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Católicos da Nicarágua celebrando as festividades de São Jerônimo, no ano passado, sem sair em procissão nas ruas, por causa da perseguição do regime de Daniel Ortega à Igreja Católica
Católicos da Nicarágua celebrando as festividades de São Jerônimo, no ano passado, sem sair em procissão nas ruas, por causa da perseguição do regime de Daniel Ortega à Igreja Católica| Foto: EFE/ Stringer

O número total de católicos cresceu no mundo, acompanhando a média populacional, mas a porcentagem de fiéis caiu ligeiramente no período de um ano. É o que mostra o novo "Anuário Estatístico da Igreja", publicado na última semana pela Agência Fides, com dados atualizados até 31 de dezembro de 2021. Na média dos continentes, sacerdotes, bispos e religiosos também aparecem em menor quantidade agora. Por outro lado, o catolicismo está aumentando na África e na Ásia, os dois continentes onde há mais perseguição religiosa aos cristãos.

Segundo o levantamento, há 1,37 bilhão de católicos no planeta (16 milhões a mais do que em 2020), o que representa 17,67% da população mundial (0,06% a menos do que no ano anterior). O maior aumento ocorreu na África (+8,3 milhões), seguida pela América (+6,6 milhões), Ásia (+1,48 milhão) e Oceania (+55 mil). Na Europa, houve uma queda de 244 mil católicos, proporcional à queda populacional de 224 mil pessoas.

Os pastores do rebanho também estão em menor quantidade na média mundial. No total, a Igreja Católica conta com 5.340 bispos (23 a menos que no ano anterior), 407.872 padres (-2.347), 49.774 religiosos (-795) e 608.958 religiosas (-10.588). Enquanto a Europa perdeu 3.632 sacerdotes e um ano e a América outros 963, a África ganhou 1.518 e a Ásia, 719. Estes dois continentes também tiveram um incremento em religiosos, com 205 e 25 a mais respectivamente, e em religiosas. Enquanto a presença de mulheres consagradas à vida religiosa encolheu significativamente na Europa (-7.804) e na América (-5.185), cresceu na África (+2.275) e na Ásia (+187).

Os diáconos permanentes, por outro lado, cresceram em todas as localidades e agora totalizam 49.176. Enquanto isso, os catequistas diminuíram de maneira expressiva nos continentes (o recorde foi a América, com uma baixa de 9,4 mil), exceto nos dois com maior perseguição religiosa (são 4,5 mil novos catequistas africanos e 2,7 mil asiáticos). Já o número de seminaristas maiores [que já terminaram o ensino médio e estão aptos a cursar Filosofia e Teologia] caiu em todos os continentes, exceto na África (+187), totalizando quase dois mil a menos que no ano anterior.

Um mapa da perseguição aos cristãos, elaborado pela organização Portas Abertas, mostra que a classificação “extrema” e “severa” predomina em países da África e Ásia. Dados da entidade relativos a um período próximo ao do Anuário da Fides (outubro de 2020 a setembro de 2021) mostravam 360 milhões de cristãos vivendo em nações com altos níveis de fiscalização ou discriminação. Isso equivale a 1 em cada 7 cristãos no mundo, a 1 em cada 5 na África, 2 em cada 5 na Ásia e um em cada 15 na América Latina. Dos 50 países com maior perseguição naquele ano, 18 países ficavam na África; 29, na Ásia; 10, no Oriente Médio; 4, na Ásia Central e 3, na América Latina.

Famílias são esteio espiritual

Autor do livro ‘O Enigma do Vaticano II’, o doutor em Filosofia Joathas Bello analisa que o crescimento numérico dos católicos advém do incremento populacional, com o movimento natural de pais batizarem os filhos, enquanto o decréscimo percentual de fiéis é fruto de uma falha no apostolado de evangelização, que “tem a ver com a própria visão da Igreja no último pontificado”. “Desde o Vaticano II, há essa tentativa de compor o diálogo inter-religioso com a missão mais clássica da Igreja, que é a conversão. Tanto João Paulo II como Bento XVI dão importância ao diálogo, mas privilegiam a missão clássica. Já Francisco, embora escreva internamente sobre temas doutrinais, tem um acento maior na missão diplomática, pacificadora, pacifista. Trata-se de um diálogo muito diplomático e pouco preambular à conversão, acredito que essa seja uma das causas do decaimento [proporcional de fiéis]”, aponta.

Para ele, esse também é o motivo do florescimento da Igreja na África. Ao contrário da Europa, cujos cardeais se abriram ao “joio progressista” do caminho sinodal alemão, “com pouco interesse na evangelização” e distorções “para agradar o mundo e o relativismo reinante nas ideologias”, ele aponta que os cardeais africanos “realmente ortodoxos e guardiões da doutrina, como o cardeal Sarah, que é um expoente do conservadorismo doutrinário” proporcionam o cenário para “um catolicismo ainda vibrante”. “Isso condiz com a situação de perseguição. O cristianismo cresce com o enfrentamento hostil fisicamente e não só moral, que acontece em todo o mundo. Esse caráter heroico, de ser perseguido e resistir, atrai”, afirma Bello.

O padre Rodrigo Hurtado, diretor do Instituto Católico de Liderança, de São Paulo, concorda que a fé católica se fortalece em ambientes de perseguição mais ferrenha, o que, para ele, impulsiona conversões na África e Ásia, enquanto na Europa e América o movimento é “mais de pai para filho”. “A vida calma é a maior ameaça contra a fé. Quando tudo está sob controle, não se precisa de Deus”, diz.

Apesar disso, ele crê em uma nova primavera da Igreja no Ocidente, por meio de “pequenos grupos de fiéis que vivem a fé com intensidade”. “Minha mensagem para os pais é: juntem-se com outros pais com os mesmos valores, criem grupos de famílias, em que seus filhos possam crescer e fazer bons amigos e não se deixar levar pelo consumismo. Para os padres: promovam grupos de famílias, pastorais familiares, criem grupos de casais, pequenas ilhas onde se possa viver os valores, a fé, assimilar e aprender tudo isso”, afirma o sacerdote.

Joathas Bello acrescenta que “hoje o esteio mais espiritual da Igreja são as famílias e os leigos comprometidos”. Nesse sentido, a geração de católicos tradicionais, “que seguem a doutrina quanto à castidade, à paternidade, tendo os filhos que Deus manda”, pode fazer a diferença “por causa da fecundidade espiritual e biológica”. “Esse acento no matrimônio não compensa as perdas das defecções sacerdotais e religiosas, já que o sacerdote é o exemplo de católico que todo mundo mira, mas, em médio e longo prazo, pode trazer novas vocações. É de lares católicos fiéis e coerentes que saem vocações maduras, porque a maturidade vem da boa formação familiar, do amor dos pais. A graça supõe a natureza”, diz.

“Reduções” fazem parte da História

Para o professor de História e coordenador do Laboratório de Humanidades da Unifesp, Rafael Ruiz, que é estudioso dos jesuítas, olhar a Igreja Católica do ponto de vista simplesmente numérico “parte de uma premissa muito empresarial e humana. “A Igreja não é uma rede de franquias, como McDonald’s ou Nescafé. E também não são os edifícios, nem os padres, nem os bispos, nem mesmo os fiéis assim ‘em número’. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. E de acordo com o texto dos Evangelhos, esse corpo sempre estará no tempo da História como aquela barca em que parecia que iam naufragar todos e a Igreja desapareceria com o primeiro Papa incluído se afogando...e a mão de Cristo os resgatou. É só olhar para a História. Sempre foi assim ao longo dos tempos.”

Além dessa perspectiva, ele acentua que a Igreja Católica não surgiu no Ocidente, mas no “Oriente Próximo” e “durante séculos, foi uma religião oriental e africana”. “Em muitos momentos da História, houve ‘reduções’ de número. Se levarmos em conta, os primeiros séculos, muitos morreram perseguidos e torturados, se olharmos para a Idade Média muitos nem sabiam ler, nem sabiam quase nada de nada da doutrina, se olharmos para a Modernidade, metade do cristianismo se dividiu com o papel de Lutero e, antes disso, também houve uma cisão com os orientais e a Igreja Ortodoxa. Isso por não falar em anti-Papas, Papas simultâneos e Papas sem a menor condição moral”, completa Ruiz, recordando um texto em que o Papa Bento XVI fala sobre o futuro da Igreja.

“Ele dizia mais ou menos que a Igreja diminuirá mesmo, que seremos minoria, mas que isso será muito bom, porque ganharemos em força interior, em espiritualidade, em liberdade de consciência, porque aqueles que forem católicos serão mesmo católicos. E o que a Igreja precisa é disso, de gente verdadeiramente unida a Cristo, que é a Cabeça do Corpo da Igreja”, defende.

Educação e caridade

De acordo com o Anuário, a Igreja Católica gere 74,3 mil jardins de infância (com 7,5 milhões de alunos), mais de 100 mil escolas primárias (34,7 milhões de alunos) e quase 50 mil escolas secundárias (19,5 milhões de alunos). Além disso, 2,5 milhões de estudantes de ensino médio e 3,9 milhões de universitários são atendidos pela Igreja.

A instituição também administra 5.405 hospitais; 14.205 dispensários, principalmente na África (5.061) e na América (3.523); 567 lares para pessoas com lepra; 15.276 lares para idosos, pessoas com deficiência ou doenças crônicas, sobretudo na Europa (8.149); 9.703 orfanatos, a maioria na Ásia (3.230), mais de 10 mil creches e mais de 10 mil centros de aconselhamento matrimonial, a maior parte na Europa (5.390) e na América (2.609); 3.287 centros de reabilitação social, boa parte deles na América (1.421); e 35.529 outros tipos de institutos, principalmente na América (13.697) e na Europa (16.841).

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