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Retrato de Cochrane feito por Peter Edward Stroehling em 1807
Retrato de Cochrane feito por Peter Edward Stroehling em 1807| Foto: Reprodução

Le Loup de Mer”. Foi o apelido que o britânico Alexander Thomas Cochrane recebeu de Napoleão Bonaparte. Jovem, alto, ruivo, elegante, Cochrane atormentava as embarcações francesas no mar Mediterrâneo. Utilizando embarcações pequenas às quais ateava fogo, ele conseguia incendiar navios inimigos, provocando pânico na tripulação e facilitando suas vitórias. À frente do brigue Speedy, derrotou espantosas 53 embarcações inimigas entre os anos de 1800 e 1801. Astucioso, para facilitar a aproximação, usava bandeiras de outras nações.

O “lobo do mar” já era uma lenda na Inglaterra antes de completar 30 anos. Assim permaneceria até a morte, aos 84 anos: recebeu todas as honras militares possíveis e foi enterrado na abadia de Westminster, onde também repousam os restos mortais de Isaac Newton, Charles Darwin e Charles Dickens, por exemplo.

Cochrane também se mostraria decisivo – e famoso – em outros países. Ele participou de forma decisiva das guerras de independência do Chile e do Peru, além de se envolver na independência da Grécia em relação ao Império Otomano. E foi crucial para garantir que o Brasil não se dividisse em nações menores, na Bahia, no Maranhão, em Pernambuco e no Pará, nos primeiros anos após a proclamação da Independência. O legado que ele deixou, especificamente no Norte e no Nordeste, foi fundamental, ainda que controverso.

Audácia e riquezas

Cochrane começou a atuar como almirante freelancer depois de 1814. Até então, era parlamentar, eleito pelo distrito de Westminster, em Londres. Mas se envolveu em um escândalo na bolsa de valores da capital britânica — ele participou da uma armação, que envolveu uma falsa notícia de que Bonaparte havia morrido e beneficiou os investidores que sabiam do golpe. Acabou preso.

Era tão popular com a população que foi reeleito para o Parlamento mesmo atrás das grades. Mas viu sua carreira na Marinha Britânica acabar. Ele ainda tinha apenas 39 anos e identificou, nos movimentos de independência, uma oportunidade para aplicar sua enorme habilidade naval — e fazer dinheiro no processo.

O caos que as ações de Napoleão provocaram na Europa fragilizou o controle sobre as colônias sul-americanas, que começaram a lutar pela independência. Foi rápido: se no início do século 19 não havia nenhuma nação independente na América do Sul, em 1826 já não existia nenhuma colônia. Começou pela costa do Chile e do Peru, onde se mostrou decisivo para derrotar os espanhóis. Ainda no Chile, em 1820, o lobo do mar se apropriou de uma embarcação na qual o general José de San Martín protegia o tesouro público do Peru. Pagou a tripulação e embolsou o restante, alegando que tinha investido dinheiro do próprio bolso e não havia recebido os valores combinados.

Em 1822, o Brasil precisava organizar uma Marinha. Sem proteger os mais de oito mil quilômetros de costa, incluindo a província da Cisplatina (que posteriormente se tornaria o Uruguai), não seria possível preservar a independência e a integridade de todo o território. Como relata o jornalista Laurentino Gomes em seu livro 1822, Felisberto Caldeira Brant Pontes, representante brasileiro em Londres, sugeriu o nome de Cochrane a José Bonifácio de Andrada e Silva.

“No dia 13 de setembro, uma semana após o Grito do Ipiranga, a mensagem secreta de José Bonifácio chegou às mãos do agente brasileiro em Buenos Aires, Antônio Manuel Corrêa da Câmara, com instruções para ir ao Chile entregar a Cochrane o convite para juntar-se às forças brasileiras contra os portugueses”, relata Gomes. Neste meio tempo, o governo do novo país decretou que as cargas tomadas durante a guerra de independência pertenceriam a quem as capturasse.

“Era tudo o que Cochrane precisava para se decidir. O almirante chegou ao Rio de Janeiro em 13 de março de 1823. Trazia a bordo uma nova amiga, a viajante inglesa Maria Graham, de 37 anos, que ficara viúva alguns meses antes quando o marido, capitão da Marinha britânica, morrera ao cruzar o temível cabo Horn, na extremidade sul do continente. No Brasil, Graham iria tornar-se amiga e confidente da imperatriz Leopoldina e seria contratada como preceptora da princesa Maria da Glória”.

Violência e saques

Declarado Primeiro Almirante da Marinha, um posto criado para ele, Cochrane iniciou seus trabalhos partindo do Rio de Janeiro em direção à Bahia, onde a independência foi conquistada com sangue. O almirante contava com navios em estado precário e marinheiros estrangeiros, principalmente ingleses e norte-americanos, além de escravos recém-libertados sob a condição de pegar em armas.

A primeira ação começou mal: os portugueses que viviam em Salvador não apenas se recusaram a lutar, como também dificultaram o acesso à munição. E os aliados a Portugal contavam com uma esquadra mais numerosa e bem armada. O britânico então recuou, solicitou a encomenda de novos equipamentos e navios, contratou mais mercenários e, em vez de lutar frontalmente, bloqueou os navios portugueses no porto de Salvador. Assim, venceu pelo cansaço e forçou a retirada da esquadra lusitana, que deixou a cidade em 2 de julho de 1823.

A ação reforçou a fama de Cochrane, que, depois de perseguir e saquear os navios portugueses em fuga, seguiu para o Maranhão, onde o interior do estado já era controlado por forças a favor da independência. Faltava render a capital, São Luís. “Ao se aproximar de São Luís, hasteou a bandeira britânica, em vez das cores brasileiras”, descreve Laurentino Gomes. Com isso, pegou os portugueses, já encurralados, de surpresa.

Rapidamente, o almirante mandou um único navio para Belém, no Pará. O capitão inglês John Pascoe Grenfell entrou no porto anunciando que, atrás dele, vinha a frota imperial brasileira em peso. Era mentira. Os portugueses acreditaram, fugiram e a cidade entrou no mais absoluto caos. Enquanto abandonava os paraenses à própria sorte, Cochrane se dedicava a saquear São Luís. Tomou o equivalente, em valores atuais, a mais de 600 milhões de reais.

“Apesar do comportamento brutal e mesquinho em São Luís, Cochrane foi recebido no Rio de Janeiro como herói nacional e agraciado por Dom Pedro I com a recém-criada Ordem do Cruzeiro do Sul e o título de marquês do Maranhão – decisão que aos maranhenses soa até hoje como uma ofensa”, lê-se em 1822.

Depois de atuar na contenção de Confederação do Equador, em Pernambuco, em 1824, o britânico retornou a São Luís, onde exigiu mais dinheiro, tomou a fragata Piranga para si e retornou para a Inglaterra. Assim, encerrou sua participação na Independência do Brasil.

Em termos militares, suas ações se mostraram ousadas e inovadoras, como aponta George Ermakoff no livro Lorde Thomas Cochrane - um guerreiro escocês a serviço da Independência do Brasil. Além disso, argumenta ele, a posse dos espólios de guerra não apenas estava prevista em lei, como era uma tradição na época, a ponto de o governo brasileiro ser condenado, em 1860, a pagar aos herdeiros o restante do saldo acumulado.

Herói malvisto

O almirante nascido na Escócia, filho da pequena nobreza e que contou com o apoio de um tio para iniciar a carreira na gloriosa Marinha britânica, permanece mal visto na região Nordeste. O ex-presidente José Sarney, nascido em Pinheiro, a 340 quilômetros de São Luís, já declarou, em 2009, que o britânico se apropriou da luta do povo local para proclamar a adesão do Maranhão e do Piauí à independência do país.

“O povo dos nossos estados já tinha proclamado essa independência pelo seu sangue, pelo seu heroísmo e pela grandeza do seu patriotismo, quando lutaram nos sertões sem armas, sem instrumento algum, apenas com o corpo, com a alma e com o coração que batia num sentimento de liberdade em favor do Brasil”, ele disse à época.

Em seu livro, Laurentino Gomes relata um episódio datado da década de 1980: “Em uma visita oficial à abadia de Westminster, em Londres, na condição de presidente da República do Brasil, o maranhense José Sarney aproximou-se de uma tumba de 1860 situada no chão da parte central da nave e, sem que os acompanhantes percebessem, pisou com firmeza sobre a lápide. Em seguida, olhando para o nome gravado no mármore, sussurrou: ‘Corsário!’”.

Meses depois, o jornalista teve a oportunidade de confirmar a história com o próprio Sarney, que disse: “Pisei e pisaria de novo!”. Laurentino Gomes lembra que o Museu Naval, no centro do Rio de Janeiro, dedica apenas um quadro pequeno a Cochrane. E cita: “Nunca, em quase duzentos anos, um navio de guerra brasileiro importante foi batizado com seu nome”.

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