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Famílias de reféns detidas pelo Hamas em Gaza participam de uma marcha, perto da cidade de Kiryat Gat, sul de Israel, no dia 29 de fevereiro de 2024.
Famílias de reféns detidas pelo Hamas em Gaza participam de uma marcha, perto da cidade de Kiryat Gat, sul de Israel, no dia 29 de fevereiro de 2024.| Foto: EFE/ABIR SULTAN

Neste exato minuto, 19 meninas e mulheres entre 18 e 39 anos (das quais supostamente cinco já estariam mortas), estão em poder dos terroristas do Hamas. Enquanto comemorávamos semana passada o Dia Internacional da Mulher com flores, jantares e protestos por mais igualdade, elas viviam o medo constante de ter os seus corpos usados como depósitos de ódio e terror. É assim que vivem essas mulheres, agora, nos túneis, no subterrâneo da humanidade, no pior, no inimaginável.

O dia 7 de outubro deixou o mundo chocado com as violências cometidas pelos terroristas. As imagens da barbárie foram registradas pelos próprios agressores, orgulhosos do seu feito: o feminicídio e estupros, parte essencial dos planos, foram cumpridos com “louvor”.

Nas imagens, uma jovem com a calça ensanguentada nas suas partes íntimas é colocada com as mãos amarradas para dentro de um carro; outra, seminua, é levada na caçamba de uma caminhonete, com as pernas quebradas ao meio, sob cusparadas dos terroristas ao som de “allahu akbar”; outra cena mostra o entra e sai de homens em um quartinho onde uma mulher sofre estupros seguidos. Os agressores filmaram enquanto violavam, torturavam, estripavam, queimavam mulheres vivas. São alguns exemplos do sadismo puro e predatório jamais visto publicamente, de um ato de guerra que incluiu violência sexual sistemática e deliberada.

Ainda com sangue nas mãos, um dos terroristas liga para seus pais: “Papai, estou falando com você do celular de uma mulher judia! Eu matei ela! Eu matei seu marido! Eu matei dez com minhas próprias mãos!”. Os pais se orgulham.

A irresignação foi geral no fatídico 7 de outubro. Porém, não precisou de muitos dias para surgirem as vírgulas, as relativizações e o negacionismo do mal. O desprezo foi conivente, as organizações que deveriam se pronunciar prontamente mantiveram-se caladas, o que criou coragem para alguns questionarem a veracidade das acusações e até insinuaram que as vítimas mereciam o seu destino. Talvez por pensarem que ser solidários com as mulheres judias significa ceder ao “feminismo colonial” ou por acreditarem que os estupros foram “atos de resistência”.  Na verdade, para eles, as mulheres mereceram o que sofreram por uma só razão: por serem judias.

É temerário e inconsistente o argumento de que a violência de gênero foi “uma resposta válida” ao sofrimento do povo palestino — que é, também, uma enorme tragédia humanitária — e de que que a ofensiva de Israel em Gaza supera o terror que sofreu, como se fosse uma disputa de números. Desacreditar as mulheres para acreditar no Hamas é a clássica inversão da posição da vítima como culpada, o que, paradoxalmente, contribui para o processo de desumanização tanto de judias como de palestinas.

É neste clima ideológico que surge o relatório da ONU. A semana que antecedeu o Dia Internacional da Mulher, rompeu um silêncio tão violento quanto à violação dos direitos das mulheres. Depois de cinco meses, a ONU resolveu se manifestar, divulgando um relatório com evidências substanciais de que que crimes sexuais foram cometidos pelo Hamas e que ainda se perpetuam contra as reféns sobreviventes. Não deixa de ser um marco, mesmo porque a ONU nunca simpatizou com o Estado judeu e foi escandalosamente lenta até mesmo em reconhecer as primeiras evidências de agressões sexuais.

Dentre os crimes que constam no relatório, constam estupros coletivos, agressão e tortura sexual, necrofilia e mutilação genital. O relatório observa, entre outros detalhes, que “pelo menos dois incidentes de violação de cadáveres de mulheres”, “corpos encontrados nus e/ou amarrados, e num caso amordaçados” e “informações claras e convincentes de que ocorreu violência sexual, incluindo violação, tortura sexualizada e tratamento cruel, desumano e degradante, contra algumas mulheres e crianças” durante o período de cativeiro.

Isso deveria ser mais do que suficiente. Não é! E não será enquanto o antissemitismo falar mais alto, enquanto ele distorcer a lógica e rotular opressores e oprimidos sob o critério subjetivo do preconceito. Justificar a violência de gênero contra um grupo de mulheres só por não concordar com a política do país em que vive, é enfraquecer a causa feminina como um todo. Os críticos das políticas de Israel podem levantar objeções quanto ao seu governo e ao mesmo tempo reconhecer e condenar o terrorismo.

No documentário “Screams Before Silence” [Gritos antes do silêncio], de Sheryl Sandberg, filantropa e conhecida por sua luta contra a desigualdade, reuniu depoimentos de algumas reféns libertadas.

Uma delas, Agam Goldstein-Almog, de 17 anos, contou histórias de garotas sendo violentadas sexualmente enquanto estavam em cativeiro. “Ele entrou no chuveiro e apontou uma arma para a cabeça dela e começou a beijá-la, e ela começou a chorar... ele tirou todas as roupas dela e tocou-a por todo o corpo. Ele pediu que ela tocasse seu membro de todas as maneiras e tocou nela [área genital] também. Ela me disse que simplesmente não parava de chorar e ele não parava de fazer o que estava fazendo com ela. E ele gosta disso”, disse ela. “E todo esse tempo, a arma dele estava contra a cabeça dela.”

Sabemos que já foram cometidos outros crimes sexuais contra mulheres em tempos de guerra. Quem nega ou atenua as atrocidades cometidas contra as mulheres judias, abre caminho para outras violências — isso se chama antissemitismo, feminismo seletivo. O direito das mulheres vale para todas, sem exceção, independente da raça, religião, etnia, cultura, nível social, escolaridade. Se a preservação do direito de todas não for garantido, não se garante o direito de nenhuma.

Becky S. Korich é advogada e escritora.

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