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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump | SAUL LOEB/AFP
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump| Foto: SAUL LOEB/AFP

Independentemente do que o presidente Donald Trump tenha feito, ele passou seu primeiro ano de mandato perpetuando e fortalecendo seu compromisso com a retórica nacionalista. Por exemplo, em setembro de 2017, ele dirigiu a Assembleia Geral das Nações Unidas. Clichês à parte, o discurso foi notável por suas contribuições ao crescente conjunto das filosofias de governo de Trump. Junto do seu discurso em Varsóvia em julho de 2017, o discurso na ONU foi uma poderosa exposição do nacionalismo contemporâneo – e uma excelente demonstração de seu perigo, ausência de conteúdo e arbitrariedade moral. 

Trump cantou os louvores das “nações fortes, soberanas e independentes”, e afirmou que nações fortes eram uma parte vital da ordem internacional. Ao longo do discurso, ele preferiu o uso do termo “nações” ao invés de “estados”. Ele fez extensas declarações sobre o bem das nações, dizendo que “nações fortes e soberanas deixam o seu povo assumir as rédeas de seu futuro e controlar o seu próprio destino. E nações fortes e soberanas permitem que seus indivíduos floresçam na completude da vida planejada por Deus.” 

O que é notável aqui é que Trump focou o seu apreço em nações, não estados. (Eu acho justo analisar as palavras de Trump com cuidado porque esse foi um discurso roteirizado, não feito no improviso. Desta forma, quem escreveu o seu discurso teria escolhido o tipo de linguagem e o tema deliberadamente.) 

Nações são notoriamente difíceis de serem definidas, mas tipicamente seu significado gira em torno de cultura, língua, história ou etnicidade (algo muito presente no discurso em Varsóvia). Trump argumenta, em um tipo de linguagem que seria familiar para qualquer nacionalista desde Napoleão, que as pessoas são definidas por sua adesão em uma comunidade nacional, que comunidades nacionais são os atores políticos primários no palco mundial e que cada nação deveria corresponder a um estado que lhe represente e lhe governe. 

Trump resumiu seu argumento: “O estado-nação permanece sendo o melhor veículo para a elevação da condição humana.” Esta é, provavelmente, a declaração mais sucinta da doutrina nacionalista. De forma muito interessante, a formulação de Trump não era especificamente americana. “Eu sempre colocarei a América em primeiro lugar, assim como vocês, os líderes de seus países sempre farão, e sempre deverão, colocar seus países em primeiro lugar.” Trump argumenta a favor do nacionalismo enquanto princípio, e não apenas porque é uma linha de argumentação conveniente em suas preferências sobre “a América em primeiro lugar”. 

Eu gosto de claras declarações de nacionalismo porque, assim como o discurso de Varsóvia, elas revelam a sua própria incoerência e arbitrariedade. 

Nações são praticamente impossíveis de serem definidas e o esforço em traçar limites inevitavelmente gera mais divisão do que unidade em casa e no exterior. Quem é um francês? Os falantes de dialetos regionais, como o picardo, o gascão, o limusino, o franco-provençal e o occitano contam? 

Monarcas absolutistas do século XVII e XVIII decidiram que diversidade regional e local era uma ameaça à unidade nacional e implementaram formas brutais de construção opressiva de nações em resposta. Nacionalistas que anseiam por uniformidade cultural enfrentam difíceis questões atualmente sobre imigrantes que não partilham nenhuma das características – língua, história, cultura ou religião – que tradicionalmente definiam uma identidade nacional. O nacionalismo sempre foi o inimigo da verdadeira diversidade. 

É por isso que essencialmente não existem estados-nações no mundo hoje em dia, e porque a ode de Trump aos estados-nações é tão estranhamente colocado. Se Trump está certo sobre a ideia de que os estados-nações são “o melhor veículo para a elevação da condição humana” e vitais para “que seus indivíduos floresçam na completude da vida planejada por Deus”, então nenhum de nós vive vidas completas porque não vivemos em estados-nações. 

Todo estado no mundo atualmente maior do que um microestado é uma entidade política multiétnica, plural e diversa. O Japão talvez seja o único estado remanescente no mundo que pode ser, plausivelmente, chamado de um estado-nação. Os Estados Unidos da América nunca chegaram perto disso. 

Talvez Trump não esteja se referindo a estados-nações no sentido estritamente acadêmico. Talvez o que ele realmente quer dizer é que estados, quaisquer estados, são vitais para o florescimento humano, em oposição a seus desafetos, os globalistas e suas comunidades internacionais. 

Mas se é isso que Trump quer dizer, sua afirmação é ainda mais ridícula. 

Há 193 estados no mundo, e eles variam muito em tamanho e natureza. Tuvalu, um microestado, é igualmente capaz de possibilitar o êxito humano quanto a China, um autocrático poder continental que ainda apoia a ideologia Marxista-Leninista? Trump não se importa, desde que seja um estado. Qualquer estado – democrático, teocrático, Marxista – serve, aparentemente. 

Não sendo um nacionalista, eu estou tranquilo com a ausência de estados-nações e não sinto que minha vida é empobrecida por isso, e eu realmente acho que alguns estados são melhores do que outros em promover o êxito humano. A declaração de Trump de que nós somente somos completamente realizados quando vivemos em coesas comunidades nacionais é moralmente arbitrária e francamente estúpida. 

Tenha certeza, eu fortemente concordo com Aristóteles sobre sermos animais sociais e políticos e com Edmund Burke e Alexis de Tocqueville que uma rica vida associativa é uma parte importante do florescimento humano. 

Mas nada disso requer que tenhamos de experienciar comunidades primariamente na esfera política, ou que nossa vida relacional coincida com uma ambígua e divergente identidade “nacional”, ou ainda que a nossa lealdade comunal mais fundamental seja uma política em grande escala, geograficamente extensa e impessoal. Nós vivenciamos relacionamentos em comunidades múltiplas e transversais, incluindo as comunidades religiosas, educacionais, profissionais e de lazer. 

O delírio nacionalista é aquele em que podemos unificar nossos vínculos sob um guarda-chuva de uma única identidade dominante e totalizante. Isso não é apenas impraticável; é perigoso e, para religiosos, é errado e insultante. As coisas que Trump diz sobre nação eu acredito serem verdade também sobre a igreja. O nacionalismo imita a religião em seu argumento de nossa lealdade final e sua pretensão em fornecer “a completude da vida planejada por Deus.” 

Eu temo que não estejamos prestando atenção o suficiente à mensagem do nacionalismo porque é muito fácil prestar atenção em seu desagradável mensageiro. Na verdade, o nacionalismo sempre esteve presente na cultura política americana, mas raramente assume o poder. No Partido Republicano, ele tem estado presente nas várias coalizões que formam o partido. O nacionalismo tem uma nova voz e nova convicção na era de Trump – não apenas do presidente em si, mas de uma grande variedade de personalidades na mídia e outros legisladores. Isso torna ainda mais imperativo que seus argumentos sejam tomados seriamente e enfrentados.

Paul D. Miller é o diretor associado do Clements Center for National Security na Universidade do Texas em Austin. Ele anteriormente atuou como diretor do Afeganistão e do Paquistão na equipe do Conselho de Segurança Nacional dos presidentes George W. Bush e Barack Obama.

Tradução de Maíra Santos
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