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Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, foi a primeira atleta transexual da história dos Jogos Olímpicos.
Laurel Hubbard, da Nova Zelândia, foi a primeira atleta transexual da história dos Jogos Olímpicos.| Foto: EFE/EPA/Michael Reynolds

A inclusão está sendo repensada no esporte feminino. Três entidades mudaram suas políticas a respeito de atletas trans — que fazem tratamentos para mudar sua expressão de sexo da masculina para a feminina. A União Ciclística Internacional (UCI), com base em novos estudos, reduziu à metade o nível aceitável de testosterona no sangue das atletas e dobrou para 24 meses o período de tratamento de transição mínimo nas atletas trans. A Federação Internacional de Natação (Fina), que também regula polo aquático, nado sincronizado e salto ornamental, aprovou em assembleia geral, com maioria de mais de 70%, uma política similar, com o mesmo critério de concentração de hormônio no sangue, mas aceitando somente transexuais que tenham feito tratamento antes dos 12 anos ou, alternativamente, antes do estágio Tanner 2 da puberdade, que marca os primeiros sinais de desenvolvimento de características sexuais como mamas e aparecimento dos primeiros pelos pubianos. Já a Liga Internacional de Rúgbi (IRL) bloqueou a participação das atletas trans em partidas mundiais do esporte por tempo indeterminado.

As decisões vêm na esteira de um acúmulo de casos de vitórias de atletas trans nas modalidades femininas. O caso mais proeminente foi o de Lia Thomas, que, isolada pelo próprio time, contou com vitórias na natação universitária americana. Em 2015, Tamikka Brents, uma lutadora das artes marciais mistas (MMA), teve o crânio fraturado pela adversária transexual Fallon Fox em uma luta concluída em menos de um minuto. Anos depois, Fox se gabou no Twitter: "Dei nocaute em duas. (...) Saiba que eu gostei". Admitiu, também, que fraturou o crânio de Brents. Ela apagou esses tweets e, em 2021, passou a enfatizar que fraturou o osso orbital de Brents, uma lesão que seria comum em MMA, e que isso não equivale a quebrar o crânio.

A situação de mulheres biológicas perdendo para transexuais no esporte feminino de uma forma que parece injusta chegou a ser satirizada pela comédia animada South Park. Nesta semana, organizações reguladoras como UCI, Fina e IRL passaram a considerar a possibilidade de as atletas transexuais terem vantagem para competir no esporte feminino e ajustar suas políticas em conformidade com a conclusão.

O vai e vem das políticas de inclusão reflete, além de tentativas de defesa de grupos historicamente discriminados, uma inclinação a acreditar em estudos isolados, muitas vezes com amostras pequenas demais, além de estudos de políticas esportivas que só repetiam o argumento da inclusão e mal tinham evidências empíricas com as quais trabalhar. Na ausência de estudos conclusivos, uma atitude especulativa, mas cuidadosa de consideração de plausibilidade biológica teria evitado o problema.

Por que chegou a este ponto?

Um problema é que a biologia não é muito bem-vinda nesse campo. O ambiente acadêmico que orbita a causa LGBT em grande parte esteve sob influência do dogma da tábula rasa, a ideia de que nós nascemos como folhas em branco, sem tendências, nem instintos, nem propensões genéticas. Antes, o radicalismo era só a respeito de diferenças psicológicas e de comportamento entre os sexos, que eram negadas. Com as concessões e vitórias incessantes desse ativismo com esse dogma, a negação das diferenças se estendeu às físicas.

A inclusão sem atenção às vantagens começou a perder o gás nas Olimpíadas de Tóquio. Depois de usar, desde 2015, o critério fisiológico de inclusão também utilizado antes pena Fina, o Comitê Olímpico Internacional (COI) admitiu em 2021 que o critério é “ultrapassado”.

Além dos níveis sanguíneos e dos 12 meses de tratamento, a diretriz anterior pedia às atletas trans uma “declaração solene” de que sua “identidade de gênero” é feminina. O COI dizia que “é necessário assegurar até onde é possível que atletas trans não sejam excluídas da oportunidade de participar em competições esportivas”, e que “o objetivo esportivo predominante é e se mantém a garantia da competição justa”. Mas havia um conflito inevitável entre a inclusão e a justiça competitiva.

O que as evidências dizem sobre diferenças atléticas entre sexos

O desenvolvimento sob influência de hormônios masculinos após a puberdade dá vantagens que dificilmente são perdidas com a transição hormonal feminilizante das atletas trans. A puberdade tem tamanha influência sobre a performance atlética que garotos de 14 e 15 anos recordistas superam as melhores marcas de mulheres que são atletas de elite.

Garotos adolescentes ganham de mulheres atletas profissionais.
Garotos adolescentes ganham de mulheres atletas profissionais.

Cerca de 6.500 genes se ativam de forma diferente entre homens e mulheres. Tidas como pequenas, as diferenças físicas entre sexos nas crianças pré-púberes poderiam motivar a competição mista nessa faixa etária. Porém, os meninos passam também por uma “minipuberdade” entre um e seis meses de idade que pode já lhes dar vantagens desde pequenos. De fato, aos nove anos, meninos já são 10% mais rápidos que meninas em corridas curtas.

A grande arquiteta das diferenças adquiridas mais tarde é a testosterona. Ela é 20 vezes mais alta no sangue dos meninos que no das meninas durante a puberdade, e 15 vezes mais alta em homens de qualquer idade comparados às mulheres de qualquer idade. As diferenças dificilmente são explicáveis pela cultura. Desde os anos 1990, as diferenças físicas se mantêm estáveis apesar de muitos incentivos ao esporte feminino para fechar a diferença entre os sexos.

Há presumivelmente algumas habilidades esportivas em que as mulheres superam os homens, mas, quando se trata de força, estâmina e outros atributos físicos, os organismos que passaram por uma puberdade masculinizante têm mais vantagens. Eis algumas:

Nos músculos: organismos masculinos têm em média doze quilos a mais de músculos esqueléticos que os femininos. A massa muscular masculina, além de maior, é mais densa, e o tecido conjuntivo é mais rígido. A diferença é maior acima da cintura (40%) que abaixo, mas ainda é substancial nas pernas (33%). Todos perdem massa muscular com a idade, especialmente após os 50 anos, mas a maior parte dessa perda é na parte inferior do corpo, não na superior, onde homens e mulheres diferem mais. Músculos em organismos femininos podem apresentar maior resistência à fadiga ao exercer força moderada, mas isso se restringe a alguns grupos musculares e desaparece quando é preciso exercer força máxima.

Para entender o quanto os homens são mais fortes que as mulheres, tomemos uma amostra de mais de 7 mil americanos: 89% dos homens têm mais força no aperto de mão que as mulheres. A força do aperto de mão está positivamente correlacionada à dos outros músculos do corpo, especialmente acima da cintura. Com base nela, podemos afirmar que a maioria dos homens é mais forte que a maioria das mulheres, e a diferença se estabelece logo após a puberdade, como se pode ver no gráfico.

Nos ossos: não é segredo para ninguém que homens são em média mais altos que mulheres, e que a maior altura por si só já é vantagem em esportes como basquete e vôlei. Nenhuma atleta trans que teve puberdade masculinizante perderá altura com a transição hormonal feminilizante. Mas as vantagens ósseas não se restringem à altura: os movimentos causados pelas diferenças ósseas podem botar as mulheres biológicas em desvantagem: por causa dos ângulos de inserção dos fêmures na pélvis, elas podem ter mais risco de lesão ao fazer agachamentos. As diferenças de sexo no esqueleto são tão pronunciadas que cientistas forenses já conseguem prever com 86% de precisão o sexo do organismo inteiro a partir de uma pequena área triangular numa das pontas do fêmur.

Pulmões: no sexo masculino os pulmões têm capacidade de inspirar mais ar que no sexo feminino, mesmo controlando para o efeito da altura. Oxigenar o sangue é uma característica vital em qualquer esporte, o que faz dessa diferença importante. Homens têm também maior volume de sangue e maior concentração de hemoglobina, traqueia mais larga, coração maior, sendo mais eficientes em oxigenar seus músculos.

Dor: homens e mulheres têm capacidade similar de suportar dores de alguns tipos (como a causada por bloqueio de circulação sanguínea), mas elas têm menor tolerância à dor causada pelo frio, pelo calor e pela aplicação de pressão. São as conclusões de uma revisão de dez anos de pesquisa e 172 estudos. Como atletas sabem, no pain no gain (sem dor, sem ganho). Se uma pessoa desenvolvida sob influência hormonal masculinizante é mais tolerante a certos tipos de dor, tem vantagem no treinamento e na competição.

Todas essas evidências servem para fazer a inferência segura que as atletas trans têm vantagem física no esporte feminino por terem passado pela minipuberdade quando bebês e, na maioria dos casos, também pela puberdade masculinizante propriamente dita. É improvável que a transição hormonal, especialmente a mais tardia, mude todas essas características e ponha todas as atletas trans dentro da variação das outras atletas. Certas características adquiridas pelo organismo exposto a hormônios masculinizantes são organicamente irreversíveis, como o engrossamento da voz e o crescimento de barba. É difícil que todas as vantagens físicas relevantes para o esporte, especialmente envolvendo tecidos que não são completamente renováveis, sumam por causa do tratamento. Examinando transexuais que fizeram tratamento hormonal contra os efeitos da testosterona por um ano, observou-se uma redução de apenas 5% em massa magra, área muscular e força.

Qual é o tamanho das vantagens masculinas, nos esportes?

  • Remo, natação, corrida: 10-13%.
  • Ciclismo, salto, futebol, tênis, golfe, handebol e salto com vara: 16-22%.
  • Críquete, vôlei, long drive, levantamento de peso: 29-34%.
  • Beisebol e hóquei: acima de 50%.

Vantagens permanentes?

Grande parte ou a maioria das crianças que manifestam disforia de gênero, um sofrimento psicológico de dissociação entre o sexo do corpo e o sexo da autopercepção, não tem na transição hormonal (ou cirurgias) o melhor tratamento para sua condição. A Associação Psicológica Americana calcula essa maioria entre 50 e 88%. Com o tempo, a disforia costuma se resolver nelas.

Os motivos da manifestação da disforia são desconhecidos, mas é informativo que há uma proporção maior de homossexualidade entre essas pessoas que manifestam disforia, mas não transicionam, que na população em geral. Para uma parte das pessoas que manifestam disforia, evidentemente, a transição hormonal para a identidade sexual de sua preferência é um tratamento salutar. No entanto, por causa desses números, além de motivos relacionados à capacidade de consentir e responder por si que não atribuímos moral/legalmente às crianças, é bem raro que uma atleta transexual não tenha passado pela puberdade masculinizante, que é o evento central no desenvolvimento que confere as vantagens discutidas aqui.

Em fevereiro de 2021, Joanna Harper, da Faculdade de Esporte, Exercício e Ciências da Saúde da Universidade Loughborough, no Reino Unido, publicou com colaboradores uma revisão de 24 estudos sobre os efeitos da transição hormonal nas atletas transexuais. Os cientistas consideraram quatro fatores intimamente ligados à performance atlética: massa magra, área muscular transversal, força muscular e hemoglobina. Os níveis das quatro medidas baixam com a transição hormonal.

No caso da hemoglobina, baixa aos níveis das mulheres biológicas após quatro meses do tratamento hormonal, que bloqueia a testosterona e eleva estradiol. Porém, as medidas musculares e a massa magra, embora também baixem, permanecem acima dos níveis das mulheres biológicas até 36 meses depois do início do tratamento. Essa conclusão sugere que até a nova diretriz da União Ciclística Internacional, que exige 24 meses mínimos de tratamento das atletas trans, pode continuar levando a competições em que as mulheres biológicas têm desvantagem.

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