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Desfile de carro alegórico em São Paulo, no ano de 1962, quando o samba já havia se espalhado pelo país a partir do rádio: estratégia getulista era enaltecer a brasilidade | Acervo UH/ Folhapress
Desfile de carro alegórico em São Paulo, no ano de 1962, quando o samba já havia se espalhado pelo país a partir do rádio: estratégia getulista era enaltecer a brasilidade| Foto: Acervo UH/ Folhapress

De Norte a Sul do Brasil, o carnaval é uma das poucas festas que une culturas tão distintas. Um folião pode assistir ao desfile de uma escola de samba tanto em Aracaju e Porto Velho quanto em São Paulo ou Curitiba. E, ainda que alguns lugares não reservem à festa a grandiosidade do sambódromo da Marquês de Sapucaí, a essência da folia é basicamente a mesma. Poucos sabem, porém, que a perenidade e a uniformidade do carnaval brasileiro têm uma origem política.

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A folia faz parte de um processo que culminou com a propaganda nacionalista do ex-presidente Getúlio Vargas, que governou o país de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. É o que explica a historiadora e mestre em História da Música Maria Clara Wasserman. "O samba vinha sem uma identidade própria, com muitos ritmos ainda misturados. Com a difusão das rádios, vai se legitimando o que a gente conhece hoje como Samba de Estácio", explica Maria Clara. "Quando Getúlio chega ao poder, ele percebe o samba como movimento popular e, em 1932, regulamenta os desfiles de escolas de samba."

A historiadora afirma que foi a partir daí que o carnaval dos pobres, das escolas de samba dos morros, se misturou à folia dos ricos, marcado pelo desfile de corsos, com automóveis enfeitados que vieram a dar origem aos atuais carros alegóricos. E a propaganda getulista tratou de difundir aquela festa pelo país como símbolo de brasilidade.

Não apenas os desfiles, mas também as letras dos sambas foram incentivadas por Vargas. O cientista político Adriano Codato explica que o presidente encomendava de compositores renomados letras com conteúdo que enaltecesse a moral brasileira: "Canções como Recenseamento, de Carmen Miranda, e O Bonde São Januário, de Ataulfo Alves, que celebravam o trabalho ao invés da malandragem, são sintomáticas desse período", diz Codato. 

Visita à Alemanha

Tudo fazia parte de um plano de criação e enaltecimento de uma identidade nacional, que teve sua inspiração no sucesso da propaganda nazista. "Em 1933, o ministro de Relações Exteriores viaja à Alemanha para conhecer o regime de Hitler. Quando ele volta, Getúlio resolve criar um sistema de propaganda similar", conta Maria Clara. 

A criação do Departa­­mento de Imprensa e Pro­­paganda (DIP) foi responsável por difundir o samba da então capital federal para todo o país, por meio das rádios nacionais. "Aos poucos, o samba foi caindo no gosto do brasileiro", afirma a historiadora. Ela diz ainda que outras ações para popularizar a arte no Brasil incluíam o ensino de música nas escolas comandada pelo músico Heitor Villa-Lobos e a criação do Dia da Música Popular Brasileira, evento organizado em 1939.

Codato conta que essas estratégias iam além do controle das massas pela arte ou do controle das manifestações artísticas em si. O objetivo era conquistar apoio popular, que fosse na direção contrária a das oligarquias que haviam governado o país até então. "O predomínio paulista [na política nacional] era um obstáculo. O Brasil era um país hegemonizado por um estado que era quase monocultor de café. Para mudar o padrão econômico, de um país agroexportador para um país industrial, foi preciso quebrar a hegemonia paulista. Além de repressão e coerção, isso exigiu ações culturais desse tipo", afirma o cientista político.

A construção desse novo padrão econômico, portanto, criou uma das mais marcantes identidades nacionais, que persiste como a que mais é lembrada em outros países. Hoje, diz Codato, a folia tomou outro rumo: "Se antes o carnaval tinha uma função estatal, agora tem uma função privada de criar um consumidor para uma série de produtos.

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