O que é o progresso humano? Está acontecendo? Pode continuar? Essas são algumas das perguntas às quais Steven Pinker, professor da Universidade Harvard e membro do conselho de direção do projeto Human Progress, oferece respostas em seu novo livro: Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress. Como ele demonstra, a julgar pela maioria dos critérios de bem-estar humano o mundo está muito melhor hoje do que já esteve em qualquer momento do passado, mesmo que relativamente poucas pessoas entendam ou apreciem os avanços conquistados pela humanidade.
Pinker também cita motivos para termos otimismo em relação ao futuro. Isso faz dele uma Poliana dos tempos modernos? Longe disso. Pinker reconhece os desafios futuros, mas continua a acreditar com firmeza que, mantendo-se fiel às ideias do Iluminismo, o mundo vai poder continuar a melhorar por muitas gerações ainda por vir.
Antes de mergulharmos no livro é preciso dizer algumas palavras sobre o autor. Steven Pinker é psicólogo e uma das maiores autoridades mundiais na linguagem e na mente. Ele é também um dos mais importantes intelectuais públicos americanos, sendo autor de colunas ocasionais no The New York Times, Time e The New Republic. Muitos de seus livros anteriores, incluindo The Stuff of Thought (Do que é feito o pensamento), The Blank Slate (Tábula rasa), Words and Rules, How the Mind Works (Como a mente funciona) e The Language Instinct (O Instinto da Linguagem), foram fartamente elogiados. Em 2011 Pinker lançou um livro inovador e muito discutido, The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined (Os anjos bons da nossa natureza: por que a violência diminuiu). De acordo com Pinker:
As guerras tribais foram nove vezes mais mortíferas que as guerras e o genocídio no século 20. O índice de homicídio na Europa medieval era mais de 30 vezes o atual. Escravidão, castigos sádicos e execuções por motivos fúteis foram elementos corriqueiros da vida durante milênios, e então, de repente, foram abolidos. As guerras entre países desenvolvidos desapareceram, e, mesmo no mundo em desenvolvimento, as guerras hoje matam uma fração do número de pessoas que matavam algumas décadas atrás. Estupros, crimes de ódio, distúrbios públicos violentos, violência contra crianças –tudo isso diminuiu de maneira substancial.
Em Os anjos bons, Pinker disse que uma das razões dessa diminuição da violência foi a revolução humanitária, que foi deslanchada mais ou menos na época do iluminismo europeu, nos séculos 17 e 18, e que “assistiu aos primeiros movimentos organizados para abolir a escravidão, os duelos, a tortura judicial, os assassinatos movidos por superstições, as punições sádicas e a crueldade contra animais, além das primeiras manifestações de pacifismo sistemático”. Pinker voltou a debruçar-se sobre as principais ideias do iluminismo com o lançamento de seu novo livro, em 13 de fevereiro.
O que é o progresso?
Segundo Pinker, a difusão da razão, da ciência e do humanismo resultou em muito progresso humano. Mas o que é o progresso? Essa pode parecer uma pergunta difícil de se responder nestes nossos tempos de relativismo cultural. Pinker propõe uma definição declaradamente humanista do progresso que é compartilhada por muitas organizações e iniciativas globais, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas.
A maioria das pessoas concorda que a vida é melhor que a morte. A saúde é melhor que a doença. Ter sustento é melhor que passar fome. A riqueza é melhor que a pobreza. A paz é melhor que a guerra. A segurança é melhor que o perigo. A liberdade é melhor que a tirania. Os direitos iguais são melhores que a intolerância e discriminação. Saber ler e escrever é melhor que ser analfabeto. O conhecimento é melhor que a ignorância. A inteligência é melhor que a falta de inteligência. A felicidade é melhor que a infelicidade. Ter oportunidades para passar tempo com a família, com amigos, desfrutar da cultura e da natureza, é melhor que uma vida de trabalho incessante e monotonia.
Nossas convicções:
O progresso não apenas é definível como é mensurável. Pinker documenta em 75 gráficos algumas tendências globais como o aumento da expectativa de vida, a redução da mortalidade infantil e materna, o aumento do consumo de calorias e a recorrência menos frequente de situações de carestia, o aumento da renda per capita e a redução da pobreza extrema, a diminuição da poluição e do desflorestamento e o avanço contínuo da democracia e dos direitos humanos. Ele observa que o trabalho infantil vem diminuindo e que o índice de alfabetizados na sociedade nunca esteve tão alto. As pessoas trabalham menos horas do que no passado e passam mais tempo com lazer e como aposentadas.
Voltando ao tema de Os anjos bons, Pinker aponta para a redução contínua no número de conflitos internacionais, do número de mortos em campos de batalha e de genocídios. Os homicídios vêm diminuindo e a pena de morte está sendo eliminada. Há menos mortes de pessoas em veículos e de pedestres, além de menos desastres aéreos. As mortes decorrentes de quedas, incêndios, afogamentos, intoxicações, acidentes ocupacionais, desastres naturais e até mesmo relâmpagos – tudo isso vem caindo. As atitudes racistas, sexistas e homofóbicas estão recuando. Globalmente falando, as pessoas estão ficando mais liberais – pelo menos no sentido clássico do termo.
Pensamento iluminista
Sendo psicólogo, Pinker discute as razões de nosso pessimismo persistente. Como escrevi antes, as explicações que ele propõe incluem:
- A interação entre a natureza da cognição e a natureza das notícias. As notícias falam de coisas que acontecem. Coisas que não acontecem não são noticiadas. “Nunca vemos um jornalista dizendo à câmera: ‘Estamos aqui, ao vivo, em um país onde uma guerra não irrompeu’.”
- A superestimativa do perigo, graças à “heurística da disponibilidade”, ou seja, o processo de estimar a probabilidade de um acontecimento baseada na facilidade com que instâncias relevantes vêm à nossa mente. Quando um evento de fato ocorre, pelo fato de ser traumático – e não apenas frequente -, o cérebro humano sobrestima a probabilidade de ele voltar a ocorrer.
- Os efeitos psicológicos dos fatos negativos tendem a pesar mais que os dos fatos positivos. A literatura psicológica nos mostra que as pessoas receiam perdas mais do que sentem prazer em antever conquistas; que passam mais tempo meditando sobre seus reveses que sentindo prazer com suas vitórias; que se ressentem de críticas mais do que se sentem encorajadas por elogios. Em outras palavras, o que é negativo é mais forte que o positivo.
- As coisas boas e ruins tendem a ocorrer em linhas do tempo distintas. Coisas ruins, como desastres aéreos, podem acontecer rapidamente. Coisas positivas, como os avanços conquistados pela humanidade no combate ao HIV e à Aids, tendem a acontecer de maneira incremental, ao longo de muito tempo.
Pinker enxerga o progresso numa ótica do século 18. Ao lado de Hume, Kant, Montesquieu e Adam Smith, ele acredita que as pessoas podem melhorar sua situação gradativamente, por meio da aplicação da razão e da ciência. Não se deve confundir a visão iluminista de progresso “com a crença romântica oitocentista em forças e leis místicas, dialética, lutas, desenrolares, destinos, idades do homem e forças evolutivas que impelem a humanidade sempre para cima, em direção à utopia”.
Uma vida melhor graças à razão
Como o século 20 nos ensinou, a utopia estará para sempre fora do alcance da humanidade. O máximo que podemos fazer é tornar cada dia melhor que o dia anterior. Será que vamos conseguir? Afinal, o progresso não é algo garantido nem irreversível.
É claro que ainda há muitos desafios pela frente, incluindo a revolução da robótica, a inteligência artificial, o ciberterrorismo e as superbactérias mortais. Pinker recorre a seu intelecto considerável para colocar esses problemas em perspectiva. Sim, terroristas podem dar sorte e conseguir matar milhares de pessoas. Sim, um surto de um vírus legal pode fazer dezenas de milhares de mortos.
Mas essas não são ameaças existenciais! Já a guerra nuclear, em contrapartida, quase certamente resultaria na destruição de nossa espécie. Mas consideremos a seguinte estatística. O perigo está em darmos as costas aos meios pelos quais os problemas podem ser resolvidos: a razão, a ciência, o discurso aberto, a sede de conhecimento, etc.
Os valores do iluminismo estão sendo atacados pela extrema esquerda e a extrema direita. Os dois extremos acham que nosso mundo já foi irreparavelmente corrompido. Querem explodir tudo e recomeçar do zero. “O que vocês têm a perder?”, eles nos perguntam.
“Muita coisa, na realidade”, deveria ser nossa resposta.
*Marian L. Tupy é editor do HumanProgress.org e analista sênior de políticas públicas do Center for Global Liberty and Prosperity.
©2018 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês.