Em um dos momentos mais comentados do primeiro debate do ano entre os candidatos à presidência da República, transmitido pela Band, o candidato Cabo Daciolo (Patriota), atual deputado federal do Rio de Janeiro, pediu para que Ciro Gomes (PDT) explicasse o que era o Plano Ursal que, segundo o ex-bombeiro catarinense, seria uma tentativa de instaurar o comunismo em toda a América Latina. Para justificar a pergunta, Daciolo usou a premissa de que Ciro seria um dos fundadores da organização de esquerda conhecida como Foro de São Paulo – informação negada pelo candidato pedetista. Mas, afinal de contas, o que é esse tal Foro de São Paulo?
Ao contrário da teoria sobre a Ursal, também mencionada por Daciolo, o Foro de São Paulo, de fato, existe. Trata-se de uma entidade formada para ajudar os partidos de esquerda a ganharem mais poder e representatividade na América Latina e no Caribe. Também conhecido pela sigla FSP, consiste na união de mais de 105 partidos políticos de 25 países, movimentos e organizações de esquerda.
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Criado pelo Partido dos Trabalhadores, a primeira conferência aconteceu entre os dias 2 e 4 de julho de 1990, no extinto hotel Danúbio, no centro de São Paulo. De acordo com o livro “Foro de São Paulo: Construindo a integração latino-americana e caribenha”, do historiador e ex-secretário executivo do FSP, Valter Pomar, a ideia nasceu em uma conversa entre “o primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba, Fidel Castro Ruiz, e o líder do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, durante uma visita desse último a Cuba”.
Chamado de “Encontro de Partidos e Organizações de Esquerda da América Latina e do Caribe”, a pauta desse evento inicial foi composta pelos temas caros à esquerda, como o combate ao que os socialistas chamam de imperialismo e ao neoliberalismo, que despontava na América Latina durante a Guerra Fria e após a queda do Muro de Berlim, em 1989. O nome oficial, “Foro de São Paulo”, foi formalizado apenas na segunda edição da iniciativa, na Cidade do México, em 1991. Desde então, as forças políticas que compõe o FSP se reuniram 24 vezes em diversos países – em prol de uma “América Latina livre, justa e soberana”, conforme consta nos registros de 4 de julho de 1990.
Na declaração da primeira assembleia do Foro de São Paulo, aparecem os objetivos dessas organizações:
“Manifestamos, portanto, nossa vontade comum de renovar o pensamento de esquerda e o socialismo, de reafirmar o seu caráter emancipador, corrigir concepções errôneas, superar toda expressão de burocratismo e toda ausência de uma verdadeira democracia social e de massas(...).
Rejeitamos toda pretensão de aproveitar a crise da Europa Oriental para encorajar a restauração capitalista, anular suas conquistas e direitos sociais ou alentar ilusões nas inexistentes bondades do liberalismo e do capitalismo (...)
Nós, organizações políticas reunidas em São Paulo, encontramos um grande alento – para reafirmar nossas concepções e objetivos socialistas, anti-imperialistas e populares – no surgimento e desenvolvimento de vastas forças sociais, democráticas e populares no Continente que se opõem aos mandados do imperialismo e do capitalismo neoliberal, e à sua sequela de sofrimento, miséria, atraso e opressão antidemocrática. Essa realidade confirma a esquerda e o socialismo como alternativas necessárias e emergentes.”
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A senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e a ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff, estiveram presentes na última edição do FSP que aconteceu em julho deste ano, em Havana, Cuba. A ascensão de governos mais à direita na América Latina, o impeachment de Dilma e a prisão de Lula foram alguns dos principais assuntos discutidos na ocasião.
A esquerda não costuma esconder as intenções do Foro de São Paulo. Em 2012, Lula afirmou que o FSP foi uma das forças responsáveis pela vitória de partidos de oposição nas eleições em vários países do continente no início dos anos 2000.
“Em tudo o que fizemos até agora, que foi muito, o Foro e os partidos do Foro tiveram um grande papel que poderá ser ainda mais importante se soubermos manter nossa principal característica: a unidade na diversidade”, disse Lula em sua participação remota na reunião de 2012.
As Fundações João Mangabeira, Maurício Grabois e Perseu Abramo são instituições brasileiras que apoiam o Foro. Os seguintes partidos também integram a organização: PDT, PC do B, PCB, Partido Pátria Livre, PPS, PSB e PT. Fora do país, os líderes Pepe Mujica (Uruguai), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales(Bolívia), Michelle Bachelet (Chile), Vicente Fox (México), Ollanta Humala (Peru) e Rafael Correa (Equador) estão entre os políticos que participam ou já participaram do FSP.
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