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Jonah Goldberg se desdobra entre duas colunas semanais, um trabalho regular na televisão, duas séries de podcasts, um boletim semanal, uma cadeira num think tank e um cargo editorial na “National Review”. No entanto, apesar de estar presente em tantos lugares, a conclusão à qual chegamos após a leitura de seu novo livro, “Suicide of the West”, é que Goldberg não é tão apreciado quanto merece. Talvez isso seja um sintoma de seu sucesso. Seu estilo informal e seu viés humorístico podem mascarar seus dons intelectuais. O fato de que o mesmo indivíduo que introduziu o termo “feckless crapweasel” (algo como “porcaria sem valor”) no jargão conservador tenha escrito esta obra abrangente sobre as origens da prosperidade moderna e as forças alinhadas contra ela revela uma versatilidade que deveria inspirar admiração dos leitores e inveja de seus colegas escritores. 

A tese do livro é simples: os avanços conquistados pelo Ocidente moderno – capitalismo, liberalismo (no sentido clássico), racionalismo – não representam extensões naturais da natureza humana, mas sua domesticação. Como explica Goldberg em um misto de filosofia política, história intelectual e análise cultural, a maioria dos instintos naturais da humanidade – tribalismo e o hábito de enxergar pessoas de fora com desconfiança; romantismo emocionalmente motivado, a busca pela segurança por meio de homens fortes – torna menos provável o estabelecimento de qualquer coisa como o capitalismo democrático. O fato de que esse capitalismo tenha deitado raízes e tenha conseguido sobreviver por três séculos mais ou menos inspira o termo com que Goldberg descreve esse fenômeno: o Milagre. “Se os 200 mil anos de existência do Homo sapiens fossem representados em um único ano”, ele escreve, “a imensa maioria do progresso econômico humano teria ocorrido mais ou menos nas últimas 14 horas.” 

Decadência já começou

Goldberg não tenta propor uma explicação definitiva do porquê de essas ideias terem conseguido deitar raízes (embora nos sirva um bufê de diagnósticos feitos por outros pensadores). Em lugar disso, ele volta sua atenção às implicações: se nossa inimiga é a natureza humana, a batalha nunca será realmente ganha. Cada geração precisa lutar para evitar que as forças da decadência ganhem terreno. 

O que perturba Goldberg e explica o título pessimista do livro é a impressão de que a decadência de fato já começou. Na ascensão da política de identidade e do populismo – ambos predicados na visão de mundo de Nós versus Eles, em que a vitória de um representa a derrota de outro, sem a possibilidade de alguma solução intermediária que beneficie a ambos –, Goldberg enxerga a reafirmação do tribalismo. Na adesão do eleitorado a declarações como “Nós somos aqueles pelos quais esperávamos”, de Barack Obama, e “Apenas eu sou capaz de resolver”, de Donald Trump, ele enxerga uma reversão bipartidária à ideia do governo como um culto dos ungidos, distante da visão dos fundadores dos Estados Unidos. Na decadência da família ele vê a erosão da instituição fundamental da sociedade civil, criando um vácuo insatisfatoriamente preenchido por um governo que extrapola suas funções. 

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Outro autor poderia ter reagido a esse desfile de horrores com uma pauta detalhada de soluções de política pública. Mas Goldberg, compartilhando a visão do falecido Andrew Breitbart de que a política está rio abaixo em relação à cultura, argumenta que uma reorientação cívica mais ampla é uma prioridade mais urgente e que esse redespertar precisa começar pela gratidão. Não apenas os cidadãos das sociedades livres precisam tomar consciência dos poderes fabulosos do Milagre, como devem ter consciência da precariedade inerente deste. Os críticos da ordem liberal, argumenta Goldberg, são tão fixados sobre as falhas dela que deixam de perceber que ela tende à autocorreção – e que a única alternativa completa a ela seria uma reversão à situação lamentável anterior ao Milagre. Fazer do perfeito o inimigo do bom é um luxo permitido apenas em sociedades nas quais existe a garantia de uma oferta regular do bom. 

Sentido coletivo

Goldberg também argumenta persuasivamente contra o esforço de se depreender um sentido transcendente da política. Ele reconhece essencialmente os dois predicados da hostilidade do romantismo em relação à modernidade: que o homem tem sede insaciável por um senso de significado e razão de ser e que o capitalismo democrático liberal não sacia essa sede. Mas ele se distancia dos românticos porque enxerga essa condição como um dado fundamental, não como um erro. Para Goldberg, o capitalismo nada mais é senão o melhor sistema que descobrimos até hoje para organizar nossas economias, e a democracia liberal é o melhor sistema para organizar nossa vida política. Isso já deve ser o bastante. O fato de que nenhuma das duas coisas é o bastante para preencher o vazio em nossas almas não assinala uma deficiência em nenhuma delas, mas naqueles que pedem que elas sejam responsáveis por mais do que lhes cabe. 

De fato, segundo a leitura de Goldberg, qualquer busca por um sentido coletivo vai inevitavelmente conduzir ao autoritarismo. “Salvo em tempos de guerra ou alguma outra crise existencial”, ele escreve, “o sentido não pode ser um empreendimento coletivo, de massas, sem esmagar o fértil ecossistema de instituições que de fato nos confere sentido e que garante a liberdade e prosperidade.” Família, amizade, religião, sociedade civil – esses são os únicos portadores de sentido que são compatíveis com uma sociedade livre. Qualquer deus nascido fora do Estado inevitavelmente será um deus falso. 

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Visto como um todo, “Suicide of the West” talvez faça parte de um novo gênero que é singularmente apropriado para o nosso tempo: o livro de autoajuda civilizacional. Como tal, é dividido em três partes. As duas primeiras contêm análises amplas da natureza humana, do Milagre, do capitalismo, do Estado, da tensão entre razão e romantismo e da fundação dos Estados Unidos. A terceira seção, mais tópica, pode ser vista como o especial Netflix de Goldberg: uma destilação de boa parte do que há de melhor em seus trabalhos recentes, com os fatos mais recentes postos a serviço da tese defendida anteriormente. Essa fusão é mais ou menos contínua em 2018. Resta a ver como será interpretada por leitores futuros. Se Goldberg tiver razão, já estamos assistindo aos primeiros indicadores do declínio, e, se seus avisos forem ignorados, a terceira seção acabará sendo vista como uma placa de “pare!” que foi ignorada. Se, entretanto, corrigirmos o rumo do barco, a seção final se tornará decididamente secundária ao resto do livro. De uma maneira ou outra, as primeiras duas partes deste livro – escrito com maestria e trazendo respostas a perguntas atemporais – devem ser relevantes mesmo quando o autor não estiver mais entre nós. 

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Há muito tempo um dos defensores mais espirituosos do conservadorismo, Jonah Goldberg se revela um de seus melhores teóricos contemporâneos, também. Com “Suicide of the West” ele nos proporcionou um mapa topográfico que indica o caminho para voltar do declínio. 

“Suicide of the West: How the Rebirth of Tribalism, Populism, Nationalism, and Identity Politics is Destroying American Society” [Suicídio do Ocidente: Como o Renascimento do Tribalismo, Populismo, Nacionalismo e das Políticas de Identidade Está Destruindo a Sociedade Americana], de Jonah Goldberg, ainda sem versão em português. Crown Forum. 464 páginas. R$ 85.

Troy Senik é vice-presidente de Política e Programas do Instituto Manhattan.

©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês

Tradução por Clara Allain

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