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Ativista segura cartazes contra a política de imigração do governo Trump no setor de desembarque do aeroporto internacional de Los Angeles.  | FREDERIC J. BROWN/AFP
Ativista segura cartazes contra a política de imigração do governo Trump no setor de desembarque do aeroporto internacional de Los Angeles. | Foto: FREDERIC J. BROWN/AFP

Em uma quarta-feira recente, 75 guatemaltecos desembarcaram de um dos três voos fretados, todos lotados de deportados dos EUA, marcados para aquele dia. O grupo foi levado para um hangar, onde as autoridades receberam seus integrantes de maneira superficial: com uma saudação, um pequeno lanche e o valor da passagem de ônibus para onde quisessem ir.

O contato do governo da Guatemala com os deportados terminou aí. Considerados um peso, ou mesmo um constrangimento, o Estado e a sociedade não podem nem querem ajudar os milhares de rejeitados que tiveram que voltar para a terra natal. 

Reintegrá-los é, sem dúvida, um desafio; só que não fazer nada a respeito também é. A Guatemala e os EUA têm muito mais a ganhar explorando o potencial econômico, social e político que essas pessoas levam consigo. 

Um motivo por que o país de origem não faz quase nada por eles é a crença de que não permanecerão ali por muito tempo. 

Pois em visita recente que fiz à nação, ouvi de empresários, políticos e ativistas a mesma coisa: Donald Trump e seu muro não vão intimidar os imigrantes. Esses, por seu lado, também não estão perdendo tempo. Como um líder comunitário me disse: "Está todo mundo querendo se apressar antes que Trump construa o tal muro." 

Profecia autorrealizável

De fato, muitos querem que os imigrantes voltem para o exterior. O retorno para casa implica no fim das remessas que constituem quase 10% do PIB guatemalteco, além de inundar o setor de empregos, já em baixa, onde 75% da força de trabalho está no setor informal. 

Com tudo isso, não é surpresa constatar que os imigrantes que retornam não são lá muito queridos. A população em geral acredita que, se foram mandados de volta, é porque violaram a lei; quem é tatuado acaba marginalizado, considerado membro de alguma gangue violenta. Ninguém os contrata e, na rua, ninguém os encara. 

É claro que um tratamento desses acaba se tornando uma profecia que se cumpre por si só: negar aos imigrantes assistência para a reintegração econômica e social só vai agravar os problemas nacionais. 

Indivíduos marginalizados geralmente entram para as gangues de rua porque querem pertencer a algum grupo e acabam sendo recrutados pelo narcotráfico e pelos traficantes humanos. Afinal, sabem como atravessar a fronteira; muitos viveram em comunidades onde o crime organizado prolifera; são os guatemaltecos mais familiarizados com os EUA. 

Sem volta

É verdade que muitos tentarão seguir para o norte novamente, mas a maioria não tem interesse em repetir a dose. Um conhecido meu, cujas remessas mensais ajudaram a montar uma fábrica de camisetas que emprega os dez filhos na vila em que mora, está voltando de vez. Os mais velhos, principalmente aqueles que conseguiram juntar uma quantia considerável para sobreviver, não têm a mínima intenção de voltar para os EUA. 

Classificar todos os deportados como criminosos também é uma falácia. Enquanto uma minoria cometeu infrações graves e muitos, infrações, a grande maioria só é culpada por cruzar a fronteira ilegalmente e trabalhar sem visto. 

A verdade é que muitos representem um recurso não/mal aproveitado. Praticamente todos deixam o país como agricultores sem treinamento, embora através da desenvoltura e do trabalho árduo nos EUA tenham adquirido habilidades profissionais e progrediram. 

Durante minha visita, encontrei pedreiros e carpinteiros que assumiram reformas sofisticadas, paisagistas que trabalharam em campos de golfe, um especialista em couro que supervisiona a produção de valises e um chef de sushi jovem que fala inglês fluente e até arranha um pouco de japonês. Todos estão ansiosos para poder usar suas habilidades na Guatemala, abrindo o próprio negócio ou encontrando um sócio no setor privado.

Investimentos 

Para começar que o governo devia lhes fornecer crédito e, para quem é do setor da construção e do turismo, eliminar as exigências de certificação mais complicadas, de modo a poderem começar a trabalhar imediatamente. Deveria também desenvolver um programa específico, no estilo do LinkedIn, através do qual os imigrantes recém-chegados poderiam anunciar suas habilidades e entrar em contato com as empresas comprometidas com a diversificação e a modernização da economia guatemalteca. 

Da mesma forma que eles podem ajudar a estabilizar a região centro-americana, os EUA também podem se beneficiar da capacidade profissional dos deportados. A Aliança para a Prosperidade, para a qual o governo norte-americano fornece fundos, quer diminuir a imigração ilegal reduzindo a pobreza, a desordem e a violência. Entre outras coisas, propicia investimentos internacionais, públicos e privados, em educação, assistência médica e treinamento vocacional, objetivos que os imigrantes habilitados que estão voltando para casa podem ajudar a realizar. 

Em minhas conversas com esse pessoal, percebi o surgimento de um padrão: quase todos dizem que seu grande sonho não é voltar para os EUA, mas, como um homem explicou, "fazer a Guatemala se parecer um pouquinho mais com os EUA". Para alguns, isso significa abrir o próprio negócio; para outros, é a disseminação, na comunidade e no local de trabalho, das características de liderança e união que descobriram no país do norte. 

Para um deles, é absolutamente essencial que aqueles que voltam ocupem um papel vital na reforma da sociedade. E até ofereceu uma analogia: "O pessoal sai do país para fugir da 'casa cheia de baratas', onde prevalece a pobreza e a desordem. Ora, a solução é dedetizar a casa – e permitir que nós, imigrantes, façamos parte da equipe técnica." 

*Anita Isaacs é professora de Ciências Políticas de Haverford College

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