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Paciente recebendo injeção de gás ozônio para tratamento de estrias na pele, nos EUA
Paciente recebendo injeção de gás ozônio para tratamento de estrias na pele, nos EUA| Foto: Bigstock

Em 2019, um homem de 41 anos, morador de Taguatinga (DF), apresentou um quadro de osteomielite crônica, uma infeção nos ossos. Os médicos recomendaram amputação de parte da perna. Ele buscou uma segunda opinião e aceitou ser submetido a 30 injeções de ozônio, na perna e no ânus. Sentiu grande desconforto e uma parada cardíaca e desde então questiona na Justiça o procedimento a que foi submetido.

O caso dá uma ideia dos sérios riscos da ozonioterapia, um tratamento experimental e sem comprovação científica que passa a ser autorizado como “procedimento de caráter complementar” segundo a lei aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e publicada na segunda-feira (7). Mais uma vez, como acontece desde que o projeto de lei agora aprovado foi apresentado, as principais entidades que zelam pela aplicação da medicina no Brasil se posicionaram contrárias à prática.

Riscos 

Quando o projeto de lei foi apresentado pelo então senador Valdir Raupp (MDB-RO), em 2017, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) se manifestou sobre “os riscos da oferta da ozonioterapia sem a constatação de sua eficácia e segurança, expondo pacientes a riscos diversos”.

A terapia se vale de uma combinação de oxigênio e ozônio, com o objetivo de eliminar bactérias. Trata-se de uma técnica utilizada para limpar reservatórios de água, incluindo piscinas, e para desinfectar objetos. Mas não há comprovação de que funcione quando aplicada na parte final do intestino ou de forma subcutânea, em músculos ou na corrente sanguínea.

Para uso humano, com poucas exceções, é um gás tóxico, “sem aplicação médica útil conhecida em terapia específica, adjuvante ou preventiva”, como apontou a agência regulatória dos Estados Unidos, a FDA, em 2019. Isso porque, para ser eficiente na eliminação de germes, ele precisa ser aplicado em concentrações que não são seguras para seres humanos. "O efeito fisiológico predominante do ozônio é a irritação primária das membranas mucosas. A inalação de ozônio pode causar irritação suficiente nos pulmões para resultar em edema pulmonar", completa o regulamento da FDA. Além de riscos para os pulmões, os danos incluem irritação nos locais onde o ozônio é injetado e riscos para o coração, sistema nervoso central e visão.

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não existem no Brasil equipamentos de produção de ozônio aprovados para uso em indicações médicas, “visto que ainda não foram apresentadas evidências científicas que comprovem sua eficácia e segurança”.

Em nota publicada na segunda-feira, a agência declara ainda que os usos para além das finalidades aprovadas constitui infração sanitária. “Até o momento, os equipamentos aprovados junto à Agência somente possuem as seguintes indicações: Dentística: tratamento da cárie dental – ação antimicrobiana; Periodontia: prevenção e tratamento dos quadros inflamatórios/infecciosos; Endodontia: potencialização da fase de sanificação do sistema de canais radiculares; Cirurgia odontológica: auxílio no processo de reparação tecidual; Estética: auxílio à limpeza e assepsia de pele”.

Reação contrária 

Por sua vez, o Conselho Federal de Medicina (CFM) informou à reportagem que “a sanção da Lei nº 14.648/23, pela Presidência da República, não contradiz os termos da Resolução nº 2.181/2018, do CFM, que continua em vigor, sendo que a autarquia mantém grupo de trabalho específico que avalia a eficácia e a segurança do uso da ozonioterapia”. A resolução citada define a ozonioterapia como um procedimento que pode ser realizado apenas em caráter experimental.

A Academia Nacional de Medicina (ANM) publicou uma nota sobre o tema, em julho, conclamando Lula a vetar o projeto de lei que visava a prescrição da ozonoterapia como tratamento de saúde em caráter complementar, evocando seu “dever de assessorar as políticas de Estado no que concerne à saúde e assim zelar pelas melhores práticas adotadas e implementadas no país, em auxílio às ações do Governo”.

“Não temos conhecimento de trabalhos científicos que comprovem a eficácia da ozonioterapia em nenhuma circunstância. Esta alega aumentar a concentração de oxigênio no corpo humano introduzindo ozônio, quer por via venosa, quanto por via retal, sem que resultados jamais tenham sido verificados ou publicados de modo adequado, e gerando um risco de ilusão em pessoas leigas, portadoras de doenças graves, como câncer, de que condutas dessa natureza, possam ter efeito terapêutico”, justificava o texto.

Ainda segundo a ANM, a afirmação de que se trata de um complemento terapêutico, como afirma a lei, “se baseia em mera pseudociência, além de ser considerada nociva e de risco para a saúde, sem qualquer benefício verificável por métodos adequados, independentemente de quem a aplica. Passou a ser vendida como tratamento para diversas doenças, inclusive no Brasil, gerando ações inescrupulosas e auferindo lucros com essa prática”.

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