Brasil, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro têm questionado a integridade das urnas eletrônicas nos últimos dias, com base em um vídeo e um relatório divulgado pelo canal argentino La Derecha Diario, a história norte-americana recente mostra que contestar as urnas e a lisura do processo eleitoral não é uma invenção de bolsonaristas por aqui ou de republicanos (e trumpistas) por lá lá.

Em novembro de 2000, a contagem de votos na corrida presidencial dos EUA mostrava vitória apertadíssima do republicano George W. Bush sobre o democrata Al Gore. A pequena diferença entre os dois levou a uma recontagem de votos e à judicialização do processo eleitoral, que terminou apenas um mês depois com a intervenção da Suprema Corte. Quatro anos mais tarde, a reeleição de Bush levantaria uma série de suspeitas sobre fraude eleitoral no país. Na época, as pesquisas de boca de urna apontavam vitória esmagadora do candidato democrata John Kerry. A explicação para a virada de Bush veio acompanhada de teorias da existência de eleitores fantasmas em Ohio e de fraude em condados majoritariamente democratas da Flórida.

Com base em parte desses argumentos, três congressistas democratas escreveram uma carta ao Government Accountability Office [órgão do Legislativo responsável por auditorias, avaliações e investigações] dos EUA. O documento mencionava o site ustogether.org, que questionava o motivo de condados da Flórida com mais democratas registrados terem votado majoritariamente em Bush. A hipótese era de alteração dos resultados das urnas. "Estamos solicitando uma investigação sobre todas as alegações, de irregularidades com relação às urnas eletrônicas e outras urnas para que as pessoas possam ter confiança no resultado desta eleição e para que quaisquer deficiências sejam alteradas antes da próxima eleição", disse o deputado democrata Jerrold Nadler, de Nova York.

As suspeitas acerca da confiabilidade do processo eleitoral desde então deu origem a livros, artigos e documentários sobre o tema. Um desses autores é Steven Freeman, então pesquisador da Universidade da Pensilvânia, autor do livro ‘A eleição presidencial de 2004 foi roubada?: pesquisas de boca de urna, fraude eleitoral e a contagem oficial’ [em tradução livre]. Intrigado com os números, uma semana após o pleito, ele compartilhou um rascunho de suas descobertas com colegas, assegurando que “a fraude era uma hipótese inevitável”.

“Ao longo dos 16 anos que se seguiram às eleições de 2004, os candidatos venceram e cederam; presidentes foram empossados. Mas o movimento vagamente definido que foi lançado naquela época sobreviveu. A maioria de seus membros é de esquerda, embora nem todos se identifiquem como democratas. Eles passaram a definir sua causa não em torno da presidência legítima de John Kerry, mas em torno da ideia de integridade eleitoral. Alguns estão fixados na supressão de eleitores; alguns subscrevem conspirações de estado profundo sobre a manipulação de máquinas de votação. O que eles compartilham é a convicção de que a eleição de 2004 foi uma farsa e que expôs uma trama abrangente e antidemocrática”, afirmou a escritora Joanna Weiss, em artigo publicado pelo site O Politico, em 2020.

Eleição de Donald Trump

Às vésperas das eleições de meio de mandato no país, empresas produtoras de urnas eletrônicas enfrentam ceticismo da base do Partido Republicano, especialmente entre os apoiadores do ex-presidente Donald Trump. No último fim de semana, por exemplo, protestos contra as urnas eletrônicas nos estados de Nevada, Arizona, Pensilvânia, Dakota do Sul e Minnesota resultaram na instituição pelas autoridades de contagem à mão como forma de checagem.

Em 2020, Trump se manifestou nas redes sociais, alegando que sua derrota para o democrata Joe Biden era fruto de uma fraude. Acusado de “negacionismo eleitoral”, ele teve inclusive sua conta suspensa no Twitter. Quatro anos antes, no entanto, até mesmo o FBI se demonstrou preocupado com a segurança eleitoral e com uma suposta intervenção russa no processo que culminou na vitória de Trump. O que diferencia conspiração de defesa nacional, portanto, parece ser o lado que alega existência de fraude.

No mês passado, Hillary Clinton acusou os republicanos de estarem tramando uma fraude nas próximas eleições: "Os extremistas de direita já têm um plano para literalmente roubar a próxima eleição presidencial". A fala foi uma atualização de suas alegações acerca da derrota para Donald Trump em 2016, que ela atribuiu de "supressão e expurgo de eleitores” até “hackeamento e histórias falsas", insistindo que ele foi um “presidente ilegítimo".

O ex-presidente Jimmy Carter também opinou que uma investigação da interferência russa "mostraria que Trump não venceu a eleição em 2016". Outros parlamentares, como o senador Bernie Sanders, o deputado John Lewis, já falecido, e a deputada Maxine Waters foram outros que colocaram em xeque a legitimidade da vitória de Trump nas urnas. Na Geórgia, Stacey Abrams não admitiu a própria derrota para o governo em 2018, insistindo que “ganhou”, "apesar da contagem final e da posse e da situação em que nos encontramos".

Uma reforma eleitoral para garantir “que ninguém jamais tenha a oportunidade de roubar uma eleição novamente” está entre os planos de Joe Biden, caso os democratas vençam as eleições de meio de mandato. Sessenta por cento dos republicanos acreditam que a presidência de Biden é ilegítima e 40% dizem que se o partido não retomar o Congresso nesta semana, será sinal de fraude eleitoral.

Documentários

O documentário americano ‘2000 mules’, lançado neste ano, com roteiro e direção do comentarista conservador Dinesh D'Souza, afirma que pessoas ligadas ao Partido Democrata foram pagos por Ongs não identificadas para uma fraude eleitoral que consistia em depositar ilegalmente cédulas em urnas do Arizona, Geórgia, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin durante as eleições presidenciais de 2020. Checadores internacionais de notícias, como a agência Reuters, disseram ter examinado o filme, não encontrando “evidência concreta que comprovasse definitivamente a fraude”.

Outro documentário sobre a temática é ‘Kill Chain  – A Ciberguerra nas Eleições Americanas’, disponível na HBO Max, com o lendário hacker finlandês Harri Hursti, especialista em eleições. O filme traz uma visão da  vulnerabilidade assustadora da tecnologia usada no sistema de votação norte-americano. “Fico ouvindo que o sistema não pode ser hackeado. Errado. Tudo pode ser hackeado. Sempre", diz Hursti.

“O que chamamos de urnas eletrônicas”, mostra o documentário, ‘não passam de computadores obsoletos”, cujos votos são registrados em mídias removíveis, como pendrives e cartões de memória. Em 2006, em outro documentário chamado ‘Hacking Democracy’ [Hackeando a Democracia, em tradução livre], Hursti demonstrou como, usando apenas um cartão de memória, é possível alterar votos em urnas eletrônicas com facilidade. "Não é uma questão partidária, é um problema comum, de todos que moram nos Estados Unidos. E temos que solucioná-lo, a fim de preservar nosso modo de vida, nossa sociedade, nosso estado de direito e nosso direito ao autogoverno", afirma.

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