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O ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez
O ex-ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Depois de conturbados meses à frente do Ministério da Educação, o professor de filosofia é exonerado e escreve um livro de memórias. Esta frase é verdadeira para Renato Janine Ribeiro, esquerdista indicado por Dilma Rousseff, e para Ricardo Vélez Rodríguez, direitista indicado por Jair Bolsonaro. O ministério de Janine teve dois meses de longevidade a mais que o de Vélez, e quase coincidiu com a maior greve da história das universidades federais. Janine legou uma Base Nacional Curricular Comum que excluía a Antiguidade Clássica da disciplina história, que teria sido feita sem o seu consentimento e foi rechaçada por ele. E Vélez, que fez?

Em autobiografia conta sua história de vida, dá sua versão dos fatos passados no Planalto, e defende suas ideias levadas para o ministério. Trata-se de "Da esquerda para a direita: Minha opção liberal conservadora" (Távola, 2020).

Colombiano, teólogo da libertação

A vida privada de Vélez tem utilidade para se adquirir cultura geral. Nasceu em Bogotá, cresceu em Medellín, numa família verdadeiramente patriarcal e tradicional, que seguia o costume medieval de destinar o primogênito à gestão dos bens da família e o segundo ao sacerdócio. Vélez era o segundo filho vivo, e desde criança ficava apavorado com o destino de ser padre. Ainda na infância, foi mandado pelo pai para um internato de padres, onde passou anos sendo abusado sexualmente pelo padre diretor do instituto, que dizia, em privado, ser representante de Deus.

Prestes a se ordenar e já adulto, Vélez emagreceu 15kg, e os padres honestos, que não sabiam da situação, mandaram-no a um psicólogo. Este conseguiu extrair dele a confissão dos abusos; e, sendo um católico que atendia outros religiosos, estava já inteirado do estrago que o diretor do instituto fazia.

Com dificuldade, Vélez conseguiu escapar do sacerdócio contando à família as agruras passadas no seminário. Mas não rompeu com a Igreja; em vez disso, rompe com o conservadorismo do padre que abusara dele, e vira adepto da teologia da libertação.

Sua formação jesuítica lhe permitiu tornar-se professor de filosofia em uma universidade. Numa viagem política ao Equador, conheceu uma carioca apolítica perdida, apaixonou-se por ela, largou a noiva (uma dama da society colombiana) e casou-se com a brasileira. Veio para o Brasil com bolsa da OEA cursar o mestrado em filosofia brasileira na PUC-Rio. Foi então orientado por Antonio Paim, que o obrigou a ler autores liberais antes de se considerar um antiliberal. É aí que se dá a sua conversão política.

Pronta a sua dissertação sobre o castilhismo, Vélez voltou para a Colômbia.

Se nós achamos os sindicalistas brasileiros horríveis, na Colômbia era assim: “Sindicalistas armados pela guerrilha entraram na universidade e, sob ameaça, tentaram forçar os diretivos a ceder às suas exigências, que incluíam controle dos sindicatos sobre as decisões do Conselho Diretivo, na parte trabalhista. Não houve aquiescência a esses despropósitos, embora tivéssemos colocado a nossa integridade em risco. O próprio reitor Orión Álvarez sofreu um atentado a bomba dentro do estacionamento da Universidade.” Isso era na Universidade de Medellín. Medellín é a capital do departamento de Antioquía. Na Universidade de Antioquia, onde Vélez lecionava, “o confronto entre grupos de extrema esquerda, liberais, conservadores e narcotraficantes se acirrou de tal forma que, só em 1978, foram assassinados 18 professores de várias tendências ideológicas.” Assim, veio outra vez para o Brasil, para fazer o doutorado.

Recuemos no tempo: Vélez nasceu em Bogotá, e se mudou criança para Medellín. A razão disso foi justamente a violência em Bogotá. Seu avô materno era um general ligado ao Partido Conservador, e os membros do Partido Liberal queriam se vingar de toda a sua família. Décadas antes das FARC, era normal, na Colômbia, as diferenças entre partidos políticos se traduzirem em luta armada, e tanto o Partido Liberal quanto o Conservador viviam se matando.

Macartismo ao contrário na academia

Na filosofia, Vélez testemunhou uma caça às bruxas empreendida por aqueles que eram outrora os seus iguais: os jesuítas da teologia da libertação. Já mencionei neste jornal a perseguição que o liberal e ex-bolchevique Antonio Paim sofreu na PUC-Rio, que culminou com o MEC extinguindo a pesquisa em filosofia brasileira. A parte do MEC veio a público pela primeira vez por Vélez, em 2009, no seu blogue. No livro, ele acrescenta informações.

Uma das novidades é que a dissertação de Vélez foi acusada por um dos avaliadores, o Pe. Olinto Pegoraro, de não ser “uma pesquisa filosófica, pelo fato de ter se desenvolvido na área de história das ideias”. Ora, a tese era de história da filosofia, de pesquisa do pensamento brasileiro baseada em fontes primárias. Isso é justamente o estilo de trabalho desenvolvido pelo departamento de filosofia da USP, que foi copiado pelo Brasil inteiro. A alegação pública dos censores sempre foi a de que a pesquisa da filosofia brasileira não era séria por não se enquadrar na internacionalização. O que é uma alegação furadíssima, também, sobretudo levando-se em conta que a pesquisa acadêmica da filosofia no Brasil é quase toda feita em português.

A outra novidade, mais recente e mais baixa, foi a tentativa empreendida pelos jesuítas de desacreditar Vélez e até Paim, convidando-os e destratando-os em seguida. Uma vez extintas pelo MEC as linhas de pós-graduação em filosofia brasileira, o Prof. Margutti, da Faculdade Jesuíta de Teologia e Filosofia, de Minas Gerais, vem tentando retomar o assunto, com a aceitação da comunidade acadêmica.

Em 2009 saiu a postagem do blogue de Vélez sobre a sabotagem do MEC, e causou rebuliço na comunidade filosófica. No mesmo ano, segundo conta, ele e Antonio Paim foram convidados pelos jesuítas de Portugal a escrever cada qual um artigo sobre filosofia brasileira para a Revista Portuguesa de Filosofia, por eles editada. Ambos foram recusados por baixa qualidade acadêmica. Diz Vélez: “Ficou evidente, para mim, a jesuítica jogada: mestre e discípulo, simplesmente seríamos declarados ‘ineptos’ em matéria de pensamento brasileiro.”

O doutorado em filosofia de Vélez foi concluído na Universidade Gama Filho por causa do imbróglio jesuítico da PUC-Rio que terminou com a autodemissão de Paim. A tese de Vélez foi sobre Oliveira Vianna, o pensador oficial do varguismo. Ao cabo, esse colombiano ainda não naturalizado foi o primeiro mestre e o primeiro doutor em filosofia brasileira.

Direita confusa e amadora com Bolsonaro

Em 2018, o Brasil passou por uma situação sem precedentes: um político periférico, um deputado do baixo clero, sem alianças nem tempo de TV, com poucos recursos, ganhou as eleições. O amadorismo reinava.

Talvez o relato mais expressivo disso seja o da primeira ida de Vélez a Brasília. Ele começara a ser chamado de chamado de ministro por olavetes, que ele conhecia só de vista. Convidaram-no para almoçar lá em Londrina, onde mora, e anunciaram ainda em 14 de outubro de 2018 que ele seria ministro. Ele não acreditou. O almoço foi na casa de Sílvio Grimaldo, admirador de Olavo de Carvalho.

Pelo que ele conta, é possível que tenha sido indicado por causa de seu desempenho em um debate ao qual comparecera em setembro na Universidade Positivo. Era um painel sobre as propostas dos candidatos presidenciais. Relata: “Falei por último. Antes de mim, tinha tomado a palavra um professor da UEL que, em tom de militante, denunciou a perigosa ascensão do pensamento da direita, terminando a sua fala com esta pérola de radicalismo rastaquera: ‘a única saída possível corre por conta dos candidatos da esquerda, pois a direita só pensa merda’.” Então ele pegou o microfone, defendeu “o pensamento liberal-conservador” e atacou os governos do PT.

No dia seguinte ao almoço, pipocou na imprensa que Olavo de Carvalho o indicou para o MEC. Ainda nem tinha acontecido o segundo turno.

Tendo ocorrido o segundo turno, ainda era um mistério se Bolsonaro seguiria a indicação de Olavo. No dia 9 de novembro, segundo Vélez, Filipe Martins telefonou-lhe dizendo que Bolsonaro queria chamá-lo para conversar sobre o ministério, e ele aceitou, dizendo que só poderia se encontrar com ele a partir do dia 20 por causa de uma viagem. No dia 26, o assessor lhe ligou convidando, e ele foi.

Eis que, no aeroporto, pegando a conexão em Congonhas, liga ninguém menos que Eduardo Bolsonaro, dizendo que não precisava ir, porque seu pai já decidira indicar Mozart Ramos, do Instituto Ayrton Senna. Nisso, Vélez, tenta trocar a passagem, quando lhe liga a mulher dizendo que “o anúncio da escolha do professor Mozart era uma notícia falsa divulgada pela imprensa.” Depois Eduardo Bolsonaro se desculpou.

De um jeito ou de outro, é muita trapalhada. Se eles trocam de ministro com tanta frequência que baratinam o indicado no aeroporto, estão errados. Se a imprensa de fato espalhou um boato, o filho do presidente é um palpiteiro que mete o nariz nos assuntos da República segundo o que vê no noticiário: um típico patrimonialista que se sente à vontade para tocar o trabalho de papai.

Vélez foi parar no ministério por causa dos olavetes. Saiu também por causa deles: cismaram que ele era tucano, porque convidou um ex-superintendente do Centro Paula Souza. É o órgão estadual paulista responsável pelas escolas técnicas. A ideia dele era usar a expertise do homem para fazer o ensino médio profissionalizante.

Tabata e o viés da imprensa

No quesito imprensa, Vélez apresenta queixas justas. Talvez o melhor exemplo seja a repercussão das arguições de Tabata Amaral. Diz Vélez: “começou sua arguição acusando-me de ser incompetente, de não saber nada com relação à minha pasta e[,] instando-me a renunciar, respondi: ‘Se essa é a convicção de Vossa Senhoria ao meu respeito, não perca tempo me fazendo perguntas.’ Eu, a essa altura, já havia apresentado à Comissão as linhas mestras da minha gestão, tendo sido o meu discurso ignorado pela deputada. Ansiosa por mostrar-se para o seu eleitorado, a deputada arguiu-me com falta de educação, razão pela qual não lhe respondi. A imprensa, ardilosamente, destacou minha atitude como uma suposta ignorância. Seguro sobre meus conhecimentos acerca da educação e dos problemas brasileiros, fiz questão de convidar a deputada, por mais de uma vez, a visitar-me no MEC e estabelecer um diálogo positivo, pois ela alega preocupar-se sobremaneira com a educação brasileira. Ela simplesmente não apareceu, nem deu satisfação.”

Quem quiser ver a arguição de Tabata, começa aqui, depois entra Maria do Rosário reclamando, então vem a conversa lisérgica de um Odorico Paraguaçu reclamando que não tem mulher no MEC, Tabata aparece outra vez nas 2h38, e por fim às 3h46. Circularam vídeos editados favoravelmente a ela (excluindo o erro de português reiterado no uso do verbo haver), e de fato não se falou das propostas de Vélez.

Quanto a Tabata, li sua autobiografia, e tudo de que ela fala de gestão escolar se resume à defesa apartidária da escolha de diretores de escolas. De fato é uma ironia que ela, que tanto trata das mulheres como vítimas dos homens, tenha sido tão desleal com uma vítima de assédio sexual.

Por outro lado, a imprensa fez muito bem em cair matando quando ele mandou filmar as crianças sem o consentimento dos pais, e ler o slogan do governo para elas.

Panorama de tendências e feitos

É possível apontar duas linhas mestras na concepção de Vélez: a descentralização da gestão, com foco no município, e a atenção ao narcotráfico nas escolas.

A ação dele mais relevante para o país inteiro foi a de o MEC dar assessoria aos municípios e escolas na prestação de contas, uma vez que as escolas municipais nem sempre conseguiam ajuda financeira do MEC por causa de burocracia. Por outro lado, os sindicatos eram nacionalmente organizados de modo a arrancar o máximo de tostões do contribuinte e amarrar o orçamento com despesas fixas. Diz ele que o filósofo Demerval Saviani montou uma organização no plano federal que permitia aos sindicatos embolsar muito dinheiro público sem prestar contas.

Da sua condição de colombiano nato, traz a falta de pruridos de falar em Exército e terrorismo. Segundo ele – segundo o senso comum fora da bolha dos bem-pensantes, na verdade – um problema das escolas brasileiras é o narcotráfico. Daí a ideia de firmar parcerias entre escola e PM, para fornecer ordem e disciplina nas escolas ditas “cívico-militares”. Segundo ele, essa experiência foi particularmente exitosa em Goiás, e expulsou os traficantes da escola. O casamento entre educação e segurança pública lhe era essencial. Vélez pensa que o Brasil deveria seguir o modelo da Colômbia, limpar a PM dos maus policiais e pôr o Exército para combater os traficantes. Tinha diálogo com Moro.

Mas ele considerava que o Brasil tem um problema sério de formação de professores. Por isso, um carro chefe era a retomada da formação antiga, de quando havia escolas normais para formar professoras. Considera que a formação em pedagogia, hoje, é livresca e ideológica.

No campo da pedagogia, é contra o atual modelo de alfabetização ensinado nas faculdades de pedagogia, que trata as palavras como se fossem ideogramas em vez de ensinar a soletrar.

De resto, um feito digno de nota é a contratação das obras para 50 escolas para índios na região da Cabeça do Cachorro (área a noroeste do Amazonas que parece uma cabeça canina, no mapa). Essas escolas eram uma recomendação do MPF. Os recursos foram liberados pelo então ministro Santos Cruz.

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