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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (à esquerda) conversa com ministro da Justiça, Flávio Dino (no centro) e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes (à direita), durante reunião com chefes dos Três Poderes, governadores e ministros: atores políticos são mestres em detectar onde está a Janela de Overton
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (à esquerda) conversa com ministro da Justiça, Flávio Dino (no centro) e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes (à direita), durante reunião com chefes dos Três Poderes, governadores e ministros: atores políticos são mestres em detectar onde está a Janela de Overton| Foto: Joédson Alves/ Agência Brasil

A ideia não nasceu de um livro ou tese acadêmica. Ela surgiu quase que de maneira informal. Nos anos 90, Joseph Overton, um analista político americano, desenvolveu um modelo que buscava explicar a relação entre a opinião pública e as políticas implementadas por legisladores e governantes. Overton morreu em um acidente de avião em 2003, mas um colega dele, Joseph Lehman, deu um passo adiante a apresentou o conceito de forma mais sistemática. Ele chamou-o de Janela de Overton.

A ideia é relativamente simples: dentro do debate político, qualquer tema específico tem uma ampla gama de soluções possíveis. Mas apenas uma parcela dessas soluções é considerada aceitável pela opinião pública. Todas as outras estão fora do que é politicamente factível. Em outras palavras, estão fora da Janela de Overton.

Quando morreu, Joseph P. Overton era vice-presidente do Mackinac Center — organização pró-livre mercado com sede no Michigan. Lehman, que preside a entidade, produziu um vídeo em que explica melhor o conceito. Ele afirma que a Janela de Overton não tem relação com os benefícios de uma determinada proposta, mas sim com a sua viabilidade: “A janela de Overton não é capaz de dizer se uma política é boa ou ruim. O que ela faz é mostrar quais possibilidades estão à beira da possibilidade. Ideias que estão no limite da janela de Overton, ou imediatamente fora dela, podem se tornar a realidade política de amanhã.”

Segundo Lehman, o que muda a Janela de Overton são fatores fora da política partidária, como a imprensa, a indústria do entretenimento, think tanks, ou ainda eventos históricos. “Existe uma percepção equivocada de que os políticos em si movem a janela de Overton. Na realidade, é o contrário. Os políticos são bons em detectar onde está a Janela de Overton e reagir a ela”, ele diz.

Overton e Lehman constataram, portanto, que políticos profissionais não tentam mudar a cabeça do eleitor: eles encomendam pesquisas caras e pagam marqueteiros profissionais para poder dizer exatamente o que o eleitor quer ouvir, e da forma mais convincente. Quase que instintivamente, eles sabem que, em uma democracia, não é recomendável gastar tempo e energia buscando a aprovação de uma lei ou a implementação de uma política antes que ela esteja dentro da Janela de Overton.

Por ter nascido no ambiente dos think tanks pró-livre mercado, a Janela de Overton é mais conhecida nesse lado do espectro político. A influente Atlas Network, que apoia organizações liberais e conservadoras ao redor do mundo, divide os think tanks em duas categorias principais: o primeiro grupo pretende mover a Janela de Overton. O segundo pretende atuar dentro dela para aprovar o que for possível.

Ideal x Factível

Embora seja mais popular entre liberais e conservadores, a ideia da Janela de Overton é uma ferramenta neutra politicamente.

No tema do aborto, por exemplo, é possível imaginar dois extremos: a proibição total e a liberação total até o nono mês de gestação. Entre os dois polos, existe pelo menos duas dezenas de posições possíveis, das quais três ou quatro talvez estejam dentro da Janela de Overton no contexto brasileiro: se as pesquisas de opinião estiverem corretas, os brasileiros são contra o aborto, mas admitem a prática em casos excepcionais. Muitas organizações pró-vida tentam mover a janela em uma direção (para impedir, por exemplo, que o aborto de anencéfalos seja considerado aceitável), enquanto grupos pró-aborto tentam mover a janela no sentido oposto (para convencer a opinião pública a aceitar o aborto até mesmo nas fases avançadas de gestação). Por ora, a legislação em vigor parece estar em linha com a Janela de Overton, o que talvez explique por que a lei não sofreu qualquer modificação nas últimas décadas.

Outro exemplo possível é o de uma organização hipotética cujo objetivo final é a privatização de todas as universidades federais brasileiras. A proposta não parece ter apoio de uma parcela relevante da população, e tampouco é tratada como plausível no debate público. Ela está claramente fora da Janela de Overton. A organização terá de decidir se continua tentando mudar a Janela de Overton até que a privatização se torne plausível, ou se atua dentro da janela para buscar um fim intermediário que esteja dentro da Janela de Overton — como a cobrança de mensalidade em cursos de pós-graduação, de acordo com a renda do aluno.

Obviamente, nem sempre é fácil medir exatamente onde está a Janela de Overton em um determinado tema. Isso depende de avaliar corretamente a opinião pública — o que é feito exatamente como os políticos o fazem: por meio de pesquisas de opinião, estudos sobre o que é publicado na imprensa e, mais recentemente, análises das redes sociais.

Mas não é preciso muito esforço para constatar que algumas propostas estão claramente fora da Janela de Overton no contexto brasileiro. Por exemplo: a volta da monarquia. Organizações que defendem o retorno do regime monárquico precisam focar suas ações na popularização dessa ideia e não na tentativa de convencer as autoridades a mudar o regime adotado no país. O mesmo vale para medidas pouco populares como a estatização dos bancos privados, a proibição da venda de bebidas alcoólicas ou a adoção do dólar como moeda nacional. Quem quer que defenda essas ideias precisará primeiro convencer a opinião pública de que elas são plausíveis — ou seja: mover a Janela de Overton.

Para Lucas Freire, doutor em Política pela Universidade de Exeter, o modelo da Janela de Overton é útil para descrever a dinâmica entre a opinião pública e o debate político. Mas, por si só, ela não explica o que fazer para mover a janela. “Para explicar o mecanismo de mudança dessa janela, eu não acho que o conceito em si é útil. É preciso combiná-lo sobre alguma teoria, alguma explicação sobre o que puxa a janela para um lado ou para outro”, diz ele.

Redes sociais desafiam modelo

Quando a teoria da Janela de Overton foi desenvolvida, as redes sociais não eram um ator relevante no debate político; boa parte do que era considerado politicamente factível dependia do filtro da imprensa tradicional. O advento do Twitter, do Instagram e do Facebook mudou essa lógica de duas formas: primeiro, ao acelerar o ritmo com que essas mudanças ocorrem.

Em segundo lugar, ao permitir que atores sem acesso aos jornais e TVs influenciem a opinião pública. "Existe a possibilidade de trazer uma exposição de ideias tão fora da janela que a mídia mainstream talvez não considerasse. Numa discussão mais polarizada, onde a imprensa só mostra os dois grandes blocos, os extremos acabam tendo que achar outras formas de divulgar suas ideias”, diz Lucas Freire.

A maior facilidade de comunicação talvez explique a aceleração com que a janela de Overton se move. Nos Estados Unidos, por exemplo, levou menos de uma década para que o casamento gay passasse de uma proposta tida como radical (e rejeitada até mesmo pelos eleitores da Califórnia, em um plebiscito em 2008) para uma ideia aceita pela ampla maioria dos americanos.

Uma mudança ainda mais rápida tem acontecido com outros temas, nem sempre acompanhando a opinião pública, mas seguindo o coro vigente nas redes sociais. Censura à liberdade de expressão (especialmente calando os setores conservadores da sociedade), intervenção excessiva do Estado na economia e até o desmonte do combate à corrupção passaram a ser defendidos. Por convicção ou oportunismo, muitos políticos têm abraçado a ideia.

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