• Carregando...
Ivanka sempre precisa explicar seu pai. Mas uma amiga de infância aponta: em mais de duas décadas de amizade, nunca ouviu Ivanka reclamar disso | Jabin Botsford/The Washington Post
Ivanka sempre precisa explicar seu pai. Mas uma amiga de infância aponta: em mais de duas décadas de amizade, nunca ouviu Ivanka reclamar disso| Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

O escritório de Ivanka Trump: limpo, branco, quieto. Uma zona de horários pontuais, garrafas de água oferecidas prontamente e um mesa grande na qual ela conduz reuniões. A apenas uma caminhada curta e tortuosa da Sala Oval, onde seu pai trabalha. 

Ela nem sempre aprecia cronogramas diários. Assim como seu pai. Quando Ivanka precisa ver o presidente, ela passa por lá. Quando ele precisa vê-la, ele liga. Quando ele quer a opinião dela, ele pede e ela dá, mesmo sem expectativas que elas sejam seguidas. 

Ela não vê a persuasão como sua função, mas sim a informação e o apoio: isso está claro para funcionários da Casa Branca e amigos que observaram os meses iniciais da primeira filha de Trump na sede do governo. Qualquer um que viu nela a habilidade de mudar seu pai claramente não entende a dinâmica que sempre governou a relação entre eles (nem a dinâmica entre o presidente e a sua equipe). Afinal de contas, ela trabalha para ele. 

"As pessoas são diferentes. As decisões são diferentes e o escritório é diferente", diz Ivanka, assistente do presidente, em uma longa entrevista em um de seus escritórios. "Mas ele é a mesma pessoa e eu sou a mesma pessoa. E interagimos da mesma maneira que sempre". 

Em uma das manhãs da semana passada, ela era uma das pessoas da equipe que estava na longa mesa da Sala de Situação da Casa Branca. O assunto era a concretização dos comentários de Trump para o G-20, uma reunião econômica global, particularmente para uma sessão relacionada ao empoderamento econômico feminino. 

Donald Trump confia nos conselhos de sua filha desde que ela começou a trabalhar com ele como vice-presidente da Organização Trump. Ela tinha 24 anosJabin Botsford/The Washington Post

"Ela tem lutado para por esses temas na agenda do presidente", diz um funcionário da Casa Branca que estava na reunião. 

Ivanka argumentou que a mensagem dessa administração deveria focar nas barreiras que as mulheres encontram: acesso ao capital, acesso ao mercado – questões que já eram do interesse dela antes de chegar na plataforma oficial do seu pai. 

Na reunião ela foi, como usual, colegial e pensativa, agradecendo a outros funcionários presentes pela pesquisa e trabalho. 

Algumas horas antes, o pai dela já tinha falado algumas palavras sobre mulheres. Antes das 9h da manhã o presidente já escrevera no Twitter sobre a apresentadora da MSNBC, Mika Brzezinski. Ele a chamou de "louca" e afirmou que ela tem um "QI baixo". 

O mundo da mídia e da política explodiu – esse seria mais um dia longo de tumultos por algum comentário sexista do @RealDonaldTrump. Suas palavras pareciam destruir toda a mensagem que Ivanka diz que está tentando construir. As pessoas se perguntam: quem ousaria falar para ele parar de desautorizar seu próprio escritório e prejudicar sua imagem? 

"Onde estão Jared e Ivanka agora?", perguntou o site Politico. 

Ivanka estava discutindo política. 

E então ela voltou, presumivelmente, para seu escritório na Casa Branca – pequeno para padrões de CEO, grande para padrões da Casa Branca – e para o que se mostra como a relação entre pai e filha mais complicada da história da política americana.

Ivanka se mudou com seus três filhos e o marido Jared Kushner de Nova York para WashingtonJabin Botsford/The Washington Post

Para Ivanka, se mudar para Washington foi um grande percurso no zigue-zague político. Mas não existem regras para lidar com uma tendência desconcertante do presidente de eclipsar tudo que ela e as outras pessoas da administração estão tentando fazer. 

A resposta de Ivanka para o que chamou de "todo esse barulho" foi se esconder em um casulo de cuidado, abaixar a cabeça e trabalhar.

"Sempre que estou cansada ou frustrada – me lembro que fazer isso, estar na Casa Branca, é um dos maiores privilégios do mundo." 

Ela está aprendendo a medir com mais cuidado as consequências de suas opiniões, que influenciam não só os negócios da família, mas também o país e o mundo. Ao contrário dos negócios, nos quais ela se sentia à vontade para trocar opiniões divergentes com seu pai, ela agora tenta não responder rapidamente. Ela espera até que ele peça sua opinião sobre o mesmo assunto várias vezes, tomando isso como uma dica da importância do tema, e então ela busca especialistas para ajudá-la a desenvolver uma posição bem embasada. 

Quando ela discorda de seu pai, ela se pergunta se o tema em questão foi uma promessa de campanha ou não. Se era, ela rapidamente reprime suas vontades. Ela acredita que, de outra maneira, sabotaria os votos dos americanos. Ela se pergunta por que sua opinião estaria mais certa do que os 46% da população que votaram em seu pai. 

Mas ela, principalmente, presenteia seu pai com informação. Ela diz para ele o que pensa, e então apresenta os argumentos mais fortes do outro lado. Então o presidente decide. Como sempre. 

"Meu pai confia em mim, me vê como uma agente honesta", diz Ivanka. "Não tenho pautas escondidas, mas sim explícitas. Ele sabe exatamente o que defendo e eu expresso isso com cuidado. Não há nenhum segredo nesse processo". 

Porta-voz

Em uma reunião com CEOs na Eisenhower Executive Office Building, ela é porta-voz de seu pai, recebendo líderes dos negócios que querem apoiar o plano de Trump de incentivar o treinamento de mão-de-obra. Em um tour por uma escola técnica de Wisconsin, ela apertou mãos e elogiou um homem que demonstrava uma máquina de corte. Em uma reunião de imprensa, ela constantemente revisou suas notas, mas raramente precisou consultá-las enquanto falava sobre a proposta do programa de treinamento. 

Ela diz estar usando com a administração "a agenda trabalhadora da família". Ela usa a mesma linguagem que seu pai – "tremendo", "incrível". 

"Quando você diz filha, quando diz membro da equipe – ela definitivamente não é apenas um membro da equipe", diz o Senador Bob Corker, do Tennessee, que já se encontrou com Ivanka várias vezes nas 16 semanas em que ela atua como conselheira do presidente. "Sem dúvidas. Não é esse o caso. Ela é mais como uma parceira". 

Donald Trump confia nos conselhos de sua filha desde que ela começou a trabalhar com ele como vice-presidente da Organização Trump, uma temperada Atena para seu furioso Zeus. Ela tinha 24 anos. 

"Ela não construiu sua vida acreditando que chegaria na política", afirma uma pessoa próxima a ela. 

Depois de uma década trabalhando para seu pai, ela se acostumou a oferecer uma opinião, muitas vezes espontânea, no portfólio de negócios da família: acordos, propriedades, lançamentos e design de hotéis. 

Esse é o portfólio dela agora: desenvolvimento de mão-de-obra. Créditos fiscais por cuidado infantil e licenças paternidade pagas – questões que o Congresso Americano nunca passou e que se tornaram assinatura de Ivanka e vanguardas de seu trabalho. Tráfico humano. Na última terça-feira, ela discursou numa cerimônia no Departamento de Estado, honrando os vencedores de um prêmio pela contribuição que fizeram ao estudo e erradicação do tráfico humano. 

Seu marido, Jared Kushner, diz: "ela tem muita sorte em se preocupar menos com o que as pessoas acham e mais com estar fazendo a coisa certa e conseguindo resultados positivos.”Jabin Botsford/The Washington Post

"Quando converso com ela, não é uma tentativa de influenciar o presidente", diz Corker, que estava no evento e aconselhou Ivanka sobre o tema. Em uma reunião com ela, "sinto como se estivesse lidando com alguém que vai levar essas questões para a Casa Branca". 

No fim dessas reuniões, eventualmente Ivanka leva Corker para o andar de baixo para passear pelo Salão Oval e cumprimentar o presidente. E ficou claro para o senador que Ivanka tem poder real nos assuntos da Casa Branca que são do interesse dela. 

Ela pode não conseguir escapar das opiniões do pai, mas está tentando balancear questões como a licença familiar – montando coalizões que, milagrosamente, podem fazer com que o Congresso passe as questões que ela quer. 

Seu marido, Jared Kushner, diz: "ela tem muita sorte em se preocupar menos com o que as pessoas acham e mais com estar fazendo a coisa certa e conseguindo resultados positivos. No fim, é isso que pode fazer com que ela tenha sucesso". 

Torres de Lego

Mas essa é, na realidade, uma história sobre pais e filhas, e isso é o que acontece quando um vira presidente dos EUA e o outro o segue para a Casa Branca e tenta se virar com a mudança. 

Essa é a história de uma filha que deixa sua amada Nova York. Se muda com seus três filhos para Washington. Se maravilha por ter uma casa com um quintal de verdade e se pergunta se os paparazzi que ficam na frente da sua casa são pagos para turnos de 10 horas, já que eles sempre estão lá quando seu marido vai para o trabalho às 6h da manhã mas quase sempre já foram embora às 16h. 

É uma história excepcional por causa dos Trumps, cujas vidas e carreiras sempre estiveram misturadas com a família: quando Ivanka era criança, construía as futuras torres de Trump com peças de Lego, de acordo com uma de suas histórias favoritas. Uma Ivanka mais velha usa os envelopes de correio interno das construções reais de Trump para mandar para ele os clippings positivos. Temporada após temporada de "The Apprentice", os Trumps determinaram os destinos de subcelebridades.

Agora, como antes, quando Ivanka apresenta alguma informação para seu pai, ela diz para ele o que acha e então tenta lhe dizer os argumentos mais fortes do outro lado. 

"O jeito com que a maioria das pessoas fazem ou vendem coisas em Washington é apresentando fatos alinhados com o resultado que querem obter da outra pessoa", ela diz. "Nos negócios também é assim – eles contam os fatos bons sobre uma empresa, não os ruins. Eu não faço isso. Nunca fiz isso". 

“Fazer as coisas acontecerem”

Maggie Cordish, uma amiga de longa data cujo marido trabalha no governo de Trump como assistente do presidente, diz que Ivanka "entende o privilégio que é estar na posição de poder mexer as agulhas nas coisas que importam para ela… Ela saiu de Nova York para vir aqui e fazer as coisas acontecerem". 

Existe outra peculiaridade sobre o trabalho de Ivanka: ela se torna uma cifra na qual as pessoas colocam suas próprias crenças e aspirações e muitas pessoas podem se sentar num cômodo com ela e acreditar que ela está falando diretamente com eles. 

Legisladoras republicanas que se encontraram com Ivanka falaram sobre seu preparo. Além disso, estão empolgadas por ter uma representante na Casa Branca que se importa com questões pelas quais trabalharam por anos. Vários legisladores falaram sobre sua "elegância" e sua "graça", e então se preocuparam por parecerem apaixonados por ela. 

Nos olhos dos democratas, Ivanka está sempre indo um passo para frente e dois para trás, sempre presa nos dramas de seu pai. Três meses depois de assumir o cargo, observadores que analisam a influência dela no pai fazem isso lendo os tweets dela como se fossem folhas de chá: Ivanka manda apoio para refugiados no Dia Mundial do Refugiado, contra um pai que luta pela criação de uma proibição de viagem. Ivanka deseja para seus seguidores LGBTs um feliz Mês do Orgulho Gay, enquanto seu pai renegou a tradução de Obama de fazer um pronunciamento sobre o assunto. Algumas vezes ela parece impulsiva e até óbvia, mas nas outras ela parece saber exatamente o que está fazendo, que é apoiar seu pai. 

Tirada do contexto, Ivanka é raramente ofensiva. Mas ela é puro contexto – o contexto de seu pai. Ele é o motivo pelo qual as pessoas escrevem sobre ela, Ela está tocando uma flauta numa orquestra. Ele está correndo por todos os lados com um gongo, fazendo com que ela pareça muda. 

O Representante Trent Franks, do Arizona, recebeu recentemente um convite do Senador Marco Rubio, da Flórida, para uma reunião de debate sobre um código tributário pro-família. Uma participante especial seria Ivanka Trump, que ouviu o pai chamando o Senador de "Pequeno Marco" durante o ciclo eleitoral inteiro. 

Nove legisladores americanos se reuniram ao redor da mesa para ouvir Ivanka falar tão suavemente que precisaram ficar quietos para escutar as saudações enviadas pelo presidente e o desejo dela de criar créditos fiscais por cuidado infantil e licenças paternidade pagas. A mesa redonda e o comportamento de Ivanka eram representativos de como ela conduz negócios em Washington. 

"Ela é uma ouvinte muito ativa", diz a senadora De Fischer, do Nebraska, apontando que Ivanka respondeu a todas as questões dos participantes como se tivesse pesquisado pessoalmente sobre o assunto. "De uma maneira muito sincera, eu saí da reunião e senti que essa seria uma reunião com boas consequências", diz Frank. 

Ivanka saiu e diz para Kushner – em um dos frenéticos momentos que o casal tem junto, no escritório dele ou nos minutos antes de dormir – que a reunião foi "muito positiva". 

A licença paternidade paga já está na proposta de orçamento desse ano: seis semanas mandatórias para pais naturais ou adotivos. Ivanka sabe que as propostas de orçamento nunca sobrevivem intactas e que pode ser difícil que esse projeto tenha apoio dos Democratas, que não acham que ele seja bom o suficiente, ou dos Republicanos, que discordam do mandato como um todo. 

"É claro que é uma questão de chegar até o fim, mas você sabe, ela está feliz que as pessoas estão falando sobre isso – ela está trabalhando muito para formar coalizões e conhecimento sobre a questão", diz uma pessoa próxima a Ivanka na Casa Branca, que pediu anonimidade para falar abertamente sobre o assunto. 

Enquanto Ivanka se encontrou privadamente com a senadora de seu estado, Kirsten Gillibrand, de acordo com a Associated Press, suas reuniões anteriores reuniram vários republicanos na Capitol Hill, fazendo com que os democratas se questionassem sobre as estratégias dela depois de terem pressionado a legislação por décadas. 

"Eu aprecio o que Ivanka Trump está fazendo para elevar o assunto e torná-lo parte do discurso público", diz a Representante Rosa DeLauro, de Connecticut, uma defensora veterana da licença familiar cuja proposta de lei foi analisada pela administração de Trump em um estudo colaborativo conduzido pela Instituição Brookings e pelo Instituto American Enterprise. 

"Eu não a conheci. Não fui convidada a conhecê-la", diz DeLauro. "Eu não quero ser prepotente, mas como estou envolvida com essas questões na Casa Branca por tanto tempo eu espero ser incluída nas discussões". 

Debate

Quando Donald Trump anunciou que tiraria os EUA do tratado global sobre a mudança climática conhecido como Acordo de Paris, ele irritou liberais, que colocaram suas esperanças em Ivanka. Ela tinha se encontrado pessoalmente com o ex-vice presidente Al Gore e conseguiu unir Leonardo DiCaprio com Trump para falar sobre mudanças climáticas. Ela ligou para empresários, os encorajando a falar para seu pai permanecer no acordo. Ele não permaneceu. 

"É possível que ela não esteja fazendo nada para moderar seu pai?", perguntou o exasperado apresentador da HBO John Oliver. Fontes dizem que ela se sentiu frustrada. Ela fez o seu trabalho, ou acreditava nisso, ao expor para seu pai uma variedade de ideias, mas não conseguiu fazer com que seu pai se comprometesse com algo que não queria.

"Eu não tento selecionar informações que vão fazer com que ele [Donald] concorde comigo", diz Ivanka. "Debater é bom".Jabin Botsford/The Washington Post

Essa é maneira típica com que lida com as coisas. "Eu não tento selecionar informações que vão fazer com que ele concorde comigo", ela diz. "Debater é bom". 

Em outras entrevistas, ela afirma que nunca criticaria o pai dela em público. "Meu pai sabe quando discordo dele", ela disse para Gayle King em uma entrevista exibida pela CBS em abril. Pessoas que conhecem ela dizem que falar dessa maneira em público seria "inapropriado". 

Em alguns momentos parece que a questão de se Ivanka pode mudar a opinião do seu pai ignora se ela realmente quer fazer isso. Entendê-la requer pensar neles como uma unidade. 

Uma amiga de infância de Ivanka lembra de um momento da campanha. Ivanka deveria ir para a Califórnia para ser entrevistada em uma reunião patrocinada pela revista Fortune sobre mulheres poderosas. A amiga morava nas redondezas e Ivanka a convidou para o evento. "Era para ser mais sobre ela e ser uma mulher bem sucedida no mundo dos negócios", a amiga conta. "Mas era difícil para eles não transformarem isso em algo diferente e perguntarem sobre o pai dela". O entrevistador queria saber a reação de Ivanka sobre o vazamento dos vídeos do "Access Hollywood". 

"Muito quente!", diz Ivanka rindo. "É ótimo estar aqui na Califórnia". 

A amiga, que pediu para não ser identificada, lembrou estar nervosa por Ivanka, mas não surpresa pela resposta simples dela. Ivanka lembrou que seu pai tinha se desculpado e que sempre a tinha tratado com respeito. 

Essa facilidade pode ser resultado de ter passado metade da sua vida vida na frente do público: ela começou como modelo na adolescência e ficou quase uma década na televisão com seu pai. E já estava acostumada a explicar o comportamento dele. 

O mesmo aconteceu em abril na Alemanha: Ivanka foi convidada pela chanceler Angela Merkel para participar de uma reunião sobre como atingir igualdade para as mulheres. Assim que Ivanka apareceu precisou defender as afirmações de seu pai contra mulheres. O anúncio de Merkel sobre o envolvimento de Ivanka com um fundo do Banco Mundial para mulheres empreendedoras foi deixado de lado por histórias de membros da audiência terem vaiado as racionalizações de Ivanka para os comportamentos de seu pai. 

O mesmo aconteceu semana passada quando ela estava da Sala de Situação para a reunião do G-20. Vários comentários no Twitter pediam que Ivanka explicasse o comportamento de seu pai. 

Ivanka sempre precisa explicar seu pai. 

Mas a amiga de infância aponta: em mais de duas décadas de amizade, nunca ouviu Ivanka reclamar disso.

Tradução de Gisele Eberspächer
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]