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Gamers, videogames
Jovens competem em videogames em Lima, no Peru, em 2019. Vínculo de videogames com violência tem sido sugerido há décadas, mas não há evidências suficientes apesar de vários estudos realizados.| Foto: EFE/Mikhail Huacán

Após ataques violentos a escolas, especialmente o que envolveu a morte de quatro crianças na creche Cantinho Bom Pastor em Blumenau em abril deste ano, o governo estabeleceu um grupo de trabalho interministerial para estudo da questão. Esta semana, veio à tona um relatório produzido para o grupo pela empresa de consultoria Topikós. O documento teria sido produzido no mês do ataque, e alega que “a apropriação da cultura gamer pelos organizadores da campanha de ataques às escolas foi central” e que “os ataques emularam uma performance de jogos online”.

“A atual onda de ameaças aos estabelecimentos escolares tem conexões com o imaginário gamer”, alegaram os consultores. Essa conexão causal entre violência e games tem sido sugerida há muito tempo. Recentemente, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron (da França) a reafirmaram, o último por causa de protestos de rua em Paris.

Laboratório de Stanford tentou achar vínculo entre violência e jogos em todos os estudos publicados, sem sucesso

Mas a vinculação de jogos eletrônicos à violência falhou repetidamente em encontrar corroboração da ciência. Como informaram psiquiatras do Laboratório Brainstorm de Stanford na revista Fortune em maio, “as pesquisas médicas e trabalhos acadêmicos atuais não encontraram qualquer ligação causal entre jogar videogames e a violência com armas de fogo na realidade”. Os pesquisadores passaram meses examinando 82 artigos, praticamente a totalidade da literatura científica na questão.

Como videogames hoje são uma categoria muito ampla que inclui do Candy Crush (jogo de quebra-cabeças com ‘doces’ que lembra o Tetris) ao Call of Duty (série mais violenta e com gráficos complexos, com temática de guerra), é preciso isolar primeiro a questão aos jogos violentos. A maior parte dos estudos faz isso. Um estudo buscou investigar se havia uma vinculação entre as estatísticas agregadas anuais de crime do FBI e as datas de publicação de jogos violentos. O período foi de 30 anos. Não houve vinculação: os jogos e a violência variavam independentemente um do outro.

Para o Laboratório Brainstorm, as afirmações de vínculo causal são “grandes narrativas de bode expiatório” que buscam culpar o entretenimento por problemas com outras causas cujo controle é de responsabilidade de muitos dos que fazem a alegação.

O próprio estudo com os dados do FBI chegou a notar uma diminuição da violência associada (por coincidência ou não) à publicação de jogos violentos. Os autores especularam que, caso haja um vínculo causal entre jogos violentos e menos violência real, isso poderia ser um mecanismo de escape, em que pessoas com tendências violentas se satisfazem em um mundo virtual, não concretizando essas tendências no mundo real.

“Pesquisas recentes também revelaram muitos benefícios convincentes de jogar videogames”, acrescentaram os pesquisadores. Entre os benefícios estaria uma paciência maior para se aplicar em resolver problemas, dado que com frequência os jogos trabalham tentativas repetidas de atingir alguma meta. Os jogos que têm uma dimensão social podem “melhorar a autoestima e as habilidades cognitivas e sociais junto com quedas concomitantes na depressão, estresse e solidão”, indicam estudos.

Os especialistas citam o jogo Hellblade, da produtora Ninja Theory, que foi produzido em parceria com especialistas em saúde mental, pacientes e cientistas para enfrentar tabus que estigmatizam problemas mentais e servem como barreiras à busca de tratamento. O resultado foi “um retrato da esquizofrenia que não foi superficial e estereotipado, mas nuançado e empático, que deixou muitos jogadores com o sentimento de que entenderam a doença pela primeira vez”.

Uma minoria dos estudos sugere que jogos violentos poderiam estimular comportamento agressivo nos jogadores. Mas outros levantam dúvidas a respeito disso. Um estudo publicado em 2019 na revista Psychological Science, de pesquisadores da Universidade Estadual de Illinois, tentou uma abordagem nova: alterar o jogo violento Doom II e observar os efeitos sobre os jogadores. Uma versão modificada tinha mais gráficos explícitos, inimigos mais intimidadores e sons mais extremos, para deixar a experiência mais violenta. Outra versão tinha inimigos com aparência mais ridícula que não eram mortos, mas “mandados para casa”.

Depois das sessões com o jogo, os pesquisadores provocaram os participantes para observar alguma propensão ao comportamento agressivo. “Essa foi a coisa mais burra que eu já li”, disseram a respeito de redações escritas pelos participantes. Resultado: a influência do jogo e sua versão mais extrema sobre o comportamento violento foi “pequena e indistinguível de zero”. Uma limitação do estudo: as sessões duravam apenas 15 minutos.

O lado ruim dos videogames

Causar violência no mundo real não está entre os defeitos dos videogames, mas eles existem. Existe o vício e decisões irresponsáveis de jogadores que gastam demais com os títulos. Cerca de 8% dos jovens americanos são viciados em videogames, comportamento que a Organização Mundial da Saúde reconheceu como uma doença.

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