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Congressistas americanos querem aplicar a Alexandre de Moraes uma norma criada para punir integrantes do regime autoritário da Rússia.
No que depender dos republicanos Rich McCormick e Maria Elvira Salazar, a regra será usada para congelar bens de Moraes que estejam sob jurisdição dos Estados Unidos.
Os deputados se baseiam no Magnitsky Act, ou Lei Magnitsky, uma norma que surgiu após a morte de um advogado russo há 17 anos.
Moraes nunca conheceu Sergei Magnitsky e, ao que se sabe, não tem qualquer relação com o regime de Vladimir Putin. Mas o caso do advogado, que morreu atrás das grades, levou o governo americano a criar a norma que agora está sendo invocada contra Moraes.
Quem foi Sergei Magnitsky
Sergei Magnitsky era advogado e trabalhava em uma empresa privada de auditoria. Seus problemas com o regime de Putin começaram quando ele ajudou a revelar um esquema de fraude fiscal mantido por autoridades do governo russo. Segundo a denúncia, eles usavam uma empresa chamada Hermitage Capital Management para obter restituições de impostos de forma ilegal.
O esquema teria movimentado o equivalente a US$ 200 milhões e envolvia integrantes do Ministério do Interior de Putin.
O delator foi preso em 2008, logo após prestar depoimento sobre o caso. No ano seguinte, ele morreu de pancreatite dentro da prisão Matrosskaya Tishina, em Moscou. Magnitsky tinha 37 anos. Opositores de Putin afirmam que ele foi agredido dentro da cadeia e que a morte não teve causas naturais.
O martírio de Magnitsky continuou até mesmo depois disso. Quatro anos depois de ter morrido, em um julgamento incomum até mesmo para os padrões do regime autoritário russo, ele foi declarado culpado de evasão fiscal — o mesmo crime que havia denunciado.
O episódio levou as autoridades dos Estados Unidos a endurecer as sanções para responsáveis por violações dos direitos humanos no exterior.
O que diz a Lei Magnitsky
Em 2012, o Congresso americano aprovou uma norma conhecida como Magnitsky Act (que pode ser traduzido com Ato Magnitsky ou Lei Magnitsky). A norma tornou mais fácil ao presidente americano impor sanções a pessoas envolvidas na prisão e nos abusos cometidos contra o delator russo. A norma foi sancionada pelo então presidente Barack Obama.
Embora tenha originalmente sido elaborado para punir os responsáveis pela perseguição a Sergei Magnitsky, o programa ganhou uma expansão em 2016: o Global Magnitsky Act (Lei Magnitsky Global), que reforçou o escopo internacional das sanções. O governo americano, com a anuência do Congresso, agora tem o poder de determinar que empresas com operação em território americano bloqueiem os bens de criminosos que violem os direitos humanos em qualquer parte do mundo.
Em 2017, o governo Trump publicou um decreto detalhando a aplicação da norma. “Como resultado das designações de acordo com a Ordem Executiva (decreto), todas as propriedades e interesses em propriedade dentro da jurisdição dos EUA dos indivíduos e entidades designados são bloqueados, e as pessoas dos EUA são geralmente proibidas de se envolver em transações com eles”, afirma o governo americano. O termo “pessoas” inclui pessoas jurídicas. Com isso, bancos e outras instituições financeiras que operam nos Estados Unidos precisam seguir as sanções determinadas pelo governo.
A lista das pessoas passíveis de punição pela Lei Magnitsky inclui responsáveis por "abusos graves dos direitos humanos" e corrupção, mas também se estende para quem tenha assistido materialmente pessoas responsáveis por esses crimes.
Até o fim de 2023, o governo americano havia imposto sanções a 650 pessoas (físicas ou jurídicas) por meio da Lei Magnitsky Global.
A medida foi aplicada em 2022, por exemplo, contra Alyaksandr Lukashenka, o ditador de Belarus, e alguns de seus aliados. No ano seguinte, um dos alvos foi Horacio Cartes, então presidente do Paraguai e acusado de comandar um esquema de corrupção.
Como o caso pode ser aplicado a Moraes
Mesmo antes da denúncia feita pelos dois parlamentares republicanos, críticos de Alexandre de Moraes já acreditavam que o governo Trump pode enquadrar o ministro do STF na Lei Magnitsky.
Em fevereiro, Elon Musk — dono da rede social X e integrante do governo Trump — perguntou na plataforma se Moraes tem propriedades nos Estados Unidos. O comentarista Paulo Figueiredo Filho, um dos indiciados por “atos antidemocráticos”, respondeu que isso não é necessário para que o ministro tenha bens bloqueados com base na Lei Magnitsky: segundo Figueiredo Filho, os bancos — mesmo fora do Brasil — suspenderiam as contas de Moraes por receio de sanções secundárias.
“Interessante”, respondeu Musk, que já se envolveu em uma disputa pública com Moraes quando o ministro determinou que o X saísse do ar no Brasil.
No dia seguinte, o governo dos Estados Unidos divulgou uma nota em que critica a censura no Brasil. "O respeito à soberania é uma via de mão dupla com todos os parceiros dos EUA, incluindo o Brasil. Bloquear o acesso à informação e impor multas a empresas sediadas nos EUA por se recusarem a censurar indivíduos que lá vivem é incompatível com os valores democráticos, incluindo a liberdade de expressão", afirmou o comunicado do Departamento de Estado americano, que não menciona diretamente a Lei Magnitsky.
Em 26 de fevereiro, o Comitê Judiciário dos Estados Unidos aprovou um projeto que impede a entrada no país de autoridades que violem a liberdade de expressão. Defensores da medida afirmaram explicitamente que o objetivo é dar uma resposta à Suprema Corte do Brasil, especialmente a Alexandre de Moraes. O texto ainda precisa passar pelo plenário da Câmara dos Representantes e pelo Senado antes de passar a valer.
Em paralelo, o Trump Media Group, de propriedade do presidente americano, ingressou — ao lado da rede social Rumble — com um processo na Justiça americana contra Moraes. Na terça-feira, um tribunal da Flórida decidiu que as empresas não são obrigadas a cumprir as determinações de Alexandre de Moraes.




