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| Foto: Daniel Acker/Bloomberg

O que é o nacionalismo? A palavra, de repente, ganha surpreendente importância quando se fala dos tempos em que vivemos; mas parece que estamos trabalhando com diferentes definições.

“Você sabe o que sou? Sou nacionalista”, disse Donald Trump numa manifestação em Houston, em outubro.

O presidente francês Emmanuel Macron devolveu na mesma moeda, numa cerimônia de comemoração da Primeira Guerra Mundial, na França. “O nacionalismo é uma traição ao patriotismo”, disse ele. “Ao dizer que ‘os nossos interesses estão em primeiro lugar, danem-se os outros’, apagamos aquilo que uma nação mais preza, aquilo que lhe dá vida, que a torna grande e que é essencial: seus valores morais”.

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Macron não é o primeiro a tentar fazer uma distinção rápida, objetiva e retoricamente pungente entre nacionalismo e patriotismo. Orwell tentou fazer o mesmo num famoso ensaio. Ele escreveu que patriotismo é “devoção a um lugar específico e a um modo de vida específico, que se acredita ser o melhor do mundo, mas sem qualquer desejo de forçá-lo em outras pessoas. O patriotismo tem um caráter defensivo, tanto militarmente quanto culturalmente”. 

Por outro lado, “a finalidade permanente de cada nacionalista é garantir mais poder e mais prestígio, não para si mesmo, mas para a nação ou outra unidade sobre a qual ele escolheu impor sua própria individualidade”. 

No final, Orwell faz um relato bastante desalentador, no qual todos os vícios mentais e morais do egoísmo e da autoestima são transmutados e estimulados por sua absorção em um “nós” nacionalista. Os nacionalistas, segundo ele, consideram suas nações supremas, e qualquer outro povo ou país deve ser difamado. Para Orwell, o patriota prefere isso àquilo. Os nacionalistas privilegiam o “nós” sobre o “eles”. Para nós, tudo; para os outros, nada.

Em seu último livro, A Virtude do Nacionalismo, Yoram Hazony faz um contraste diferente. Seu trabalho não tem como foco principal o estado moral ou o autoengano dos indivíduos, mas a organização geopolítica, ou seja, o contraste entre nacionalismo e imperialismo. 

Para Hazony, o nacionalista respeita a ordem espontânea e o pluralismo. Os imperialistas, por outro lado, encaram esses aspectos com arrogância, atropelando a vida local em benefício do poder central. Uma fronteira reforçará a ambição do nacionalista, enquanto o caráter imperialista se rebelará contra quaisquer limites. Há um século, nos chamados anos de “confronto e queda de impérios”, o nacionalista irlandês Eoin MacNeil teve a mesma impressão dos fatos. Para ele, o desenvolvimento de uma nação – qualquer nação – trazia consigo “a realidade ou potencialidade de algum grande dom para o bem comum da humanidade”.

No entanto, é difícil encontrar uma definição consistente de nacionalismo por parte de seus críticos. Às vezes, o nacionalismo é considerado o amor à terra ou uma espécie de mistificação acerca da linguagem. Outras vezes é visto como o amor pelo “sangue”.

Entretanto, em defesa dos críticos, a forma como o nacionalismo foi expresso em diferentes nações e em diferentes épocas pode ser incrivelmente confusa e variada. Orwell tende a acreditar que o nacionalista pensa que a sua nação é a melhor em todas as coisas, mas grande parte da retórica nacionalista em toda a Europa é uma retórica de inveja ou excitação. Às vezes, os nacionalistas se gabam de seus países, mas em muitas circunstâncias eles expressam um sentimento de desespero, conclamando o povo a fazer mais, a se levar tão a sério quanto outro país rival.

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Gostaria de propor uma maneira diferente de pensar sobre a questão. Quando usamos o vocabulário das filosofias políticas, reconhecemos que estamos falando de coisas que diferem ao longo de mais de um eixo. Tomemos o comunismo, o liberalismo e o conservadorismo: o primeiro é uma teoria de história e poder; o segundo é uma estrutura política que se baseia em direitos; o último rejeita a palavra “ideologia” e costuma ser definido como um conjunto de disposições para uma herança política e civilizacional.

Gostaria de me esquivar da defesa que Hazony faz do nacionalismo como um sistema para organizar a ordem política em escala global – uma teoria que meu colega Jonah Goldberg chegou a chamar de “nacionismo”.

A minha proposta é que o nacionalismo, como fenômeno político, não é uma filosofia ou ciência, embora possa lidar com qualquer uma das duas. Não é um relato histórico. Ao contrário – o nacionalismo é uma faceta eruptiva da política. Ele cresce a partir dos sentimentos normais de lealdade nacional, como uma febre ou pústula. Pode-se até afirmar que o nacionalismo é o patriotismo em seu estado irritadiço, ou que o nacionalismo recruta o sentimento patriótico para conquistar algo com ferocidade.

Em circunstâncias normais ou propícias, a lealdade nacional é a forma de vida pacífica entre pessoas que partilham um território definido e se esforçam para conviver sob as leis desse território. A lealdade nacional nos vincula a um lugar e às pessoas que compartilham suas vidas nesse lugar. Destruir a lealdade nacional quase que certamente traria de volta a lealdade baseada no credo e no sangue.

Um dos traços mais fortes dos movimentos políticos nacionalistas – que invariavelmente chama a atenção dos observadores – é seu caráter irritado ou excitado. E é precisamente esse aspecto que salta aos olhos dos não-nacionalistas como um sinal de perigo. Democracias republicanas se distinguem pela ampla deliberação. Conservadores desconfiam das paixões. Liberais anseiam por uma ordem de direitos voluntários. Mas os movimentos nacionalistas estão repletos de emoções fortes: traição, raiva, agressão.

Portanto, argumento que o nacionalismo pode ter efeitos curativos ou pode ser fatal – como uma febre. E, como uma febre, ele pode ir e vir dependendo da saúde interna da nação ou das circunstâncias externas em que uma nação se encontra. 

Agressão estrangeira e iminência de guerra geram disposições e respostas nacionalistas; porém, mudanças culturais também podem gerar esse mesmo estado de ânimo. Talvez uma língua nacional caia em declínio repentino sob pressão de uma língua franca mais poderosa. Até mesmo algo simples e corriqueiro como a rápida urbanização pode estimular o sentimento de lealdade de um povo e gerar uma resposta cultural para preservar certas práticas e tradições rurais. 

Isso sem mencionar que o nacionalismo muitas vezes ganha força pela possibilidade de uma nova posse em vista – a oportunidade de recuperar ou adquirir território ou humilhar um rival histórico. A variedade de “estimulantes” explica a variedade de nacionalismos.

Tende-se a encontrar muito nacionalismo onde há fatores persistentes ou irritantes interferindo no sentido normalmente pacífico da lealdade nacional. Pense na Ucrânia Ocidental, onde a língua local e as prerrogativas políticas têm suportado o poder e a influência de Moscou na sua região, e mesmo em seu território. Também podemos notar um forte sentimento nacionalista na Irlanda do Norte, onde um longo histórico de diferenças religiosas sinaliza lealdades combatentes ao Reino Unido e à Irlanda.

Há pouco tempo, o nacionalismo não chamava muita atenção no cenário político dos Estados Unidos, por se tratar de uma nação próspera com uma independência de ação inigualável. No entanto, os americanos estão familiarizados com explosões de nacionalismo – por exemplo, quando potências europeias ameaçaram os EUA nos primeiros dias da República, durante a Guerra Civil e na sequência, e especialmente durante a Primeira Guerra Mundial, que coincidiu com o fim de uma grande onda de migração para o país.

Se movimentos políticos nacionalistas são lealdades nacionais em alta voltagem, então precisamos julgá-los caso a caso. Quando não nacionalistas notam o caráter irritado e suscetível do nacionalismo, muitas vezes costumam dizer logo em seguida: “Bem, eles têm razão”.

Você julgaria um movimento nacionalista como julgaria qualquer homem ou grupo de homens num estado de agitação. Você tem o direito de estar bravo com esse assunto? O que você pretende fazer sobre isso? Como pretende fazer isso?

Todos nós fazemos isso quase instintivamente. Sabemos que existem enormes diferenças entre os projetos nacionalistas. Para assegurar o lugar da sua jovem nação no cenário mundial, John Quincy Adams quis fundar uma universidade nacional. Podemos julgar isso de uma maneira, embora julguemos a política de remoção de índios de Andrew Jackson de forma muito diferente. 

Na Europa, podemos vibrar com a ambição do Partido Parlamentar Irlandês de criar um parlamento nacional em Dublin. Trata-se de um projeto nacionalista, assim como a política alemã de alcançar o Lebensraum através da aniquilação racial dos judeus e da anexação da Polônia, que consideramos uma das causas mais perversas da história humana. Podemos aplaudir o restabelecimento de uma nação polaca após a Primeira Guerra Mundial, enquanto lamentamos algumas das guerras expansionistas que o país empreendeu imediatamente depois.

A política nacionalista tende a ser oportunista; ela sequestra outras ideias políticas, filosofias e formas de mobilização, e as descarta. Ao longo do século 20, os nacionalistas adotaram o comunismo ou o capitalismo para conquistar o apoio ou as armas para expulsar o domínio imperial, ou para impô-lo sobre um vizinho.

Com a volta da política nacionalista nos Estados Unidos e em outros países, precisamos fazer essas simples perguntas. O que incomoda os nacionalistas? Eles têm razão? O que eles querem fazer a respeito? Seria justo? 

* Michael Brendan Dougherty é escritor sênior na National Review Online. Twitter: @michaelbd

Tradução: Ana Peregrino

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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