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Justiça

Pena de morte: propostas no Brasil e nos EUA reacendem o debate público

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O presidente dos EUA, Donald Trump. (Foto: Al Drago/EFE/EPA)

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“Espero que ele seja considerado culpado e pegue pena de morte. Charlie Kirk era a melhor pessoa, não merecia isso.”

A declaração de Donald Trump sobre o assassino de Kirk reacendeu nos Estados Unidos um debate que nunca saiu da pauta brasileira. Ao contrário: a discussão acercada punição máxima ganhou novo fôlego neste ano, com parlamentares do PL e do União Brasil articulando estratégias para introduzir no país a execução de autores de crimes hediondos.

Em agosto, Trump já havia anunciado que o governo federal pediria a pena capital em todos os casos de homicídio em Washington, DC, onde sua aplicação não é permitida. Ele ainda classificou a sentença de morte como “uma medida preventiva muito forte” e estimulou os demais estados americanos a “tomarem suas próprias decisões” nesse sentido.

No início deste mês, o presidente americano voltou a defender a sentença máxima ao comentar o assassinato brutal da ucraniana Iryna Zarutska, de 23 anos, esfaqueada pelas costas em um trem na Carolina do Norte. Trump chamou o agressor, Decarlos Brown Jr., de “animal” e exigiu que ele fosse "condenado à pena de morte, afirmando que “não pode haver outra opção”.

Os Estados Unidos são um exemplo de democracia ocidental desenvolvida que ainda executa prisioneiros. Atualmente, 27 dos 50 estados mantêm a pena de morte em vigor. O número de eliminações legais, no entanto, caiu 75% nos últimos 25 anos. 

Em termos globais, o cenário é dividido. Segundo dados da Anistia Internacional, 54 países mantêm o “recurso punitivo extremo” em sua legislação, enquanto 170 já o aboliram ou não o praticam há pelo menos 10 anos. O mesmo levantamento ainda aponta que, em 2024, apenas 15 nações realizaram execuções. 

Mas o número de eliminações nesses países cresceu. O levantamento mais recente da ONU registrou 1.153 execuções em 2023 — um aumento de 31% em relação ao ano anterior e o índice mais alto em oito anos. 

Os principais executores são Irã, Arábia Saudita, Iraque, Egito e EUA. A China também faz parte desse grupo, mas seus números, estimados em milhares, são guardados a sete chaves plea ditadura comunista. 

Da injeção ao apedrejamento 

Os métodos utilizados para eliminar os prisioneiros são distintos. Os chineses, por exemplo, adotam principalmente o fuzilamento (mesmo sistema da Coreia do Norte e da Somália). 

A injeção letal predomina nos Estados Unidos e no Vietnã. Nos EUA, porém, muitos laboratórios têm se recusado a fornecer as substâncias necessárias para a aplicação do chamado “coquetel da morte”. 

Diante desse impasse, alguns estados americanos retomaram práticas consideradas mais arcaicas, como o pelotão de fuzilamento. Este, aliás, é o método previsto em Utah, onde ocorreu o assassinato de Charlie Kirk. 

A decapitação por espada permanece uma exclusividade da Arábia Saudita, enquanto Irã, Japão e Egito preferem outro sistema clássico: o enforcamento. Há, ainda, lugares em que o apedrejamento é previsto para o crime de adultério — como Sudão, Paquistão e os já citados Irã e Somália. 

Os argumentos contrários

Entidades internacionais e centros de pesquisa com viés progressista questionam ou rejeitam o argumento de que a pena capital é eficaz para diminuir os índices de criminalidade. 

Para as Nações Unidas, não há evidências nesse sentido. A ONU ainda destaca o uso desproporcional da sentença de morte contra minorias, além de defender “alternativas compatíveis com os direitos humanos”. 

A Anistia Internacional também rechaça a ideia de um efeito preventivo. Segundo o grupo, a execução de prisioneiros é “um sintoma da violência, não uma solução”. 

Ligado à Universidade de Nova York, o instituto de pesquisa Brennan Center for Justice busca comprovar, em seus levantamentos, o baixo impacto das execuções sobre as taxas de homicídio. Os documentos divulgados pelo núcleo apontam que a certeza da punição é mais eficaz do que a severidade da pena. 

Já a Death Penalty Information Center, organização dedicada a monitorar a pena de morte nos EUA, costuma chamar a atenção para fragilidades do sistema que colocam em dúvida os argumentos favoráveis à execução. Entre eles, falta de transparência, tendências de parcialidade e custos institucionais (como processos mais longos, gastos elevados com julgamentos e recursos, sobrecarga dos tribunais e riscos de erros capazes de comprometer a credibilidade do Judiciário). 

O que diz o Vaticano 

Viés ideológico à parte, a Igreja Católica hoje também rejeita a aplicação da pena de morte — em coerência com sua fundamental defesa da vida. 

Historicamente, grandes teólogos como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino defendiam a execução como prerrogativa legítima do Estado para preservar a ordem social. Em 1995, no entanto, o Papa João Paulo II promoveu uma mudança de rumo em sua encíclica “Evangelium Vitae”. 

Na carta, o pontífice afirmou que a execução só seria admissível se “absolutamente necessária” para proteger vidas humanas”.  Ainda assim, segundo ele, esses casos eram “muito raros, se não praticamente inexistentes” no contexto moderno, com sistemas prisionais capazes de neutralizar agressores. 

Bento XVI reforçou essa posição e, em 2018, o Papa Francisco autorizou uma revisão do Catecismo, declarando que “a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e a dignidade da pessoa”. 

Francisco ainda descreveu a punição extrema como “cruel, desumana e degradante”, porque “não faz justiça às vítimas, mas fomenta a vingança”. 

A bandeira de Amaral Netto 

No Brasil, o debate se desenrola entre o anseio popular por punições severas e as rígidas garantias constitucionais. 

A pena de morte foi abolida para crimes comuns no país com a Proclamação da República, em 1889. Quase um século depois, a “Constituição Cidadã” a proibiu expressamente, salvo em caso de guerra declarada (em que a execução prevista é o fuzilamento). 

Ainda segundo a Carta Magna de 1988, o direito à vida é uma cláusula pétrea. Ou seja: é juridicamente inviável qualquer tentativa de reintrodução da sentença letal para delitos civis. 

Antes e depois da proibição, o tema sempre encontrou defensores na política. O mais famoso foi o jornalista e deputado Amaral Netto (1921-1995), que brigou intensamente na Constituinte para emplacar a pena capital para crimes hediondos. 

O parlamentar do PDS do Rio de Janeiro chegou a recolher mais de 100 mil assinaturas de apoio, mas sua emenda foi derrotada no plenário por uma margem esmagadora: 392 votos contrários e 90 favoráveis. 

Amaral Netto também propôs um plebiscito para que a população decidisse sobre a aplicação da medida (de acordo com ele, cerca de 70% dos brasileiros a endossavam). Essa proposta, contudo, foi igualmente vetada. 

O assunto ressurgiu durante a transição para o governo de Jair Bolsonaro, em dezembro de 2018. Uma reportagem do jornal O Globo afirmou que o deputado federal Eduardo Bolsonaro trouxe de volta a ideia do plebiscito e defendeu “a possibilidade de pena de morte para traficantes de drogas, a exemplo do que ocorre na Indonésia, e para autores de crimes hediondos”. 

A controvérsia, no entanto, foi rapidamente estancada pelo próprio presidente, que se manifestou no antigo Twitter. “Além de tratar-se de cláusula pétrea da Constituição, não fez parte de minha campanha. Assunto encerrado antes que tornem isso um dos escarcéus propositais diários”, disse.

Kim Kataguiri: proposta de convocar uma nova Constituinte para discutir pena de morte e da prisão perpétuaKim Kataguiri: proposta de convocar uma nova Constituinte para discutir pena de morte e prisão perpétua (Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

“Bandido bom é...” 

As pesquisas mais recentes disponíveis mostram variações conforme o recorte e a pergunta formulada.

Em levantamentos regionais concentrados em grandes centros, o apoio a punições extremas é mais expressivo. Um estudo da Numendata/Baselab, feito em São Paulo e no Rio de Janeiro em 2024, apontou que mais de três quartos dos entrevistados concordavam com afirmações como “bandido bom é bandido morto” e mostravam forte adesão à pena de morte. 

Já levantamentos de abrangência nacional, como a Ipsos-Ipec de julho deste ano, registram uma divisão maior: 49% dos brasileiros rejeitam a sentença letal, enquanto 43% a apoiam. 

Para além das oscilações, o ponto crucial é que existe uma parcela relevante da população que, diante da sensação de insegurança e impunidade, vê medidas extremas como respostas legítimas. Essa pressão social tem sido traduzida, neste momento, em esforços comandados por dois parlamentares no Congresso Nacional. 

Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria do deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) busca alterar o artigo 5º para prever a aplicação da pena de morte em casos de homicídio doloso contra agentes de segurança pública. 

Gonçalves justifica a medida citando os 142 policiais assassinados em 2022. Para ele, o homicídio doloso contra agentes da lei “não pode ser tratado como um crime comum, pois representa um ataque direto ao Estado e à sociedade”. 

Mais ambiciosa é a ideia do deputado Kim Kataguiri (União-SP): promover um plebiscito para convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte e discutir a implementação da pena de morte e da prisão perpétua no Brasil.

“Não acho que um estuprador tenha defesa” 

“Defendo que seja feita uma nova Constituição, então nenhuma trava do texto de 88 se aplicaria para a questão da pena de morte”, diz Kataguiri, em entrevista concedida à reportagem da Gazeta do Povo

Sobre a cláusula pétrea que protege o direito à vida, o deputado argumenta que o próprio texto constitucional já prevê exceções. “A Constituição de 88 estabelece pena de morte em caso de guerra para desertor. Portanto, o princípio do não retrocesso não poderia se aplicar”, afirma. 

Para contornar a conhecida fragilidade institucional brasileira e o risco de erros judiciais, Kim Kataguiri propõe que “a pena de morte seja para crimes muito graves, e que a pessoa seja julgada por um júri para evitar a arbitrariedade de um juiz”. “A pena de morte só poderia ser aplicada com unanimidade, similar ao modelo americano”, completa. 

O deputado também comenta a crítica, feita pelo campo político da esquerda, de que a punição extrema poderia ser aplicada de forma desigual, afetando principalmente os mais pobres. “A pena vai ser de acordo com o crime. Se o crime for grave, gravíssimo, a ponto de ensejar uma pena de morte, não me interessa se a pessoa é rica ou pobre.” 

Apresentada na Câmara no último mês de abril, a proposta até agora conta com 88 das 171 assinaturas necessárias para tramitar. O projeto prevê que o plebiscito seria realizado em conjunto com o primeiro turno das eleições presidenciais de 2026.

O questionário incluiria três perguntas centrais: se o eleitor é a favor da convocação de uma nova Constituinte, se concorda com a inclusão da pena de morte e se apoia a adoção de penas de caráter perpétuo para crimes graves. 

Questionado se considera a punição extrema uma necessidade ou apenas uma pauta a ser testada pela sociedade, o parlamentar foi categórico. “Tenho convicção em relação à pena de morte. Não acho que um estuprador, por exemplo, tenha defesa. Não acho que uma pessoa que estupra, mata e depois esquarteja, tenha solução, ressocialização, ou mesmo que seja justo que essa pessoa continue viva”, diz. 

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