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Um espião trapalhão: o desastrado plano de Hitler para invadir e conquistar os Estados Unidos
| Foto: Domínio Público

Em suas memórias, escritas durante os 20 anos de prisão aos quais foi condenado pelo Tribunal de Nuremberg, Albert Speer, o célebre Ministro do Armamento do Terceiro Reich, descreveu com riqueza de detalhes a obsessão do Führer alemão, Adolf Hitler, pela ideia de ver a cidade de Nova York explodindo, como num show de fogos. A ideia ficava cada vez mais atraente à medida que o fim da Segunda Guerra se aproximava e Hitler se via encurralado: “Ele descrevia os arranha-céus transformados em gigantescas tochas caindo umas sobre as outras, e o brilho da cidade toda explodindo e iluminando a escuridão do céu”.

Depois do desembarque aliado na Normandia, e à medida que o exército americano começava a entrar em solo germânico e a bombardear as cidades do Reich, o desejo de vingança de Hitler e de seus asseclas só aumentou. De acordo com Speer, ele encomendou a construção de um gigantesco bombardeiro que recebeu o sutil nome de Amerikabomber, capaz de sobrevoar o Atlântico para vingar a destruição da Alemanha. Antes mesmo de a guerra eclodir, porém, em um de seus discursos, Hermann Göring, comandante-chefe da Luftwaffe, já tinha declarado que, apesar de não ter bombardeiros capazes de fazer uma viagem de ida e volta a Nova York carregando 4,5 toneladas de bombas, ficaria extremamente feliz se tivesse só um capaz de finalmente calar aquela boca arrogante do outro lado do oceano”.

O ponto de vista historiográfico majoritário é o de que Hitler, antes da guerra, não via os Estados Unidos como um grande perigo e considerava a União Soviética como a real ameaça às suas ambições e aspirações para o Reich alemão. Hitler acreditava que os Estados Unidos não passavam de um país materialista, decadente e racialmente “bastardizado”, que não oferecia qualquer ameaça, pelo menos num futuro próximo, a seus planos. Faltava aos norte-americanos, segundo ele, a pureza racial necessária para a força de combate. Ao contrário dos alemães, que Hitler via como um “Volk ohne Raum”, um “povo sem espaço” (daí a necessidade de adotar a política do “Drang nach Osten”, o “avanço para o leste”), os americanos, assim como os canadenses, viviam num “país sem povo”.

Hitler acreditava inclusive que os Estados Unidos acabariam por absorver ou invadir o Canadá na primeira oportunidade que tivessem, e que os canadenses os receberiam de braços abertos. Para ele, a disputa com os americanos pela dominação mundial viria muito tempo depois, no futuro, quando a união da Europa já estivesse consolidada na forma de uma aliança entre as nações daquele continente. Hitler imaginava um cenário futuro em que o Velho Mundo se confrontaria com o Novo Mundo, e se regozijava ao imaginar “que um dia a Inglaterra e a Alemanha marchariam juntas contra os Estados Unidos”. Para ele, a Inglaterra e os Estados Unidos inevitavelmente entrariam em guerra um dia. “Um dos dois países terá que desaparecer”, previa Hitler.

Preparativos

Para o historiador germano-americano Gerhard Weinberg, no entanto, a ideia de entrar em conflito com aquela que viria a ser a maior potência do século XX já era algo há muito tempo entranhado na mente de Hitler. Por isso, a declaração de guerra depois do bombardeio de Pearl Harbor não foi um ato impensado, mas extremamente calculado. Para Weinberg, professor de História da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, os alemães tinham se convencido, depois do fim da Primeira Guerra, de que não tinham perdido para os americanos, e sim para si próprios, com o que descreviam como uma “punhalada nas costas” dada pelos próprios alemães devido a conflitos internos surgidos durante a guerra.

O papel militar americano não passava de um mito exagerado, uma fábula boboca. Com a consolidação do nazismo como frente unificadora de toda a nação germânica, este risco já não mais existia e já não seria difícil derrotar os Estados Unidos, que Hitler via como uma nação fraca e corrompida por divisões internas. Além disso, os assessores mais próximos de Hitler, como Speer, enxergavam nos Estados Unidos uma capacidade enorme de produção, tanto em suas indústrias como no potencial agrário colossal do território americano.

Alguns obstáculos, no entanto, impediam que esse inimigo fosse combatido: a vasta extensão do Atlântico e o tamanho da frota americana, infinitamente superior à alemã na época. Para começar a tentar superar essa disparidade, Hitler investiu na expansão de sua marinha, além de construir bases aéreas por toda a costa do Atlântico, na esperança de que um avanço tecnológico possibilitasse o lançamento de um bombardeiro capaz de atingir o território americano.

Mas a decisão de declarar efetivamente guerra aos Estados Unidos, que já tinha sido revelada em segredo ao governo japonês, foi adiada ao máximo, para que as tropas nazistas tivessem tempo de conquistar tudo o que pretendiam em solo europeu sem o risco de uma interferência externa. Aí veio o bombardeio de Pearl Harbor, em 1941, que pegou Hitler de surpresa. Ele recebeu a notícia durante uma viagem, o que o forçou a retornar às pressas a Berlim para declarar guerra aos americanos diante do Parlamento alemão. A ideia era, nas palavras de Joachim von Ribbentrop, ministro das Relações Exteriores nazista, a que “uma grande potência não deixa que lhe declarem guerra, ela é que declara guerra aos outros”.

Era justamente o que o presidente americano, Franklin Roosevelt, queria para poder retribuir a declaração de guerra sem o risco de alienar a grande parte da população que preferia que o país se mantivesse fora daquele novo caos armado pelos alemães no continente europeu.

Operação Pastorius

Os rumos da guerra acabaram por dar um fim a quaisquer planos de uma ameaça direta ao território americano por parte da Alemanha nazista. Primeiro foram os submarinos alemães, os chamados U-Boot, consistentemente derrotados em confrontos primeiro com a marinha britânica e, depois, americana. Em seguida vieram a ocupação aliada da Groenlândia e da Islândia, o que acabou efetivamente fechando um dos caminhos mais fáceis para uma possível invasão da América do Norte. Restou aos nazistas, então, o papel melancólico de, em vez de enviar um exército, enviar meia dúzia de gatos pingados numa tentativa mequetrefe de sabotar a infraestrutura americana e criar pânico na população. A empreitada foi batizada de Operação Pastorius, numa homenagem a Francis Pastorius, líder da primeira comunidade alemã a se instalar nos Estados Unidos.

Numa noite de junho de 1943, um guarda-costeiro de Long Island, no estado de Nova York, se deparou com um homem de meia-idade na praia. Ele se dizia pescador e contava que tinha sido forçado a descer na praia. Depois de convidá-lo para passar a noite na estação da Guarda Costeira local, o suposto pescador se recusou: “não tenho uma licença pra pescar”. Foi aí que apareceu um segundo homem, gritando algo em alemão, ao que o “pescador” respondeu: “seu idiota, volte para os outros!”.

Foi aí que o guarda se deu conta de que estava passando por uma situação que até então parecia saída de uma obra de ficção: estava cercado por espiões nazistas. O pescador-agente estendeu um maço de dinheiro na direção do guarda e perguntou se ele tinha pai ou mãe. Ao receber um aceno positivo, o espião respondeu: “Que bom. Não gostaria de ter que matar você”. E desapareceu na névoa que tomava a conta da praia naquela noite.

John Cullen, o guarda, correu de volta para sua estação, onde entregou o dinheiro a seus superiores e informou o que tinha acontecido. Enquanto isso, o espião alemão George John Dasch voltou para encontrar seus outros colegas, escondidos trás de uma duna. Os agentes ainda discutiram com Dasch por ter deixado o guarda sair vivo antes de apagar todos os vestígios de sua passagem na areia e fugir do local. Dasch tinha sido convocado pelo Alto Comando alemão por ter passado alguns anos nos Estados Unidos antes da guerra, trabalhando no setor de restaurantes. Ele passou por uma sessão de treinamentos intensivos numa fazenda, junto com seus colegas, antes de ser despachados até o litoral de Nova York dentro de um submarino.

Não demorou para que outros membros da guarda-costeira fossem despachados para o local do inusitado encontro. Lá, eles rapidamente acharam algumas caixas enterradas contendo explosivos, uniformes nazistas e uma boa quantidade de algumas das melhores bebidas alcóolicas e cigarros alemães (devidamente “confiscados” antes de serem entregues às autoridades federais). A notícia logo chegou aos ouvidos de J. Edgar Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, que pôs em prática a maior caçada da história da organização até então.

Exército de Brancaleone

Neste meio-tempo, Dasch e os espiões já estavam envoltos no  burburinho de Nova York, preparando-se para colocar seu plano em prática. Com 84 mil dólares para gastar na “missão”, eles desfrutavam dos melhores hotéis, restaurantes e prostíbulos da Big Apple. Os que tinham parentes na cidade correram para reecontrá-los. O que as autoridades nazistas não sabiam era que o pescador-espião não tinha a menor simpatia pelo Nazismo, muito menos qualquer intenção de causar danos aos Estados Unidos.

Depois de alguma hesitação, Dasch chamou o mais disciplinado do grupo, Ernst Burger, para uma reunião em seu quarto. Abrindo a janela, ele disse: “Vamos ter uma conversa. E, se discordarmos, somente um de nós vai sair pela porta desse quarto – o outro vai sair por essa janela”. Burger, que tinha passado meses num campo de concentração nazista, sorriu.

Os responsáveis por enviar este exército de Brancaleone para Nova York, no entanto, tinham conseguido deixá-los com uma pulga atrás da orelha, dizendo que o FBI estava repleto de agentes nazistas infiltrados. Como fariam para se entregar? Depois de diversas tentativas de fazer ligações anônimas, que foram tratadas como trotes, Dasch resolveu entrar diretamente nos escritórios do FBI em Washington, D.C., carregando uma mala. Ele pediu para ver Hoover. Depois de ser passado de um burocrata para outro, se cansou e resolveu abrir a mala, mostrando os 84 mil dólares e conquistando rapidamente a atenção de funcionários mais importantes.

Obviamente, Hoover não hesitou em tomar para si os créditos da descoberta e, depois de algemar e jogar numa cela Dasch e todos os seus comparsas, dar uma entrevista na qual descreveu o trabalho do FBI como “a investigação do século”. O presidente Roosevelt recebeu um relatório que dizia que Dasch tinha sido preso em Nova York (e não em Washington). Teve início, então, um movimento nacional pedindo a cabeça dos espiões. Um jornal chegou a pedir que os envolvidos fossem entregues para serem devorados por Gargantua, o gorila do célebre circo dos Ringling Brothers.

Um tribunal militar, o primeiro desde a Guerra Civil americana, foi composto para o caso. Ele era formado por sete generais, sem júri, imprensa ou qualquer possibilidade de recurso. Os oito foram rapidamente condenados à morte. Seis deles foram direto para a cadeira elétrica (em ordem alfabética), enquanto Dasch, que tinha sonhos de ser recebido como um herói americano e ostentar até uma condecoração, teve sua sentença alterada para 30 anos de trabalhos forçados pelo presidente Roosevelt, que acabou se inteirando dos verdadeiros pormenores do ocorrido. A pena de Burger foi revertida em prisão perpétua.

Ao receber a notícia, Hitler ficou furioso, vendo seu pior pesadelo se tornar realidade. Ele se recusou a enviar qualquer outro de seus preciosos submarinos para missões de sabotagem em solo americano. Não sem antes punir os responsáveis por terem acreditado que enviar alemães com vínculos nos Estados Unidos para sabotar justamente aquele país era uma boa ideia. Dasch e Burger acabaram sendo soltos depois de seis anos presos, e foram deportados para a Alemanha, onde foram recebidos como traidores.

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