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“Girls” é produzida pela HBO. | Divulgação
“Girls” é produzida pela HBO.| Foto: Divulgação

Com o fim da série ‘Girls’, cujo último episódio foi transmitido pela HBO Brasil neste domingo (16), quatro alvos de identificação feminina na TV nos últimos anos, Hannah, Marnie, Jessa e Shoshanna, dizem adeus a uma base de fãs apaixonada. ‘Girls’ faz parte de uma linhagem de séries focadas em quartetos, formados por personagens de personalidades drasticamente diferentes, que incitam a cada instante a identificação. É possível citar ‘Sex and the city’, ‘Entourage’ e, mais recentemente, a minissérie de sucesso ‘Big Little Lies’.

Talvez o primeiro exemplo (com a exceção de clássicos como “Golden Girls”) desse fenômeno foi ‘Sex and the city’ — também o exemplo mais massivo. A experiência de identificação com a série era tão intensa que tinha até mesmo sua própria gafe especial em muitos círculos — ninguém queria ser comparada com a Charlotte (e esse papel, em Girls, foi assumido pela personagem Marnie).

Agora, o prato principal, a série ‘Girls’, que terminou sua última temporada neste domingo. Se ‘Sex and the city’ foi o couvert duvidoso do qual você se arrependerá na hora de fechar a conta, e ‘Big Little Lies’ é a sobremesa surpreendente que acaba sendo a melhor memória do restaurante, ‘Girls’ foi o verdadeiro banquete da HBO para jovens adultas em busca de identificação. E esse fenômeno foi especialmente forte para pessoas com idades próximas às das protagonistas, recém formadas ou ingressando na faculdade, que puderam crescer com uma série que anualmente refletia seus medos sobre o futuro e tropeços do presente.

O que havia de diferente em Girls?

Lena Dunham segue uma cartilha bem diferente quando se trata de identificação, e se você apontou para uma personagem da série bem em seu início e pensou “Ah, ela é a minha cara!”, você passou por momentos tensos. Alguns dos arquétipos são bem parecidos nas duas séries, e é impossível não aproximar as liberais Samantha e Jessa ou as escritoras Carrie e Hannah. Mas a série de Dunham não escondia as falhas, tropeços (sérios ou leves) e incoerências das personagens, então, se você abraça as forças de Hannah e cia, você também foi forçado pela roteirista e diretora a abraçar seus defeitos e os observar em si. Dessa maneira, Girls se tornou uma experiência terapêutica para toda uma geração, que mudou e cresceu com as protagonistas, identificando comportamentos e questionando como mudá-los.

Como as quatro personagens principais de Girls cresceram?

Talvez a melhor pergunta seja, na verdade, como foi crescer com cada uma das quatro. A série é focada na personagem interpretada por Lena, Hannah, que foi de uma jovem com altas ambições literárias e baixa estima até uma futura mãe independente e empregada. Jessa se livrou das drogas e sexo livre que marcaram sua juventude e começa a pensar no futuro ao fim da série. Shoshanna foi da virginal, ingênua e controladora que pensava em cada passo de sua vida e carreira com 100 dias de antecedência para uma pessoa consciente dos rumos inesperados da vida, e muito bem ajustada a eles! Sobre a Marnie, bem, como contraponto de tanta evolução, Marnie, a mais racional e centrada ao início da série, se tornou tão egocêntrica que perdeu de vista todo o universo além de seu umbigo. O processo, porém, diz mais do que os resultados finais, e o caminho de cada garota foi difícil, e envolveu, desmistificando durante o processo, distúrbios mentais, revelações familiares, perdas, e ultimamente a conclusão mais importante da vida adulta: a de que muito do que ser adulto significa de verdade é saber improvisar diante de expectativas quebradas.

Uma das acusações mais recorrentes feitas a Girls pelo Supremo Tribunal da Cultura Pop (a Internet, claro) é a mesma de Sex and the city: que a classe social elevada das personagens diminuía as possibilidades de identificação. Os sapatos “Christian Louboutin” de Carrie ou o apartamento bancado pelos pais em New York de Hannah as tornavam distantes da nossa realidade diária. Isso não parou Jean Marc Vallee, diretor indicado ao Oscar, e David E. Kelley, roteirista famoso por seu trabalho nos anos 90 em Ally McBeal, de adaptar o livro Big Little Lies, de Liane Moriarty, e elevar ainda mais o jogo do luxo.

O resultado leva o mesmo título e foi uma minissérie de sete episódios com um elenco digno dos maiores filmes do ano. E adivinha só? Mesmo com mansões californianas intimidadoras e eventos escolares que parecem saídos das colunas sociais, o público achou espaço para se identificar com as quatro personagens principais, a assertiva Mackenzie, a suave Celeste, a bem sucedida Renata e a deslocada Jane. Além disso, a identificação ganha impacto social em Big Little Lies, que conta também a história de uma vítima de abuso e violência conjugal e pode ajudar o espectador a identificar esses traços em si e em amigos, impedindo que novos casos de abuso passem despercebidos.

Talvez John Hughes estivesse certo ao terminar seu famoso Clube dos Cinco dizendo que, na verdade, todos nós temos um pouquinho de cada arquétipo dentro de nós. O que nos fascina em séries como Girls, Sex and the city e Big Little Lies é que tal identificação pode mudar, se deslocar, nos fazer perceber verdades sobre nós que preferíamos ignorar ou que ainda nem se manifestaram. Terminamos Girls sabendo que somos sim, um pouco Hannah, Shoshanna, Jessa e Marnie. Sim, até a Marnie. Mesmo sendo uma identificação de difícil aceitação.

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