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Homo habilis foi o “grande desbravador” entre as espécies que deram origem ao homem moderno.
Homo habilis foi o “grande desbravador” entre as espécies que deram origem ao homem moderno.| Foto: Cecília Bastos/USP Imagem

Uma descoberta de pesquisadores brasileiros e italianos pode mudar o que sabemos até hoje sobre a história da humanidade. Materiais encontrados na Jordânia, no Oriente Médio, entre 2013 e 2015, indicam que a primeira espécie do gênero Homo (linhagem que deu origem aos seres humanos modernos) a deixar o continente africano foi talvez o Homo habilis, há cerca de 2,4 milhões de anos. A pesquisa mudaria a teoria predominante entre os estudiosos da área, de que o primeiro hominídeo a migrar da África foi o Homo erectus, entre 2 milhões e 1,8 milhão de anos atrás.

A pesquisa foi publicada no último dia 6 na revista científica Quartenary Science Reviews e tem entre seus seis autores o professor Fabio Parenti, do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Outro pesquisador que assina o trabalho é Walter Neves, professor aposentado do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e responsável pelo estudo que descobriu Luiza, um dos esqueletos humanos mais antigos do continente americano. Completam a equipe o geólogo Giancarlo Scardia, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e o geoarqueólogo Astolfo Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, além de colaboradores dos Estados Unidos e da Alemanha.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Fabio Parenti conta que a descoberta do sítio arqueológico em Zarqa, ao norte da capital jordaniana Amman, foi feita por cientistas franceses em 1982. As pesquisas foram interrompidas e retomadas por uma missão italiana em 1996, da qual ele fez parte e que encontrou fósseis de elefantes e cavalos, datados de 1 milhão de anos. “Era algo muito velho para a região”, afirma o arqueólogo, que chegou ao Brasil em 2011. Naquele ano, como professor da USP, propôs a retomada das pesquisas e conseguiu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da instituição americana Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research.

Foram três missões à Jordânia, em 2013, 14 e 15, além de um congresso no país em 2016. Foi nesse período que os arqueólogos encontraram ferramentas de pedra lascada, claramente produzidas por mãos humanas para quebrar objetos e cortar carcaças de animais. Os materiais datam de 1,9 milhão a 2,4 milhões de anos e como, naquela época, o único hominídeo a vagar pela África era o Homo habilis, tudo leva a crer que a espécie estava presente na região. A denominação “homem habilidoso”, inclusive, faz referência à habilidade pioneira na produção de utensílios de pedra lascada.

“Não havia nada tão antigo fora da África. Essa descoberta preenche um vazio documental sobre a saída da humanidade do continente africano. A partir disso, é provável que não tenha sido o Homo erectus a primeira espécie a migrar”, diz Parenti, professor da UFPR desde 2015. A geografia do local, no vale do rio Jordão, é outro fator que favorece a presença dos hominídeos, conforme indicam os vestígios. “O vale sempre foi um ponto de passagem na pré-história, pois era o único lugar na região onde havia água. E tanto os homens quanto os animais vão onde há água e alimento.”

Relação com outras descobertas

O trabalho dos pesquisadores brasileiros vai ao encontro de outra descoberta, divulgada em novembro do ano passado. Uma equipe do Centro Nacional de Pesquisas sobre a Evolução Humana da Espanha encontrou ferramentas de pedra e ossos de animais abatidos há 2,4 milhões de anos em um sítio arqueológico da Argélia, no norte da África. A pesquisa alimentou a ideia de que os hominídeos evoluíram no continente africano como um todo, não apenas na África oriental.

Em uma entrevista coletiva na qual os pesquisadores brasileiros anunciaram sua descoberta, Walter Neves destacou que o sítio argelino está próximo à “porta de saída” para o Oriente Médio, o que se encaixa com a presença do Homo habilis na Jordânia. O arqueólogo acredita que as ferramentas encontradas por sua equipe foram produzidas por uma população de Homo habilis recém-saída da África, no caminho para a região do Cáucaso, onde mais tarde daria origem ao Homo erectus — uma espécie maior, mais inteligente e mais moderna de hominídeo, considerada por muitos como a precursora do homem moderno (Homo sapiens).

A saída do Homo habilis do território africano explicaria também uma outra descoberta recente, de artefatos de pedra lascada com 2,1 milhões de anos — ou seja, anteriores ao Homo erectus – em Shangchen, no leste da China. Neves acredita que elas também foram produzidas pelo Homo habilis, colocando a espécie não apenas como a primeira a sair da África, mas também como a pioneira na ocupação da Eurásia.

As diferenças entre as duas espécies estão principalmente na estatura e no volume cerebral, bem menores no Homo habilis. Neves destaca, contudo, que esse último já era bípede e capaz de caminhar longas distâncias, reforçando assim sua característica migratória. “O grande desbravador foi o habilis”, garante o pesquisador. Há uma corrente de cientistas, inclusive, que defende que o habilis e o erectus não eram espécies diferentes, mas variações de uma mesma linhagem.

Nova etapa da pesquisa

O trabalho dos pesquisadores brasileiros não se encerra com a descoberta recém-anunciada. Segundo Fabio Parenti, eles já estão buscando recursos nacionais e internacionais para financiar uma nova etapa do projeto. O planejamento prevê o retorno à Jordânia em 2020, para um trabalho de sedimentologia – estudo da formação geológica dos sítios arqueológicos. No ano seguinte uma missão pretende realizar novas escavações, no intuito de buscar outros vestígios da presença dos hominídeos na região. Por fim, o ano de 2022 deverá ser dedicado ao estudo das pesquisas de campo. Apesar da euforia com a descoberta, os pesquisadores brasileiros já esperam que o trabalho e suas conclusões sejam recebidos com “muito ceticismo” pela comunidade científica internacional. Para Neves, contudo, a pesquisa já é de grande valor para a ciência brasileira. “Não queria me aposentar antes de botar o Brasil no mapa da paleoantropologia mundial”, afirmou durante entrevista coletiva, antes de concluir: “engulam ou não, o Brasil está no mapa agora".

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