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Retrato do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, militar, (Marechal Deodoro, Alagoas, 1827 - Rio de Janeiro, 1892). Político brasileiro, primeiro Presidente da República, assumiu o cargo provisoriamente em 15 de novembro de 1889. | Arquivo JS
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Retrato do Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, militar, (Marechal Deodoro, Alagoas, 1827 - Rio de Janeiro, 1892). Político brasileiro, primeiro Presidente da República, assumiu o cargo provisoriamente em 15 de novembro de 1889.| Foto: Arquivo JS Arquivo JS

As fake news não surgiram com a internet. As notícias manipuladas agora podem viajar mais rápido e alcançar mais pessoas, de lugares mais distantes, mas quem frequentava a Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, no dia 14 de novembro de 1889, já sabia: a monarquia estava com os dias contados. As informações desencontradas que ajudaram a apear Dom Pedro II do poder no dia seguinte circulavam livremente, e era dificílimo diferenciar fatos de boatos. 

O resultado final é conhecido e motivo de feriado: no dia 15, o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República. Dias depois, a família real embarcou no navio Alagoas em direção a Lisboa. Dom Pedro II nunca mais veria o Brasil. Nem sua esposa, Teresa, que morreria dias depois de chegar à Europa, ou sua filha, a princesa Isabel. É possível que nada disso tivesse acontecido, pelo menos não tão rápido, se não fossem as fake news que circularam na Rua do Ouvidor. Ao lado das ruas Direita e da Quitanda, ela formava o centro da cidade, onde estavam os cafés, as alfaiatarias, as floriculturas, as livrarias e os teatros. 

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No livro “1889 – Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”, o jornalista Laurentino Gomes explica essa história. Um de seus principais personagens foi o major gaúcho Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro, futuro sogro do escritor Euclides da Cunha. Ele teria um papel decisivo na Proclamação da República, apesar de no passado ter recebido, das mãos do imperador Dom Pedro II, uma espada de ouro em homenagem a seu desempenho como combatente na Guerra do Paraguai. 

“Os rumores eram plantados de forma proposital na rua do Ouvidor – definida pelo historiador Anfriso Fialho como ‘coração e ouvidos do Rio de Janeiro’ – por uma das lideranças do golpe em andamento, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro”, Laurentino descreve em seu livro. “Seu objetivo era, obviamente, acirrar os ânimos contra o governo. Naquela tarde, antes de sair de casa rumo ao centro da cidade, Sólon Ribeiro vestira calça e paletó marrons, chapéu de feltro preto, óculos de aros azuis. Acreditava que, com essa indumentária civil, a ação seria mais bem-sucedida do que se aparecesse usando a costumeira farda militar. E, de fato, foi o que aconteceu. Da rua do Ouvidor o boato rapidamente chegou aos quartéis e colocou em andamento a máquina da revolução”. 

Boatos maldosos 

Mas qual era, afinal, a ação a que o major Frederico se prestara a realizar? Ele andou pela rua mais influente do Brasil na época, na tarde de 14 de novembro, decidido a espalhar uma notícia: por ordem do primeiro-ministro Visconde de Ouro Preto, o marechal Deodoro da Fonseca, que estava doente em casa, vítima de crises de falta de ar, havia sido preso, assim como Benjamin Constant, um pacifista que havia lutado na Guerra do Paraguai e era uma das principais lideranças republicanas do país. Além disso, o imperador teria enviado tropas para o interior, para afastar o Exército do Rio de Janeiro e assim evitar a sublevação na capital. 

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A intenção do boato era indispor os militares contra o imperador e lançá-los a favor do cada vez mais influente movimento republicano. Era tudo mentira: nem Deodoro, nem Benjamin haviam sido detidos, e muito menos tropas haviam sido deslocadas. Mas a informação circulou rápido, pelas pessoas que importavam: fazia décadas que a Rua do Ouvidor, que o major Frederico havia utilizado para espalhar os boatos, era passagem obrigatória para qualquer pessoa que quisesse saber o que estava acontecendo entre a elite política do país. A notícia não chegou em segundos aos confins do país, com acontece hoje com as fake news de WhatsApp, mas precisou de poucas horas para alcançar as pessoas que realmente importavam. 

Logo na madrugada do dia 15, Deodoro, um marechal monarquista que contava com grande respeito das forças armadas, foi informado dos supostos planos de prendê-lo. Na manhã do dia 15, ele atravessou o Campo de Santana, o mesmo local onde Dom Pedro I havia sido proclamado imperador. Ali ficavam o Senado e a Casa da Moeda, mas também o Comando do Exército, onde um grupo de aproximadamente 400 militares republicanos se mantinha de prontidão. Ali Deodoro montou em um cavalo baio que lhe deram, tirou o chapéu e voltou para casa. Há controvérsias sobre a informação de que ele teria gritado “Viva a República!”, ou apenas prometido conseguir do imperador a destituição do gabinete de ministros. As tropas prosseguiram em direção ao Paço Imperial. 

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O presidente do gabinete de ministros da monarquia, o Visconde de Ouro Preto, foi preso. Uma única pessoa ficou ferida, mas sobreviveu: o Barão de Ladário, que tomou um tiro por resistir à ordem de prisão. Na tarde do mesmo dia, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro recebeu um grupo de oficiais e lideranças civis republicanas que, mais uma vez, proclamou a República. 

Horas depois, era elaborado o texto oficial da proclamação, para ser impresso pelos jornais republicanos e distribuído para a população. O decreto iniciava com: “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da Nação Brasileira — A República Federativa”. O “provisoriamente” estava ali porque o texto previa a realização de um plebiscito, para consultar a população sobre a mudança de regime. Esse plebiscito, previsto em 1889, só seria realizado em 1993. 

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Enquanto isso, Dom Pedro II se deslocava de sua residência em Petrópolis. Ele chegaria ao Rio de Janeiro no começo da tarde. Era uma sexta-feira, mas, por via das dúvidas, o comércio havia baixado as portas. Na mesma noite, Deodoro foi proclamado presidente da República. Ficaria no cargo até 1891 e morreria no ano seguinte. 

Filha famosa 

Quem procurou o imperador para avisar do fim da monarquia foi, novamente, o major Frederico Sólon de Sampaio Ribeiro. Desta vez, a notícia era verdadeira: Dom Pedro II, que imaginava que o movimento militar simplesmente queria a troca do gabinete de ministros, não era mais imperador e precisava deixar o país onde nascera, em 1825. Apenas em 1920 a família imperial seria autorizada a botar os pés no Brasil novamente. 

Quanto ao major Frederico, ele seria agraciado pelos serviços prestados, ainda que tenha sido enviado para postos distantes da capital. Primeiro foi nomeado governador de Mato Grosso, apenas entre fevereiro e abril de 1891, depois se tornaria deputado federal e inspetor do Tribunal de Guerra no Pará. Morreria em 1900. 

Sua filha, Ana Emília Ribeiro, casada desde 1890 com Euclides da Cunha, o autor de Os Sertões, se envolveu em um relacionamento com o militar Dilermando de Assis, 17 anos mais novo. Ana se casaria com Dilermando em 1909, depois de ele superar Euclides num duelo que provocou a morte do jornalista. Ana e Dilermando permaneceram casados por 14 anos. Já separados, morreram no mesmo ano: 1951, ela com 78 anos, ele aos 63. Dilermando chegaria ao posto de general. 

O povo concordou com a proclamação da República? O jornalista Aristides Lobo, testemunha dos acontecimentos daqueles dias, responderia em um artigo: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.

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