• Carregando...
Dilma Rousseff
Dilma Rousseff, ex-presidente da República, em encontro no Rio de Janeiro em março de 2022. Seu programa “Ciência Sem Fronteiras” não atingiu os objetivos e foi pouco planejado, concluiu novo estudo.| Foto: EFE/André Coelho

O programa Ciência Sem Fronteiras (CSF), lançado em 2011 pelo governo Dilma Rousseff, do PT, para levar estudantes brasileiros ao exterior, foi um fracasso com custo de US$ 2,72 bilhões (R$ 14,23 bilhões na cotação atual). É a principal conclusão de um artigo preliminar publicado em um site da Universidade das Nações Unidas, que por sua vez tem por base a tese de doutorado do primeiro autor, o economista Otavio Conceição, da Fundação Getúlio Vargas. Os contemplados com a bolsa no exterior mostraram-se menos propensos a virar cientistas que os colegas que não participaram do programa.

O programa de bolsas de estudos e intercâmbio tinha como metas declaradas promover a internacionalização da ciência brasileira, incentivar pesquisa inovadora e aumentar a competitividade das empresas nacionais. Uma expressiva maioria de 79% das bolsas foi concedida a estudantes de graduação (mais de 73 mil bolsas). Conceição e colegas mostram que as metas não foram atingidas em três frentes: descontinuidade dos estudos na pós-graduação no Brasil, baixa inserção no mercado como funcionários, e baixa iniciativa como novos empreendedores.

Os destinos mais populares dos estudantes foram universidades nos Estados Unidos, Portugal, Reino Unido, Espanha e Canadá, entre 22 países ao todo. Houve uma forte participação das engenharias, medicina, biologia e agronomia. Até um programa paralelo de ensino de línguas foi criado, devido à escassez de estudantes bilíngues. A média de gasto por estudante foi de US$ 27.200 (R$ 142 mil), mais de cinco vezes o custo anual de um estudante de universidade pública.

Fracasso triplo

O artigo mostrou que os ex-participantes do CSF são menos inclinados a continuar os estudos na pós-graduação em relação aos estudantes que não foram aprovados para o programa. É uma diferença de 12,5% em até três anos após a chamada, e de 7,1% entre quatro e seis anos. Em períodos mais longos, não há diferença, o que ainda é uma falha, pois significa que o CSF não teve a capacidade de incentivar os alunos a continuar os estudos após o bacharelado, caminho típico da formação de cientistas.

Os ex-bolsistas de intercâmbio, que ganharam bolsa com duração entre 12 e 36 meses, no longo prazo também mostraram menor chance que os outros estudantes de serem inseridos em um emprego formal. O programa “não teve sucesso em aumentar a presença dos estudantes aprovados no mercado de trabalho formal”, comentam os autores. A relação foi negativa: participar do CSF reduz em cerca de 5% a chance de um estudante estar empregado sete ou oito anos após entrar no programa. É o oposto do prometido no lançamento.

Estudar no exterior também não aumentou a vontade de empreender: entre sete e oito anos desde a chamada, os ex-participantes mostraram 4% menos chance que os outros de fundarem uma empresa ou participarem de uma como sócios.

Os pesquisadores incluíram em sua amostra mais de 19 mil estudantes que participaram do CSF, o que representa 14% do número total de contemplados entre os estudantes de graduação, que foram o foco da análise. A maioria deles se inscreveu no programa em 2013 ou 2014. Esses estudantes se inscreveram no programa enquanto estavam em 13 universidades incluídas no estudo — 63 foram consultadas, mas só essas retornaram. Contudo, somente a Universidade Federal da Bahia (UFBA) registrou dados de obtenção de diploma de graduação pelos participantes.

O subgrupo da UFBA é de 2.044 estudantes, e inclui o período até o segundo semestre de 2021. A partir dessa amostra mais limitada, Conceição e seus colegas concluíram que os participantes do CSF apresentaram um aumento de 18,5% na probabilidade de obter o diploma, porém, comparados aos outros, tinham uma chance 23,1% menor de fazer isso no prazo normal — eles demoravam mais. Esse atraso pode explicar parte dos resultados negativos em continuidade dos estudos para pós-graduação, inserção no mercado de trabalho ou na vida empresarial.

Os resultados negativos foram ainda mais pronunciados para este subgrupo: entre os bolsistas da UFBA, a redução na chance de obter emprego quatro a seis anos após entrar no CSF foi de 26,4%, um efeito que os autores chamam de “forte”. Contudo, ao contrário do resultado geral para todas as universidades, neste caso houve um aumento de 13,8% na chance de fundar um negócio após o mesmo período, um dos poucos resultados positivos observados — pode ser um efeito de proliferação de microempreendedores individuais (MEI).

Os autores comentam, também, que outros estudos mostram que estudantes chilenos e finlandeses que acumularam experiência de trabalho enquanto estudavam têm resultados melhores após se formar. A experiência de trabalho é um indicador de que alunos obtiveram habilidades práticas, além das teóricas. O CSF exacerbou um hábito brasileiro de uma porção substancial dos estudantes de não dedicar tempo concomitante aos estudos para o trabalho formal. Também lembram que no mesmo governo o Brasil enfrentou a pior crise econômica em três décadas, seguida por uma pandemia, fatores que dificultaram a absorção desses alunos no mercado de trabalho e na academia, em que houve cortes de verbas entre os governos Dilma, Temer e Bolsonaro.

Houve fuga de cérebros?

Os pesquisadores acreditam que não, pois o CSF obrigava os estudantes a voltar ao Brasil e ficar no país por um tempo equivalente ao tempo passado no exterior. Além disso, o caso geral dos países desenvolvidos é dificultar obtenção de visto com permissão de trabalho e residência para os brasileiros. Registros de presença de 65% dos mais de 19 mil estudantes no país foram encontrados na análise.

Os restantes, especulam os autores, podem não necessariamente estar fora do país, mas desempregados, em emprego informal, procurando por um emprego, estudando (20% da amostra da Bahia ainda não havia se formado até o fim de 2021) — ou começaram um negócio após julho de 2021 ou entraram num programa de pós-graduação depois de 2020 (datas limites do estudo).

O governo Dilma Rousseff tinha como meta a concessão de 100 mil bolsas no programa Ciência Sem Fronteiras até 2015, ou seja, em apenas quatro anos desde o seu início. O número foi citado em campanha. Com o prazo apertando em 2014, foram concedidas quase 45 mil bolsas para graduandos somente naquele ano. Para atingir o número, outros programas foram absorvidos pelo CSF, como a antiga parceria para pós-graduação entre a Universidade de Cambridge e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, órgão do Ministério da Educação que mais concedeu as bolsas).

Além de Otavio Conceição, também participaram da análise Rodrigo Oliveira, do Instituto Mundial de Pesquisa em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-WIDER), na Finlândia; e André Portela Souza, da FGV. “Apesar dos resultados negativos”, concluem os autores, “acreditamos que programas de estudos no exterior podem ser boas políticas e têm o potencial de melhorar o nível nacional de capital humano. No entanto, esses programas precisam ser projetados e implementados com cuidado”.

Eles elencam outros problemas com o CSF: “o foco nos estudantes de graduação [em vez de pós-graduação] não é apoiado por evidências internacionais ou experiências bem-sucedidas” nesse tipo de política. Eles citam referências que mostram que o programa “foi criado e implementado abruptamente com muito pouco planejamento”.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]