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Na França, proibiram o frete grátis da Amazon. Solução encontrada pela empresa? Cobrar apenas um centavo | EMMANUEL DUNAND/AFP
Na França, proibiram o frete grátis da Amazon. Solução encontrada pela empresa? Cobrar apenas um centavo| Foto: EMMANUEL DUNAND/AFP

A chegada da gigante varejista americana Amazon ao Brasil, apesar de restrita ainda à venda de livros, já desperta alvoroço entre os concorrentes, e mais recentemente fez o senado desengavetar uma ideia há muito esquecida pela maior parte dos brasileiros: congelamento de preços. Na teoria, a proposta do senado prevê que as livrarias não possam dar descontos maiores que 10% nos livros vendidos nos 12 primeiros meses depois do lançamento. Na prática a história é outra. 

A estratégia não é nenhuma novidade, como apurou o Estadão em abril do último ano, a gigante do setor, Livraria Saraiva chegou até mesmo ameaçar de não vender livros de 18 editoras nacionais. O motivo? Os descontos da Amazon. Segundo a coluna do jornal, a Amazon chega a vender livros mais baratos do que a Saraiva paga por eles das editoras, tornando a competição impossível. Sem sucesso nas ameaças, a proposta no senado parece ter ganhado um incentivo para avançar. 

Segundo o senador Lindbergh Farias, autor da proposta, a ideia é garantir que seja possível manter uma concorrência saudável no setor e impedir o fechamento das pequenas redes, ainda que isso signifique obrigar o consumidor a pagar mais caro por estes produtos. Detalhe: o governo, maior comprador de livros do país, fica desobrigado de cumprir tal norma. 

1 centavo de frete

Medidas como estas têm sido tentadas há anos em diferentes países, com destaque para o caso francês. Por lá, a Amazon foi proibida de oferecer frete gratuito aos seus clientes. Como consequência, a varejista adotou uma prática simples: passou a cobrar 1 centavo de euro em frete

A luta entre agentes reguladores e o mercado, incluindo aí compradores ávidos por preços menores e empresas buscando maiores lucros, costuma encontrar caminhos, mesmo os mais inusitados quando depara-se com agentes públicos buscando regular preços, e desta forma interferir pesadamente em um setor. Nada disso chega a ser novidade no Brasil, onde o congelamento de preços gerais na economia foi prática comum nos anos 80, em todos os casos sem qualquer sucesso — exceto o de criar vídeos fantásticos, que hoje podem ser conferidos no youtube, de supermercados fechados por vender Danoninho acima do preço de tabela. 

Casos como estes costumam ser um prato cheio para economistas, que mais do que cansados de repetir erros cuja história remonta ainda o Império Romano (quando o imperador Constantino implementou o primeiro congelamento de que se tem notícia), chegam a partir para o caso sob forma de ironia, como é o caso do economista e político francês do século XIX Fredéric Bastiat, que escreveu dentre suas obras a chamada petição dos vendedores de vela, na qual, supostamente representando esta classe produtiva, apelava ao governo francês para que tomasse medidas contra um competidor desleal, que fornecia luz de maneira gratuita: o sol. 

O caso é mais complexo e, nas palavras de um outro economista, James Buchannan, revela e muito a realidade que norteia nossos governantes: se entre ofertar melhores serviços ou apelar ao governo para garantir seu lucro, grandes empresas certamente optarão pelo segundo. 

Trata-se portanto de um caso simples de transferência de renda, na qual o dinheiro sai do seu bolso para os bolsos de grandes empresas concorrentes da Amazon, mas ainda assim, com implicações muito mais complexas. 

Quem paga é o mais pobre

Por se tratar de uma lei que regula apenas preços de livros em lançamento, seu impacto acaba sendo distinto entre camadas sociais também. Imagine por exemplo que a parte mais pobre da população, com menos tempo e costume de leitura (em partes graças a péssima educação pública, é sempre bom lembrar), costuma adquirir com maior intensidade livros recém lançados, em uma espécie de febre de lançamentos. Livros como “50 tons de Cinza” e “Game Of Thrones”, por exemplo. Desta forma, acabam pagando mais caro, ou mesmo tendo desincentivos para comprar tais livros. 

Para a população mais habituada à leitura, notoriamente a parte mais escolarizada de um país onde 30% dos trabalhadores sequer concluem o ensino médio, o hábito de comprar livros depende menos do fator de lançamentos. 

Ocorre que, ao contrário do que acreditam nossos estimados políticos, empresas não costumam ficar paradas e aceitar prejuízos de maneira passiva, buscando alternativas. Descontos maiores em livros mais antigos são uma maneira de escapar da lei. Suponha, por exemplo, que se um livro custa R$50 e a líder do setor é proibida de vendê-lo mais barato, ela decida colocar como opção a seus clientes um segundo livro de $10, que usualmente custaria $30, embutindo ali o desconto que a lei lhe proíbe. Tal ação geraria sem sombra de dúvidas um maior incentivo ao cliente com maior carga ou interesse de leitura, fazendo assim com que a camada menos apta a ler, ou com menos recursos, passasse a pagar o subsídio a estes leitores. 

O caso, é sempre bom lembrar, pode levar empresas a adotarem descontos ainda mais agressivo em livros fora do prazo de lançamentos, desta forma, o lucro extra obtido com best sellers cativaria um cliente para a empresa. 

Competição arruinada

Como ocorre via de regra, problemas estruturais do país deixam de ser atacados para adotarmos soluções paliativas. Nosso problema logístico é ignorado, burocracia idem, e assim por diante, para atender interesses pontuais, e gerar uma simplória satisfação de que o problema foi resolvido. 

Afinal, há o que temer no crescimento da Amazon, ou como resolver isso sem repassar a conta a população? 

A voracidade com que a gigante americana faz seus negócios não é um segredo para ninguém. Graças a práticas agressivas de descontos, que lhe permitem manter um Market Share de 47% no varejo online americano, a gigante já se tornou uma pedra no calcanhar de outra rede, conhecida pelos descontos também agressivos, o Wal-Mart

Apesar do público distinto entre ambas (já que o Wal-Mart concentra sua força em um público de menor poder aquisitivo), o resultado tem sido investidas para melhoria de logística e crescimento da parte de ambos. Por lá, a rede americana de supermercados (que também opera no Brasil), tem investido em adquirir empresas online, e aperfeiçoar seu modelo de entregas, permitindo por exemplo que funcionários façam entregas de produtos no caminho da volta pra casa, faturando com isso uma grana extra no fim do mês. 

Como você já deve ter notado, logística é o grande diferencial aqui. É o que faz a Amazon ao investir em um plano que permite aos seus clientes receberem produtos em até 2 dias, o Amazon Prime. Apesar de curto o prazo, a empresa espera poder realizar entregas dentro de até 1h, de produtos normais de supermercado. Já pensou em fazer compras no mercado e receber tão rápido quanto uma pizza? Pois é, é a grande aposta por lá. 

Como então podemos nos preparar para esta agressividade sem limites? No que depender do governo até aqui, não há muita esperança de que os pequenos possam de fato competir. 

Não mais do que algumas semanas atrás, o E-sedex foi extinto, impedindo varejistas onlines pequenos pudessem competir e encarecendo o custo final para você em quase 30% do valor do frete. 

Tudo isso favorece grandes redes brasileiras, como a B2W, dona da americanas.com e do submarino.com, que, descontentes com os serviços de correios, investiu mais de R$ 2,5 bilhões em logística no último ano e agora oferece às pequenas redes espaço em seu site para que vendam e tenham acesso à rede de distribuição criada pela empresa. 

Como se vê, problemas centrais no país como nossa logística deficitária, além da elevada burocracia para se manter um negócio regular, estrangulam pequenos vendedores, e demandam enorme atenção. 

Como esperar que uma empresa do interior do estado da Bahia possa competir por mercado com a Amazon? Para os senadores, com elevação e congelamento de preços. Para qualquer um que não tenha interesse em defender práticas como estas, o buraco costuma ser mais embaixo. 

Mudar a burocracia que impede pequenos negócios de prosperar é um passo importante, mas reconhecer que os senadores não têm condições de prever todos os problemas e oferecer soluções que gerem economia aos clientes é fundamental. 

Trata-se de uma maneira inteligente de defender empresas menores, buscando sinergias e melhoria no ambiente de investimento, mas sobretudo, de entender os erros do passado.

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