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Portas trancadas, juramentos, celulares confiscados, cédulas queimadas, negociações, apostas. Não surpreende que o conclave alimente a imaginação de escritores, roteiristas e jornalistas. Há ali um cenário propício à narrativa, repleto de símbolos — símbolos que remetem a uma realidade profunda, rica em sabedoria cristã e experiência humana.
O jornalista Javier Martínez-Brocal, correspondente do Vaticano para o jornal espanhol ABC e a rede de televisão La Sexta, além de colaborador da agência Aceprensa, acaba de lançar "Cónclave: Las reglas para elegir al próximo Papa: Actualizado con las últimas normas" [Conclave: As regras para eleger o próximo Papa — atualizadas com as últimas regulamentações]. Escrito em parceria com o padre José de Jesús Aguilar, o livro é um guia oportuno e completo sobre o que ocorrerá a partir de 7 de maio em Roma.
O mérito de Martínez-Brocal está em condensar, no formato de perguntas e respostas, tudo o que se pode desejar saber — não apenas sobre o conclave, mas também sobre o funcionamento do Vaticano, essa peculiar cidade-estado com normas próprias. Além de sua experiência como vaticanista, o autor pesquisou a fundo a Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, promulgada por João Paulo II em 1996, com alterações posteriores de Bento XVI e Francisco. O resultado é um texto rico em história, arte e até bom humor.
O livro responde a uma infinidade de perguntas, especialmente as famosas: o quê, quem, quando, onde, por que e como. Pelas respostas, fica claro que o conclave está muito mais próximo de um retiro espiritual do que de uma reunião de empresários ou financistas. Bem o oposto, é claro, do que se reflete, por exemplo, no filme "Conclave".
A seguir, as principais questões que o livro responde — e, ao final, a mais fundamental de todas.
Por que se realiza um conclave?
Essa é, talvez, a pergunta mais simples: realiza-se um conclave quando a Igreja precisa eleger um novo papa, seja por falecimento ou renúncia do anterior. A origem do conclave remonta aos primeiros tempos do cristianismo, quando Jesus confiou ao apóstolo Pedro a missão de conduzir a Igreja. Embora os Atos dos Apóstolos e a tradição não esclareçam como eram escolhidos os sucessores de Pedro, presume-se que os bispos de Roma indicavam pessoalmente seus sucessores.
Recentemente, o especialista em Vaticano Austen Ivereigh lembrou que, embora o legado de Francisco pese nas deliberações, os cardeais não buscam seu “sucessor”, mas sim o sucessor de Pedro — uma distinção nada trivial.
O que é um conclave?
A palavra “conclave” tem múltiplos sentidos. Designa, tecnicamente, a assembleia de cardeais com menos de 80 anos que elegem o novo pontífice; também o local onde ocorre a votação (a palavra vem do latim cum clave, ou seja, “com chave”); e o próprio procedimento de escolha do Papa.
O objetivo de trancar os cardeais em um local inacessível aos outros é protegê-los da pressão externa. Em 1274, a Constituição Ubi periculum foi promulgada, estabelecendo oficialmente o conclave. Entre outras coisas, ele afirma que ele deve ser realizado em um local "fechado" por dentro e por fora. Este texto foi escrito depois que 19 cardeais passaram quase três anos no Palácio Papal em Viterbo, em 1268, tentando eleger um Papa, completamente divididos pela pressão da França e da Alemanha.
Fontes dizem que os cidadãos fartos de Viterbo, além de trancá-los para que pudessem escolher, racionaram a comida dos cardeais e até tiraram seus telhados… para que o Espírito Santo pudesse entrar.
Quem são os protagonistas?
Participam do conclave os chamados “cardeais eleitores” — todos os cardeais com menos de 80 anos, idade em que todos os cardeais deixam automaticamente de ser membros dos dicastérios da Cúria Romana e de todos os organismos permanentes da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano.
Mas, além disso, João Paulo II explicou que o motivo desta disposição não era acrescentar, ao peso da idade, outro peso ainda maior: o da responsabilidade de escolher quem deveria guiar a Igreja.
Os cardeais com mais de 80 anos, embora não votem, desempenham um papel muito importante no conclave. De fato, a Universi Dominici Gregis pede que eles atuem como guias do Povo de Deus. Eles tendem a ser muito respeitados nas congregações gerais — reuniões realizadas pelos cardeais para se reunir e discutir o perfil do novo papa — e muitas vezes são os que pregam para os outros cardeais nesses dias.
Quem pode ser eleito Papa? Em teoria, qualquer pessoa que possa ser bispo de Roma; isto é, qualquer homem solteiro batizado. Se ele não for padre ou bispo, ele poderá ser ordenado. E houve casos na História. Na prática, um candidato é escolhido entre os cardeais. Mas é interessante notar que João Paulo II, na Universi Dominici Gregis, pede aos cardeais que "tenham em mente somente a glória de Deus e o bem da Igreja e, depois de terem implorado a ajuda divina, deem seu voto a quem, mesmo fora do Colégio Cardinalício, julgarem mais adequado para governar a Igreja universal de forma frutífera e para o benefício da Igreja".
Durante o período de sede vacante (sem papa), a maioria dos altos cargos do Vaticano é suspensa. Mas há exceções simbólicas: o esmoleiro apostólico, responsável por obras de caridade, segue em atividade — pois a caridade da Igreja não pode cessar. Também continuam em funções o penitenciário-mor, que trata de absolvições complexas; o cardeal camerlengo (Kevin Farrell), que administra o Vaticano nesse período; e o decano do Colégio Cardinalício (atualmente Giovanni Battista Re), que preside o conclave caso tenha menos de 80 anos.
Onde ocorre o conclave?
Desde 1492, o local da eleição é a Capela Sistina. João Paulo II ordenou especificamente que a votação fosse realizada nesta capela para "facilitar a preparação da mente dos eleitores para acolher os impulsos interiores do Espírito Santo", enfatizando que "tudo contribui para tornar mais viva a presença de Deus, diante de quem cada pessoa deverá um dia comparecer para ser julgada". De fato, não seria fácil votar superficialmente sob o olhar do afresco do Juízo Final de Michelangelo.
Durante o conclave, os cardeais se hospedam na Casa Santa Marta, que foi, até duas semanas atrás, a residência do Papa Francisco. Foi construída por ordem de João Paulo II ao lado da Basílica de São Pedro, especificamente para abrigar os cardeais durante os conclaves. Até então, eles ficavam alojados no Palácio Apostólico em condições inadequadas, com quartos improvisados em corredores, separados por divisórias e biombos, e pouquíssimos banheiros.
João Paulo II, que participou dos dois conclaves em 1978, percebeu as dificuldades físicas que esse tipo de "acampamento" representava, especialmente para os cardeais mais velhos, e considerou Santa Marta para facilitar o descanso e o isolamento durante aqueles dias. Na Casa Santa Marta, os quartos são alocados por sorteio. Além dos cardeais e alguns outros funcionários, dois médicos e alguns padres confessores estão hospedados lá naqueles dias.
As reuniões preparatórias, chamadas congregações gerais, ocorrem no Novo Salão Sinodal, e a missa de abertura do conclave é celebrada na Basílica de São Pedro.
Quando acontece o conclave?
O conclave deve começar entre 15 e 20 dias após a vacância da Sé. Se todos os cardeais já estiverem em Roma, a data pode ser antecipada.
O processo começa com a missa “Pro eligendo Pontifice”, celebrada pelo cardeal mais velho entre os eleitores, que costuma esboçar em sua homilia o perfil desejado para o novo papa. Essa missa é aberta ao público. Em seguida, às 16h30, os cardeais se dirigem à Capela Sistina, onde são trancados.
No primeiro dia, há no máximo uma votação. Nos dias seguintes, realizam-se quatro votações diárias (duas pela manhã, duas à tarde), com intervalos para oração. Se após três dias ninguém for eleito, suspende-se o processo por um dia.
Conclaves tendem a ser rápidos. O mais longo durou quase três anos (Viterbo, 1268); o mais breve, apenas dez horas (eleição do Papa Júlio II, em 1503).
Como o Papa é eleito?
Por escrutínio secreto. São necessários dois terços dos votos — no conclave atual, isso equivale a 89 dos 133 cardeais eleitores.
Durante o conclave, os cardeais ficam incomunicáveis: sem celulares, jornais, rádio ou TV. Juram sigilo absoluto e se comprometem, diante de Deus, a votar com reta intenção.
Antes da primeira votação, escutam uma meditação feita por um eclesiástico de prestígio, geralmente um cardeal idoso. Desta vez, o encarregado será Raniero Cantalamessa, antigo pregador da Casa Pontifícia.
Na votação, cada cardeal escreve o nome do candidato e dobra a cédula. Antes de depositá-la, recita o juramento: “Invoco Cristo, o Senhor, que me julgará, como testemunha de que dou meu voto a quem, na presença de Deus, acredito que deve ser eleito”.
Se um candidato alcançar o número necessário de votos e aceitar, escolhe o nome papal. As cédulas são então queimadas com uma mistura que produz fumaça branca — sinal de que um novo papa foi escolhido. Os cardeais lhe prestam homenagem e um Te Deum é cantado.
E o Espírito Santo com isso?
Essa é, na verdade, a pergunta mais importante. Costuma-se dizer que, apesar de tantas regras, o verdadeiro protagonista do conclave é o Espírito Santo.
Martínez-Brocal cita uma célebre entrevista de Joseph Ratzinger, então cardeal, à TV alemã em 1997: “Eu não diria que o Espírito Santo escolhe o papa. Ele não assume o controle da situação. Atua como um bom mestre, dando liberdade, sem nos abandonar. Houve papas que o Espírito Santo provavelmente não teria escolhido”, disse, rindo. E concluiu: “A única garantia que Ele nos oferece talvez seja a de que não vamos arruinar tudo por completo.”
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©2025 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: 6 grandes preguntas sobre el cónclave… y una –la importante– de propina



