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A ascensão da crítica populista ao status quo em nosso tempo tem múltiplas razões – algumas enraizadas em frustração cultural e desilusão com o sonho americano, outras em frustração com as escolhas de políticas que tornaram a percepção de suas vidas menos próspera e menos segura.

Abordar um problema requer a admissão de um problema. Minha posição é que apontar que essas percepções podem não ser a realidade talvez não seja a resposta mais produtiva, embora sejam fatos importantes de compreender corretamente. Se problemas existem, nós devemos procurar pelas razões institucionais. Problemas institucionais demandam soluções institucionais e a política econômica liberal tem soluções institucionais a oferecer. 

O problema com o establishment no Ocidente democrático é que a resposta para as mazelas sociais por mais de um século tem sido mais programas governamentais e, principalmente, mais programas governamentais administrados por uma elite treinada da política que era amplamente imune a um feedback democrático das próprias populações aos quais esses programas eram destinados. 

Vincent Ostrom, em The Intellectual Crisis of American Public Administration (A crise intelectual da administração pública Americana, livro de 1973 sem edição em português), detalhou a transformação de uma administração democrática para uma burocrática durante a Era Progressista. Com esta mudança filosófica básica também veio uma mudança institucional em que a Era Progressista não apenas viu o aumento do estado regulatório, mas também o aumento do estado administrativo, e em particular agências regulatórias independentes com especialistas treinados no comando. Recentemente, David Levy e Sandra Pert argumentam que essa demanda e, mais do que isso, essa reivindicação por um regime de especialistas resultou em um argumento para Escape from Democracy (Fuga da democracia, de 2017, sem edição em português). 

As consequências, conforme Hayek identificou em seu discurso do Prêmio Nobel e discutido anteriormente neste texto, foram significantes para a autocompreensão da economia política, e as questões práticas de políticas públicas e performance econômica. 

A retórica populista 

Infelizmente, a crítica da ordem liberal que os progressistas venderam para justificar a mudança da administração democrática para a administração burocrática foi tratada pelos intelectuais como independente e, como tal, aceitável, mesmo que a solução proposta de um governo de especialistas fosse decepcionante. 

O sistema capitalista era responsável pela instabilidade através das oscilações industriais, pela ineficiência através do monopólio e outras falhas do mercado, e pela injustiça através da desigualdade de salários e vantagens desleais devido à acumulação de riquezas. 

No nacionalismo econômico populista – tanto para a direita quando para a esquerda – apenas a intervenção governamental pode servir como o corretivo necessário. 

Assim, hoje nós nos encontramos em uma estranha posição onde os populistas estão criticando o regime de especialistas, mas acreditam naquilo que os especialistas lhes disseram que foi o problema que assolou a sociedade e resultou em sua desilusão com a promessa de progresso. 

A retórica populista argumenta que trabalhadores industriais são substituídos por máquinas e por trabalho estrangeiro de menor custo seja com empresas realocadas em outros países ou com imigrantes competindo com esses trabalhadores no mercado doméstico de trabalho. E, não apenas esses imigrantes de fato baixam o seu padrão de vida; uma parcela deles, conforme nos é dito, são criminosos e terroristas que ameaçam sua própria segurança e a segurança daqueles que amam. 

A retórica populista argumenta que a classe média e a classe trabalhadora tiveram que sofrer com a especulação irracional de banqueiros de investimento que destruíram os meios de subsistência, os lares e as comunidades de cidadãos comuns. O mundo como o conhecemos, eles dizem de todos os cantos, é um mundo que privilegia poucos, onde o monopólio dita os preços que eles têm que pagar e o poder monopsônico limita os salários que eles podem esperar do mercado. 

No nacionalismo econômico populista – tanto para a esquerda quando para a direita – apenas a intervenção governamental pode servir como o corretivo necessário, nós devemos restringir a livre circulação de capital e trabalho, nós devemos conter o poder dos monopólios e forçosamente aumentar os salários. Ainda assim, os populistas criticam o establishment nas políticas públicas enquanto defendem um aumento no papel do governo e de suas agências para conter os males sociais da instabilidade, ineficiência e desigualdade. 

Há uma contradição fundamental na crítica populista do sistema, tanto da esquerda quanto da direita, que é a de que o governo está falhando com eles, mas que está falhando conforme cresce em escala e alcance de atividades. Contudo, precisamente porque está falhando, ele deve crescer em escala e alcance para dar atenção à falha. Governos em todos os lugares do Ocidente democrático cresceram insuflados e se desviaram de forma significativa de quaisquer princípios constitucionais de restrição. 

Tenha cautela com o crescimento do governo 

A crítica da elite progressista sobre o capitalismo era baseada em um medo da capacidade predatória e sem impedimentos de atores privados poderosos, mas para refrear a predação privada eles recorreram a uma autoridade pública poderosa e centralizada. Ao fazer isso, viabilizaram a possibilidade de uma predação pública de larga escala. Mas, embora possa ser reconhecido em momentos diferentes que os problemas sociais que flagelam a sociedade se manifestam na dívida pública e na inflação, eles estão menos ligados ao excesso de regulação, excesso de criminalização, excesso de militarização, etc, que são outras manifestações de uma escala em constante expansão e alcance de autoridade governamental nas vidas dos cidadãos no mundo democrático. 

A verdade é que os males sociais enfrentados ao redor do mundo podem ter suas origens traçadas no crescimento do governo, o que leva à erosão de uma sociedade de contratos e à ascensão de uma sociedade de conexões, acarretando no enredamento de governo, negócios e sociedade. 

Nós temos políticas que não promovem a competição, mas ao invés disso protegem indivíduos e grupos privilegiados das pressões da competição. Nós temos instituições financeiras que foram capazes de privatizar seus lucros enquanto socializavam suas perdas. Nós temos governos (e seus agentes de serviço) desde o nível local até o federal que enfrentam restrições orçamentárias extremamente suaves em decisões fiscais precisamente porque o sistema monetário coloca restrições que vão de fracas a inexistentes. 

O governo ultrapassa e excede em tudo e em todos os lugares para que os bolsos do liberalismo forneçam uma crescente liberdade em algumas margens, enquanto “a estrada para a servidão” é literalmente manifestada em outras margens, como os encarceramentos em massa nos Estados Unidos e as predisposições evidentes no sistema de justiça criminal. De novo, o governo falha porque cresce, e cresce porque falha. 

A reconstrução do projeto liberal deve começar com o reconhecimento dos problemas que assolam as sociedades da Europa, dos Estados Unidos, América Latina e Ásia. Sob a influência de uma elite progressista, os países democráticos pediram demais dos governos e no processo lotaram a sociedade civil e restringiram a sociedade de mercado. Uma resposta deve ser encontrada em mecanismos para restringir mais uma vez as capacidades predatórias do setor público e desencadear o empreendedorismo criativo do setor privado. 

No debate, isso pode ser alcançado em algum nível ao convencer aqueles na elite progressista assim como aqueles na esquerda e direita populista que para engajarem-se em rigorosa análise institucional comparativa nós devemos reconhecer que estamos lidando não apenas com empreendedores transgressores, mas também com burocratas desastrados. As principais diferenças institucionais são que os empreendedores transgressores pagam um preço por suas falhas e, assim, ou eles se adaptam em resposta ou algum outro empreendedor entra em cena para tomar a decisão certa. 

Realmente não há uma analogia direta que diga respeito aos burocratas desastrados – uma vez desastrados, eles continuam a sê-lo. A atividade do setor público parece apenas repetir os mesmos erros diversas vezes, ainda que com a expectativa de diferentes resultados. Não há muito aprendizado nisso, pelo menos não muito se se quer alcançar o objetivo final de melhorar ou erradicar os males sociais. Isso é mais evidente em nossas questões militares, mas também em outras metáforas de “guerra” utilizadas desde “guerra à pobreza” até a “guerra às drogas” e a “guerra ao terror”. É realmente o caso de que a “guerra é a saúde do estado”, mas estas “guerras” definitivamente não são um reflexo do verdadeiro radicalismo liberal¹. Militarismo, mesmo em uma metáfora, está em contradição com o liberalismo. 

 

Nota de rodapé

  • 1. Entre economistas políticos liberais contemporâneos, o trabalho de Christopher Coyne em questões militares é, em minha opinião, o mais elucidativo. Veja Coyne, After War (2008); Doing bad by doing good (2013); e Coyne e Hall, Tyranny comes home (no prelo). Excerto de um artigo preparado para a reunião especial da Sociedade Mont Pelerin em Estocolmo, Suécia, entre 3 e 5 de novembro de 2017.

Peter Boettke é professor de Economia e Filosofia da Universidade George Mason e diretor do Programa F.A. Hayek para Estudos Avançados em Filosofia, Política e Economia no Mercatus Center.

Conteúdo publicado originalmente no site da Foundation for Economic Education. Republicado em português com autorização. 

Tradução de Maíra Santos
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