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Reunião dos membros do Partido Nazista no Paraná antes da Segunda Guerra Mundial. Até 1938, os nazistas viviam no Brasil sem serem perturbados pelas forças oficiais. O sossego acabou com o surgimento do Estado Novo. | Arquivo Público do Paraná/Reprodução
Reunião dos membros do Partido Nazista no Paraná antes da Segunda Guerra Mundial. Até 1938, os nazistas viviam no Brasil sem serem perturbados pelas forças oficiais. O sossego acabou com o surgimento do Estado Novo.| Foto: Arquivo Público do Paraná/Reprodução

Durante a década de 1930, o nazismo atravessou o Oceano Atlântico com a meta de expandir a ideologia de Adolf Hitler para todos os cantos do planeta, com uma política voltada somente para alemães que residiam fora das terras germânicas. Por isso, a existência de estruturas partidárias nazistas no Brasil, inclusive no Paraná, começou a se fazer presente. O objetivo era trazer os alemães emigrados para a “órbita” ideológica do nazismo.

Segundo o autor do livro “O Partido Nazista no Paraná (1933 - 1942)”, Rafael Athaides, que é doutor em História pela UFPR, diversas cidades do estado tiveram núcleos do Partido Nazista. O Paraná chegou a ocupar o 5.º lugar entre os maiores círculos nazistas no Brasil. Até 1938, os nazistas viviam tranquilamente no estado e nunca foram incomodados pelas forças oficiais. Realidade que começou a mudar com a instauração do Estado Novo (1937 - 1945), de Getúlio Vargas. Veja trechos da entrevista com o pesquisador:

Como e quando se deu o início do Partido Nazista no Brasil e no Paraná?

A existência de estruturas partidárias nazistas no Brasil e no Paraná está ligada ao projeto expansionista do Partido, colocado em funcionamento na década de 1930, embora tenha iniciado no fim da década anterior. Quando falo em “projeto expansionista”, não me refiro à sua forma física e imperialista. Me refiro a um expansionismo político-partidário, racial e ideológico. Essa política era voltada exclusivamente aos alemães do exterior e é aqui que se insere a atuação do Partido Nazista nas Américas. Significava, na verdade, trazer os alemães emigrados para a “órbita” ideológica do nazismo, também como forma indireta de tentar garantir os interesses alemães em locais onde o controle direto não era viável. O Círculo Paranaense do Partido Nazista funcionou abertamente entre 1933 e 1938. Não se tratava de um partido devidamente registrado na Justiça Eleitoral e que almejava concorrer às eleições. Antes, como um Círculo, era uma instituição ligada ao Partido Nazista alemão, por meio de uma hierarquia especificamente criada pelos nazistas e voltada para o exterior.

Quem teve a iniciativa para criar o Círculo Paranaense?

A sua origem, em janeiro de 1933, se deu por iniciativa particular do imigrante alemão Werner Hoffmann, funcionário do Consulado da Alemanha na cidade. A fundação, ocorrida no Parque Cruzeiro, no Batel, contou com a presença do chefe nacional do Partido Nazista, Hans Henning von Cossel. Somente um ano depois, esse grupo se filiaria à sede da NSDAP (sigla alemã do Partido Nazista) no Brasil, em São Paulo. O Parque Cruzeiro ficou como sede provisória por pouco tempo, até que um belo palacete no Cabral, a Gustloff-Haus, na Avenida Anita Garibaldi, passou a sediar o Círculo e a Juventude Teuto-Brasileira.

Havia sede em outras cidades do estado?

Além de Curitiba, o Partido possuía nove filiais no interior do estado. Através de um cotejamento de documentos da repressão policial, jornais e bibliografia, concluímos que essas filiais eram: Ponta Grossa; Castro; Cruz Machado; Rio Negro; Londrina; Irati; Rolândia; Paranaguá e União da Vitória/Porto União (SC).

Como foi a ação do Partido no Paraná?

Embora fossem poucos os filiados no Paraná, costumo dizer que sua ação foi barulhenta e se fez sentir, sobretudo, nos indivíduos mais ativos da comunidade germânica residentes no estado. Na tentativa de conquistar adeptos e de impor sua liderança, os nazistas se sentiram no direito de se portarem como administradores das entidades locais alemãs, mesmo que essas tivessem sua fundação no século 19 e carregassem toda uma tradição – alheia ao nazismo – de luta pela manutenção da cultura alemã no exterior. Os jovens e empolgados nazistas tentaram passar por cima disso, se impondo sobre alemães e descendentes nos clubes, associações e, inclusive, no Consulado. Em meados da década de 1930, um cônsul de carreira foi substituído por um cônsul nazificado, depois de muita pressão dos militantes locais. Com isso, os partidários, de fato, cindiram a comunidade germânica paranaense, sobretudo porque disputaram o poder com os grupos teutos já estabelecidos há certo tempo nos postos de gerência da comunidade.

Havia muitos adeptos no Paraná?

Números recentemente descobertos mostram a existência de 192 filiados, para o ano de 1937. Essa cifra colocava o Paraná no 5.º lugar entre os maiores círculos da NSDAP no Brasil. Ficando somente abaixo de Rio Grande do Sul (439), Rio de Janeiro (447), Santa Catarina (528) e São Paulo (785). É importante observar, contudo, que esses números não se mantiveram estanques durante a década de 1930, ou seja, o número de filiados pode ter sido maior que isso ao longo do período. Consideramos 192 um número pequeno: levando em conta que residiam no estado cerca de 12 mil pessoas indicadas pelo censo como alemães natos, menos de 2% dos “aptos” se filiaram ao Partido. Esses números, porém, não refletem o total de simpatizantes do Nazismo. Em relação ao Brasil, há um debate histórico. Há fontes que indicam que cerca de 4,5 mil alemães se filiaram ao Partido.

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O que eles objetivavam e defendiam ideologicamente?

Sobre essa questão é preciso assinalar um aspecto importante da ação nazista nas Américas, sobretudo na Latina, que se tornou ponto de convergência entre vários estudiosos: na maioria dos países hospedeiros, a NSDAP não tinha condições de sustentar posições e práticas tipicamente nazistas. Isso significa que adaptações nas práticas e nos discursos tiveram que se sobrepor a elementos como a violência, o racismo e o antissemitismo explícito. Surgiu assim um “nazismo criollo” ou “tropical” – termo que varia conforme o país e o estudioso que o emprega – que, em suas variantes, representa um nazismo “suavizado”, condizente com países racialmente mistos e portadores de culturas de “orgulho étnico”, baseadas na miscigenação. Obviamente, isso não significa que não havia antissemitismo entre os nazistas daqui. Significa que certas falas e práticas tiveram de ser mascaradas ou sublimadas em função do habitat – sobretudo no fim dos anos 1930, quando a diplomacia alemã começou a pisar em ovos nas relações com a América Latina em função da concorrência com os EUA.

Descendentes poderiam ingressar no Partido?

Só os alemães natos poderiam se filar ao Partido e o alvo da propaganda eram fundamentalmente eles.

Quando o Partido Nazista foi proibido no Brasil?

O Partido foi proibido em abril de 1938. Aqui cabe uma contextualização. O Brasil de Getúlio Vargas manteve boas relações diplomáticas e econômicas com a Alemanha nazista até o fim da década de 1930. Em virtude das características do Estado implantado pelos nazistas (em que vigorava uma espécie de fusão entre Partido e Estado), impedir a ação da NSDAP no Brasil, naquele período, significaria um entrave para as relações entre os dois países. Algumas autoridades brasileiras até participavam de eventos realizados pelo Partido, como forma de demonstrar essa aproximação para com a Alemanha. No Paraná, não foi diferente. A NSDAP não foi incomodada até 1938 e temos documentos que provam que o governador Manoel Ribas tomou parte em celebrações do Partido. A ação efetiva do Partido Nazista no Brasil terminou pouco tempo depois do início do Estado Novo, de Getúlio Vargas, com um decreto datado de 18 de abril de 1938, que proibiu qualquer atividade político-partidária aos estrangeiros.

Existe ligação entre o nazismo histórico, a comunidade alemã e os atos dos autodenominados neonazistas?

Definitivamente, não. E, em minha opinião, é pouco provável que encontremos qualquer ligação desse tipo em outros estados – até mesmo nos estados com maior contingente de população de origem alemã (como Rio Grande do Sul e Santa Catarina). A comunidade alemã, ou mesmo os descendentes dos filiados à NSDAP, não se fazem presentes nos inquéritos e prisões de neonazistas. Os poucos nomes de origem alemã que surgem de um breve levantamento das ocorrências (muitas vezes escritos de forma errada) não sugerem qualquer relação de determinação entre a presença étnica no estado e o neonazismo. Não sou especialista no tema, mas me parece que os neonazistas se utilizam da ideologia e dos signos do nacional-socialismo como uma busca por um “lugar” num mundo de pouca solidez de ideologias e relações. Em palavras mais simples: neonazismo não é, necessariamente, “coisa de alemão”, como popularmente se veicula. As explicações para esse fenômeno no Brasil atual devem ser procuradas, até que se prove o contrário, sem se tomar o quesito étnico como pressuposto.

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Chegaram a concorrer às eleições? Por que? A que cargo?

Não concorriam a eleições. A rigor, o partido objetivava integrar alemães natos dentro do projeto político-racial nazista, para o qual os partidários no exterior tinham ordens diretas de não se misturarem com a política local. Assim, as únicas eleições que certos membros da NSDAP concorreram, foram as dos clubes e das associações germânicas. Invariavelmente, eles enchiam as salas de votação para assumirem o controle.

O partido no Paraná se reportava diretamente a quem? Por que?

Antes de se enquadrarem na estrutura da AO, os nazistas paranaenses se reportavam diretamente à Alemanha. Após 1934, com a fundação da Seção Brasileira (ou “Grupo-país”), o Círculo passou a se reportar a Hans Henning von Cossel, Adido Cultural da Embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro e líder da Seção Brasileira da NSDAP.

Como era a estrutura do Partido Nazista?

Localmente havia espécies de Departamentos. Tesouraria, Propaganda, Sociedades e Colônias; além das organizações paralelas: Frente Alemã do Trabalho, Juventude Teuto-Brasileira, Seção Feminina e Organização dos Professores Alemães. Isso é o que pudemos aferir da documentação policial. Certamente, os documentos do próprio Partido forneceriam informações mais complexas sobre o funcionamento dessas divisões.

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