A estrela do filme "Matilda", Mara Wilson, aprendeu muito cedo que procurar seu próprio nome na internet era um erro. Ela ainda não era adolescente quando fez uma pesquisa sobre si mesma pela primeira vez e encontrou sites que prometiam falsamente fotos nuas dela, sem mencionar as pessoas que falavam sobre seu corpo em detalhes doentios. Depois, ela encontrou imagens do pé dela, junto de imagens semelhantes de outros atores jovens.
"Eu aprendi a rir dessas coisas", disse Wilson, agora com 30 anos, em uma entrevista por telefone. "E é realmente triste rir desse tipo de coisa quando se tem apenas 14 ou 15 anos".
Wilson deixou de ser uma estrela mirim e se tornou uma adulta estável com relativa facilidade, mas esse caminho está cheio de histórias delicadas para várias outras pessoas. As crianças de Hollywood sempre sofreram riscos que normalmente vêm da própria indústria. Basta lembrarmos das histórias de Judy Garland, que foi apalpada e assediada por pessoas como o produtor Louis B. Mayer.
Mas os desafios para as crianças que estão nessa indústria hoje estão mudando e crescendo com o aumento da internet e a popularidade das redes sociais. Agora, os atores infantis são bombardeados com elogios e críticas da mídia, de blogs e de vários desconhecidos, muitos deles anônimos.
Não há um consenso sobre como falar sobre atores mirins. Quando se trata dos filhos de um presidente, a regra é mais clara: é melhor não falar nada (ou lidar com as consequências). Quando o Daily Caller publicou uma reportagem cutucando Barron Trump (filho do presidente Donald Trump) por suas escolhas de roupas, Chelsea Clinton (filha de Bill e Hillary Clinton) postou no Twitter um pedido muito claro de que as pessoas deixassem o menino de 11 anos em paz – a postagem recebeu mais de 72 mil likes. Katie Rich, do "Saturday Night Live", foi suspensa do programa depois de ter postado nas redes sociais uma piada bastante criticada sobre o primeiro filho de Trump.
Mas os atores mirins não têm esse tipo de proteção culturalmente aceita, então são frequentemente tratados como adultos. O problema com essa linha de pensamento está se tornando mais evidente com as crianças da série "Stranger Things", um dos sucessos da Netflix. Por exemplo: as escolhas do guarda-roupa de Millie Bobby Brown, de 13 anos, são analisadas sem parar e muitas vezes de forma inconveniente durante os eventos de divulgação da segunda temporada do programa. Quando um ex-executivo da NBCUniversal comentou nas redes sociais sobre uma foto de Brown em um vestido de couro ("Millie Bobby Brown acabou de crescer na frente dos nossos olhos"), Mara Wilson (de "Matilda"), entre outras, o acusou de sexualizar uma menina.
Millie Bobby Brown just grew up in front of our eyes. (Sheâs 13!) #StrangersThings2 pic.twitter.com/5NanY9q2oq
â Mike Sington (@MikeSington) October 27, 2017
"Um corpo de 13 anos não é problema seu, a não ser que você seja a menina de 13 anos em questão", disse Mara Wilson em uma entrevista. "Não entendo porque achamos isso normal. Seria assustador se você falasse essas coisas para uma menina de 13 anos que está passando pela rua".
Seria mesmo, mas existe um padrão ambíguo para os jovens que são figuras públicas, e os meninos não estão imunes. Uma modelo de 27 anos fez o seguinte comentário no Instagram sobre o ator Finn Wolfhard, também de "Stranger Things", então com 14 anos: "dê em cima de mim em quatro anos".
Enquanto isso, fãs torcem publicamente por um relacionamento romântico entre o ator e Brown, chegando inclusive a manipular fotos dos dois para que pareçam juntos. E Wolfhard, cuja popularidade aumentou ainda mais desde que participou do filme "It", foi atacado no Twitter por pessoas o chamando de "rude" depois dele não ter parado para cumprimentar e dar autógrafos para fãs quando uma multidão se juntava na frente de seu hotel.
Alguns de seus colegas (Shannon Purser, de "Stranger Things", e Sophie Turner, de "Game of Thrones", que também cresceram sob os holofotes) o defenderam. Os que reclamavam, inclusive adultos, pareciam acreditar que Wolfhard devia isso a eles.
So, from one big sister to the world, don't you DARE make young actors feel guilty or indebted to you because they couldn't say hi.
â Shannon Purser (@shannonpurser) November 5, 2017
It doesnât matter if they are an actor... they are kids first. Give them the space they need in order to grow without feeling like they owe
â Sophie Turner (@SophieT) November 6, 2017
A internet piorou tudo
Antes da internet estar tão presente, era mais fácil proteger os atores mirins de tudo isso. Os pais e o agente de Mara Wilson liam as cartas que ela recebia dos fãs e tiravam as coisas estranhas para que ela não precisasse vê-las. Isso funcionava na maioria das vezes.
"Não era possível proteger de tudo", ela disse. "Isso se torna ainda pior com as redes sociais, que democratizaram toda a informação. Isso pode ser maravilhoso, mas também perigoso".
Atualmente, muitos contratos de filmes e televisão chegam a estipular que os atores devem ser ativos nas redes sociais, o que ajuda na publicidade das produções. Mas os professores de estúdio – pessoas que protegem e defendem as crianças nos sets de filmagem – estão preocupados com as implicações disso. Às vezes, especialmente com os mais jovens, país ou funcionários especializados ficam responsáveis pelas publicações. Mas nem sempre.
"Então eles acabam fazendo isso, muitas vezes sem supervisão", disse a professora de estúdio Sharon Sacks. "Eu acho que essa é uma coisa séria que deve ser monitorada por adultos".
Sacks trabalhou com Ariel Winter e outros atores mirins de "Modern Family" nos últimos nove anos, o que quer dizer que ela viu de perto as batalhas de como é crescer com a presença do público e da internet. Winter disse para o Hollywood Reporter que antes mesmo dela ser adolescente as pessoas diziam que ela era uma "vadia gorda" e uma "vagabunda". Durante algum tempo, ela decidiu mudar a sua aparência na esperança de evitar as críticas.
"Eu pensava 'Vou perder pesso, pintar meu cabelo, mudar minhas roupas… talvez eu esteja fazendo algo errado'. Mas nada ajudou", ela conta. "Eu recebi ainda mais comentários odiosos por estar tentando mudar".
E não são só os trolls da internet que usam uma linguagem adulta para se referir aos jovens atores. Isso acontece também na mídia e em fóruns mais conceituados. Brown frequentemente aparece no Tom + Lorenzo, um site especializado em moda, que discute a aparência de atrizes como Gal Gadot, de 32 anos, e Jessica Chastain, de 40. A TMZ enche Wolfhard de perguntas sobre beijar Brown para as câmeras. Em uma mesa-redonda na Comic-Con de San Diego, o comediante Patton Oswalt introduziu Wolfhard como o "ator que nasceu com o melhor nome para filme pornô de todos os tempos" (a tradução literal do nome do autor seria "lobo duro").
Dinheiro
Alguns podem até afirmar que os atores mirins, ao contrário dos filhos do presidente, sabiam que isso aconteceria quando escolheram essa carreira. E é um ponto relevante: se as crianças querem ser famosas, devem arcar com as partes ruins da fama também. Mas isso é simplificar demais uma situação bem mais complicada.
Crianças em geral não têm muita autonomia, mas os atores mirins estão particularmente presos em expectativas – de pais, produtores, agentes e fãs.
"Crianças não são vistas como crianças na indústria do entretenimento. Eles sempre foram vistas como um produto, um trabalhador. 'Nós te damos esse dinheiro, esperamos que você se comporte como um adulto'", disse Julie Stevens, que foi atriz mirim em seu tempo e trabalha como professora de estúdio desde a década de 90. Enquanto isso, alguns pais "fecham olhos e ouvidos porque não querem acabar com a oportunidade dos filhos. Ou a criança é o ganha pão da família – quem sabe?".
O dinheiro deixa a questão mais complicada ainda. Será que alguém deveria se sentir mal por uma criança que está ganhando muito dinheiro em um programa de sucesso? Atualmente, alguns estados, como a Califórnia e Louisiana, exigem que 15% do valor recebido pelo menor de idade seja depositado em uma conta que só pode ser acessada por ele quando tiver mais de 18 anos. Mas os pais podem controlar o restante do salário, o que quer dizer que não é incomum que um ator mirim chegue a idade adulta e descubra que não tem tanto dinheiro quanto achou que tinha.
Stevens diz que ela conhece atores mirins cujos pais não se preocuparam nem em fazer a dedução de impostos do dinheiro recebido pelas criançås.
"Então, quando fizeram 18, as autoridades foram atrás deles e pegaram tudo o que tinham – o que nem sempre é muito, já que muitos pais gastam a maioria do dinheiro", ela conta. "Eles tiveram que contratar advogados e entrar em acordos. É uma bagunça que acontece com muitos deles".
Além disso, muitos pais insistem para que os filhos entrem para carreiras em filmes ou programas de televisão. Stevens já teve que ligar para serviços sociais para denunciar uma mãe que forçava a filha a trabalhar em um programa de televisão durante o dia, mesmo quando estava doente, e a levava para uma rua de Santa Mônica de noite para pedir esmolas. A última vez que ela teve notícias da menina, ela estava participando de uma grande produção.
Além de ter que lidar com todas essas questões, os atores mirins de hoje lidam também com a repercussão online. É claro que nem tudo é negativo. A maioria das postagens no Twitter de Brown e Wolfhard recebem respostas ótimas dos fãs, que quase os cultuam. Mas isso também tem seus riscos.
"É difícil para um adulto se acostumar com esse mundo. Mas ser uma criança e receber toda essa adulação de adultos pode ser bastante viciante", disse Sacks. "O melhor que podemos fazer é tentar ajudá-los a entender que isso não é a vida".
Antes do Facebook e do Twitter existirem, Danny Tamberelli (um dos atores da série "As Aventuras de Pete e Pete") pensava como era ao mesmo tempo bom e estranho que os fãs aparecessem nas locações de filmagem para dar presentes para ele. Receber atenção era bom, mas hoje, aos 35, ele é grato que seus pais o ajudaram a ser mais pé no chão: eles inclusive o obrigaram a trabalhar em uma padaria num verão para aprender "quanto vale cada dólar". Hoje ele é músico, humorista e tem um podcast com seu colega de "Pete e Pete", Michael Maronna.
Ele acha necessário estar no Twitter, Instagram e outras plataformas por uma questão de publicidade, mas é feliz que esses sites não existiam quando ele participava de um programa de sucesso. Hoje em dia ele ainda recebe "vídeos estranhos e assustadores, às vezes de fãs".
Durante uma convenção recente, ele conheceu algumas das crianças de "Stranger Things" e ficou assustado com a necessidade deles de "criar conteúdo" o tempo todo, fazendo vídeos divertidos para alimentar os fãs.
"Algo nisso me deixa triste", ele conta, apesar de admitir que as crianças parecem gostar disso. "Não acho que eles deveriam se preocupar com isso. Aos 12, 13 ou 14 anos, eles deveriam se preocupar consigo mesmos e em se divertir".
É mais uma das maneiras com as quais a internet está forçando os atores mirins a crescer antes do que uma criança normal.
"Eu não acho que as crianças deveriam ter a responsabilidade de criar sua própria marca", ele diz. "É mais uma maneira das crianças que crescem nessa indústria caírem em um caminho ruim e se desconectarem da realidade, porque as redes sociais escondem as pessoas de verdade e criam a imagem de uma vida perfeita que não é real".