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Hollywood e entretenimento
Antes pontos de convergência cultural nos Estados Unidos, as mídias de entretenimento e notícias alienaram o público conservador. Mas acontecimentos recentes sugerem um recuo da lacração, diz Joel Kotkin.| Foto: Pixabay

Depois de uma década de crescimento rápido, o complexo midiático e de entretenimento dos EUA está diante de uma retração e, talvez, de uma reavaliação necessária. Firmas estão se fundindo. Trabalhadores estão sendo demitidos na Disney, Warner Brothers, Paramount, CBS e outras produtoras. Empresas midiáticas de notícias como a CNN, Gannet e Buzzfeed planejam ações similares. Em 2022, as ações das empresas de mídia caíram US$500 bilhões (R$2,6 trilhões) em valor, e as ações de empresas de tecnologia, que são atores cada vez maiores no entretenimento e nas notícias, sofreram um revés de impressionantes US$4 trilhões (R$21 trilhões).

Esse declínio reflete o crescente distanciamento entre a mídia tradicional e ao menos metade de seu público em potencial. De acordo com a Gallup, a confiança geral do público na mídia atingiu a menor já observada; menos de um terço dos respondentes da pesquisa expressam confiança, metade da proporção que pensava assim em 1978. Hollywood, televisão e rádio registram níveis parecidos de baixa confiança.

Enquanto isso, muito da mídia estabelecida vê sua missão primária não em informar ou entreter, mas em propagar ideologias. Mas essa mudança, os executivos sabem, não é sustentável de acordo com a métrica mais crítica — os lucros. “Penso que no fim das contas ninguém se importa muito com política, mas se importa com dinheiro”, sugere um executivo em alta posição. “As pessoas sabem que sexo e violência vendem mais que sermões políticos. No fim, se você quer mandar uma mensagem, use a Western Union”.

Tradicionalmente, Hollywood e a mídia jornalística americana foram famintos por lucros e orientados para o mercado. O entretenimento, em especial, começou como uma indústria principalmente de forasteiros, forjada em grande parte por imigrantes judeus que haviam trabalhado antes como estofadores, açougueiros, peleiros e vendedores de roupas. Embora o nepotismo tenha começado cedo, muitas das estrelas pioneiras estavam longe de ser da aristocracia do teatro; no começo, muitos eram, na verdade, caubóis. Os marajás, claro, raramente andavam a cavalo, mas eles tiveram sucesso, como nota Neil Gabler, porque “vendiam filmes como se vende roupas”.

Em contraste, a indústria do cinema europeu tem sido dominada há tempos por empresas e verbas estatais. Ela era vista como patrimônio nacional — um modo de afirmar independência cultural em relação ao que os franceses, por exemplo, consideravam colonização cultural de Hollywood. Um padrão similar surgiu na mídia jornalística. Mesmo que a BBC tenha sido o nome mais respeitado nas notícias, foram as empresas americanas — todas fundadas por empresários como William Paley, da CBS, David Sarnoff, da RCA e Ted Turner, da CNN — que se tornaram as fontes globais de informação mais influentes. Em termos históricos, os serviços de notícias da Rússia, China e Europa nunca puderam competir com a concorrência oportunista americana, determinada a monetizar a audiência.

Mas até mesmo nos Estados Unidos, as empresas de notícias e entretenimento hoje mostram sinais inconfundíveis de decadência interna. A superprodução de diplomas de artes inundou o mercado e tornou o acesso a empregos mais dependente de contatos pessoais. Com o custo médio de US$100 mil (R$523 mil) cada um, os mestrados em belas artes podem ser acachapantemente de esquerda, mas também não dão boa renda, levando a salários anuais médios de só US$67 mil (R$350 mil). Esse credencialismo crescente apresenta uma barreira poderosa de entrada para pessoas da classe trabalhadora, nota o jornal Guardian. Hoje, “filhotes de nepotismo” confessos dominam cada vez mais, enquanto encolhem as oportunidades para aqueles que não têm as estirpes corretas ou as credenciais caríssimas.

Há muito as pessoas se preocupam que a obsessão com o lucro poderia baixar os padrões culturais. Porém, pode-se defender que a mídia americana teve o seu auge quando a cultura era uma indústria competitiva e capitalista. Nos EUA de meados do século XX, uma cultura literata era compartilhada de forma geral entre os árbitros do gosto e a classe média. O americano médio dos anos 1950 comprava um grande número de obras e livros clássicos por autores contemporâneos tais como Ruth Benedict e Saul Bellow, como contou o historiador Fred Siegel. Muitos gostavam de assistir a peças de Shakespeare na televisão; um programa desse tipo atraiu a notável audiência de 50 milhões de telespectadores.

Em Hollywood, grandes filmes tendiam a ser também filmes populares, com frequência. Os críticos elogiavam e os espectadores lotavam os cinemas para ver filmes como Amor, Sublime Amor (West Side Story), A Noviça Rebelde ou mais recentes como a trilogia O Senhor dos Anéis. Em contrapartida, hoje os filmes ganhadores de prêmios parecem na maior parte escolhidos por seu apelo a gente dentro da indústria e refletem ignorância ou desprezo por boa parte de seu público em potencial. De fato, muitos filmes considerados dignos do Óscar hoje têm vendas brutas de valor menor que o preço de uma mansão “modesta” em Beverly Hills.

Ironicamente, conforme a mídia se torna mais iluminada, os filmes que vendem de verdade se tornam mais grosseiros. Hollywood agora ganha a maior parte de seu dinheiro com filmes de super-heróis apropriados para um público pós-literato (embora a franquia Marvel possa estar perdendo gás). Enquanto isso, os críticos cada vez mais marginalizam os grandes filmes do passado por causa de sua falta de representação de minorias ou mulheres. Rio Bravo, Touro Indomável, Nashville e Lawrence da Arábia recentemente foram removidos de uma nova lista britânica dos 100 melhores filmes. A mídia jornalística, também, segue cada vez mais as divisões ideológicas estritas. Como nota Cathy O’Neil, autora do livro Weapons of Math Destruction (Armas de Destruição Matemática, em tradução livre, 2016), a Internet “reverteu a equação” do conhecimento comum, tornando mais lucrativo promover a divisão.

O mundo dos negócios americano alega que a lacração é boa para os negócios, mas há poucas evidências para essa alegação. Como sugeriu o crítico de cinema Michael Medved, a mídia tem perdido contato com grande parte dos Estados Unidos por ao menos três décadas, mas o problema parece ter chegado a um ponto de ruptura. Depreciar grandes públicos, como homens brancos jovens ou, de forma mais ampla, pessoas com valores conservadores, revela-se uma estratégia ruim de crescer no mercado.

Os fatos são devastadores. Pontos de audiência para todos os canais tradicionais implodiram, enquanto muitos dos filmes politicamente corretos de Hollywood — em especial os remakes — se saíram mal, junto com a bilheteria total, que fracassou em recuperar o que foi perdido na pandemia. Outro sinal: a queda de audiência para programas de premiação como o Óscar e o Grammy.

Até a Disney descobriu que suas paixões dogmáticas são incompatíveis com os lucros. Os estúdios de cinema do Reino Mágico produziram uma caravana de fracassos tais como a história de origem do Buzz Lightyear, que tratou de temas gays. Filmes com temas proeminentes de política sexual ou racial, como Mundo Estranho, despencaram sem chamar muita atenção (fora das reuniões de acionistas da Disney). A adoção do identitarismo e o conflito político com o governador da Flórida Ron DeSantis levou a uma queda da Disney no valor das ações. A empresa está eliminando postos de trabalho e sua aprovação popular, antes altíssima, caiu de 77% para 50%. Mesmo assim, ao menos uma executiva da cúpula, Karey Burke, quer mais, prometendo no ano passado que metade dos personagens em novas obras seriam LGBT ou de minorias raciais.

Tudo aponta que os americanos estão famintos por um retorno da nossa cultura e história compartilhadas — as mesmas que pretensos árbitros culturais querem abandonar. Na área das notícias, a CNN foi a mais emblemática da desconexão cultural. Enquanto o canal persistia com sua obsessão por Donald Trump e o politicamente correto para bem além do ano 2020, sua audiência entrou em colapso, forçando-o a tentar corrigir curso expulsando agitadores progressistas como Brian Stelter e Jeff Zucker. Sob a nova direção do CEO David Zaslav, da Warner Bros. Discovery, a CNN e sua empresa matriz parecem estar tentando se deslocar para o centro político, encerrando o serviço de notícias CNN+ e cancelando um filme politicamente correto da Batgirl que se deu mal com públicos de teste.

A recuada progressista se estende aos programas de tarde da noite. Trevor Noah, o ultrapoliticamente correto apresentador do Daily Show, que desfrutou mais de elogios da mídia que de pontos altos de audiência, está fora do programa. O apresentador de tarde da noite da Fox Greg Gutfeld com frequência ganha audiência maior que suas contrapartes de canais mais bem estabelecidos. O comediante Dave Chappelle ganha notas altíssimas do público, apesar das resenhas destruidoras de críticos lacradores e dos “novos puritanos” do lobby transgênero. Como a Netflix alertou a seus funcionários, de forma surpreendente, “se você tiver dificuldade em apoiar a extensão do nosso conteúdo, a Netflix pode não ser o melhor lugar para você”.

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Está chegando uma onda de cancelamentos, mas não do tipo identitário de cancelamento. A Netflix, que perdeu cerca de um milhão de assinantes e precisou demitir muitos funcionários, recentemente cancelou Q Force, uma comédia animada adulta voltada para gays. Também cancelou uma leva grande de programas, incluindo as animações Wings of Fire e Bebê Antirracista, a última escrita pelo guru “antirracista” Ibram X. Kendi, e deu um fim a First Kill, uma série de vampiras lésbicas que nunca atraiu muita audiência. “É meio ruim gastar U$50 milhões [R$261 milhões] em algo que não vende”, sugere um agente com experiência. Essa mudança chateou observadores em lugares como o New York Times, que temem que Hollywood está “regredindo” na agenda progressista e (pasmem!) voltando para programas policiais.

Para crescer e lucrar no futuro, a mídia e as indústrias do entretenimento precisam recuperar ao menos parte do público que agora desdenha delas a níveis sem precedentes. Uma solução poderia ser produzir programação diferente. Embora provavelmente não venha a ganhar muito Óscar, o filme assumidamente tradicionalista Top Gun: Maverick de Tom Cruise — para desespero de publicações como o Guardian — atraiu um público enorme e faturou no mínimo US$1 bilhão (R$5,3 bilhões) no mundo ano passado.

Obviamente, filmes assim ofendem aos árbitros culturais progressistas. Eles também não gostaram nem um pouco da série bem-sucedida e pró-militar da Amazon Prime, The Terminal  List. O site Daily Beast chamou a primeira temporada da série de “uma alucinada fantasia de vingança de direita”. Outro filme condenado por essa elite, Continência ao Amor, que é uma história a respeito de um romance improvável entre um fuzileiro naval conservador e uma cantora progressista, também se saiu melhor que outros produtos da Netflix com mais publicidade. O interesse surpreendente do público por várias séries sobre os vikings sugere um mercado forte para a violência, conteúdo sexual sugestivo e uma séria ausência do politicamente correto.

A raiz da mudança, contudo, provavelmente não será uma contraparte explicitamente político-cultural, mas o aproveitamento de um poder maior: o do mercado. Não haverá, como alguns esperam, um retorno aos anos 1950; a ascensão dos gays, das minorais e mulheres a papéis importantes na mídia reflete mudanças fundamentais na sociedade americana. Mas há formas menos polêmicas e mais inspiradoras de apresentar esses papéis.

A transformação midiática por vir, apesar de suas motivações pecuniárias, é importante para o futuro do país. Fazer denunciações generalizantes contra a cultura e a história americanas não é mais saudável que ignorar, como foi muitas vezes o caso no passado,  as suas partes mais sombrias. Acusações repetitivas de patriarcado, “racismo sistêmico” e petrolíferas malvadas não retratam com precisão a totalidade do passado ou presente dos Estados Unidos.

O ponto chave, aqui, não é que a cultura ou a mídia deve ser liberal, conservadora ou fabulista, mas extensa o suficiente para incluir as três coisas. Até que as pessoas de Hollywood e Manhattan percebam que sua abordagem está alienando uma porção enorme de seus públicos, suas contas continuarão a sofrer.

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Joel Kotkin é membro presidencial de futuros urbanos na Universidade Chapman e diretor executivo do Instituto de Reforma Urbana.

©2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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