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França, Revolução Francesa
Gravura de 1791 de Jacques-Louis David retrata o Juramento da Quadra de Tênis, quando deputados da Assembleia Nacional francesa, incluindo clérigos, juraram manter sua aliança em votação no local improvisado em Versalhes após a recusa do rei a recebê-los. O evento foi uma quinzena antes da Queda da Bastilha. Taxa de fertilidade francesa se manteve alta em locais administrados por clérigos refratários aos juramentos revolucionários.| Foto: Domínio Público

As pessoas passaram a ter menos filhos em países ocidentais porque ficaram menos religiosas, ou seja, por causa da secularização ou descristianização. Essa queda de fertilidade, que preocupa a muitos países hoje, aconteceu na França décadas antes da revolução de 1789, antecipando em cem anos o que aconteceria em outros países como a Inglaterra e o País de Gales.

As conclusões são de Guillaume Blanc, professor assistente de economia na Universidade de Manchester, Reino Unido, em um artigo divulgado para o público em fevereiro na revista Works in Progress.

O pioneirismo da França na transição da alta para a baixa fertilidade é bem conhecido entre os seus próprios historiadores. A transição teria acontecido por volta de 1760 e é chamada de “o fato mais importante de toda a sua história” por Alfred Sauvy, economista, demógrafo e sociólogo francês que viveu de 1898 a 1990.

Para tentar responder a esse grande mistério, Guillaume Blanc usou uma base de dados de árvores genealógicas gerada pela contribuição do próprio público. São séculos de história registrada de milhões de indivíduos comuns da cidade e do campo por todo o território francês. O pesquisador comparou os dados às pesquisas do Censo francês, que começou a ser feito somente a partir do século XIX, e a outras fontes representativas.

Para avaliar a religiosidade, ele usou indícios indiretos inteligentes como a forma como os indivíduos escreviam os seus testamentos: os parágrafos de abertura foram cada vez mais perdendo referências à fé e citações religiosas. O padrão veio em desafio à Igreja Católica, que enfatizou a lição bíblica de “crescei e multiplicai-vos” especialmente a partir da Contra-Reforma (meados do século XVI em diante).

Quando veio a Revolução Francesa, as novas autoridades estatais exigiram que os clérigos jurassem lealdade ao regime, que ficava cada vez mais anticlerical, ao ponto de alguns revolucionários seguirem a “Deusa Razão”, que representava os ideais do Iluminismo. Alguns se recusaram. Blanc descobriu que “indivíduos que nasceram em lugares com o clero refratário [que recusou o juramento] tiveram mais filhos; o efeito é grande, estatisticamente significativo, e robusto”.

Blanc falou com a Gazeta do Povo a respeito de seus resultados: “eles são bem generalizáveis”, declarou o economista, que usou uma série de técnicas para afastar fatores de confusão e realçar uma relação de causa. “Através do tempo e do espaço, mostrou-se que a religiosidade se correlaciona de forma positiva com a fertilidade”, ou seja, aderir à religião é algo que caminha junto com ter mais filhos. “Uma questão em aberto é quando isso começou”.

“Creio que a conclusão mais importante da minha pesquisa, se a aplicarmos ao mundo de hoje”, continuou Blanc, “é que a fertilidade baixa, que é uma questão restritiva, não é o fim do mundo”. Mas a França certamente pagou o preço de perder poder no palco internacional, esclarece o cientista.

Perguntado se a secularização é mesmo a principal culpada pela queda de fertilidade francesa, não outros fatores como nível educacional, Blanc disse que “não, meus resultados sugerem que é a perda da influência da Igreja Católica”. A virada de 1760 precedeu a educação em massa em no mínimo um século. A secularização foi um processo de baixo para cima, não imposto por elites, e foi concomitante ao Iluminismo. Porém, o Iluminismo não serve como explicação porque se espalhou pela Europa sem ser acompanhado em todo lugar de secularização. “Em suma, foi uma mudança de ideias e normas/crenças”.

Enquanto a secularização pré-revolucionária francesa foi um processo popular e orgânico, a secularização em ditaduras comunistas como a de Mao na China e a de Lênin na Rússia foi forçada. Blanc acredita o estudo dessa diferença poderia ser frutífero. Um fato interessante é que o relaxamento da política do filho único na China não foi acompanhado por um aumento na fertilidade, que continuou baixa.

A história de que a Revolução Francesa trouxe a secularização também à força certamente encontra respaldo na perseguição do clero resistente ao juramento ao regime, mas Guillaume Blanc acredita que foi o povo que trouxe o ambiente cultural que fez tanto a secularização quanto a revolução: “Os franceses não apenas rejeitaram os ensinamentos da Igreja, mas também a monarquia (e as elites), que tinham fortes laços com a Igreja”.

Fertilidade em queda no Brasil

É importante entender as causas da queda de fertilidade pois o assunto preocupa a muitos países. O número médio de 2,1 filhos por mulher é necessário para manter uma população estável em seu tamanho — a estatística é conhecida como “taxa de reposição”. A taxa média da Europa atualmente está em torno de 1,59.

Dois terços dos países europeus implementaram políticas para incentivar que casais tenham filhos, que vão do perdão de dívida e distribuição de dinheiro — na forma de bolsas permanentes ou pagamentos únicos para cada nascimento — aos incentivos fiscais para que empregadores deem licença maternidade e paternidade para os funcionários. Até Vladimir Putin está preocupado com a taxa russa, que registrou a mínima histórica de 1,16 filho por mulher em 1999, subindo para 1,48 antes da invasão da Ucrânia.

O Brasil foi pego de surpresa pelo Censo 2022, que revelou uma taxa de 1,6 filho por mulher e uma população geral abaixo das projeções. Os brasileiros continuam bastante religiosos, mas a parcela da população sem religião tem crescido nas últimas décadas: eram 10% em 2020, segundo o Datafolha.

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