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No livro o 'O Pequeno Caio', Clésia Mendes Zapelini enfatiza a importância do apoio de outras pessoas que perderam um ente querido.
No livro o ‘O Pequeno Caio’, Clésia Mendes Zapelini enfatiza a importância do apoio de outras pessoas que perderam um ente querido.| Foto: Jonatán Becerra/Unspalsh

No livro o 'O Pequeno Grande Caio' (LC Editorial), a pedagoga e palestrante Clésia Mendes Zapelini narra sua busca por um novo sentido para a vida após a morte do filho mais velho, vítima de uma doença rara aos 10 anos.

Em um relato extremamente pessoal, a autora conta como lidou com os diagnóticos apresentados pelos médicos (muitos deles errados), organizou o funeral, doou os pertences do menino e se reencontrou como mãe ao adotar dois adolescentes. No trecho a seguir, ela enfatiza a importância do apoio de pessoas que também vivenciaram a experiência de perder um ente querido.

No segundo dia em que estávamos almoçando sozinhos, decidimos ir a um restaurante próximo de casa. Ao chegarmos lá, encontrei a Inês, uma colega que havia perdido um filho há algum tempo.

Fui até ela rapidamente e perguntei quando a vida voltaria ao "normal", quando aquele vazio doloroso que sentíamos desapareceria. Era uma sensação não apenas emocional, mas também física.

Parecia que não havia mais nenhum órgão dentro do meu corpo. Por isso, eu queria muito perguntar para outras mães que também haviam perdido seus filhos como conseguiram seguir em frente. Portanto, encontrar a Inês naquele dia foi um presente.

Perguntei quando essa sensação ruim passaria e quando seríamos capazes de seguir em frente, apenas sentindo saudade do nosso filho. A Inês respondeu que os primeiros três meses seriam muito difíceis, mas, depois, a saudade e os momentos de tristeza estariam presentes, porém seguiríamos uma nova rotina.

Ela me disse para ficar tranquila, pois ainda era muito recente. Apeguei-me às palavras da Inês, pois o fato de saber que em algum momento isso passaria já me trouxe certo alívio.

Quando estamos passando por algo assim, no momento presente, não conseguimos pensar, refletir ou imaginar que um dia isso poderá passar. A dor é tão intensa que em nossos pensamentos ela parece que nunca terá fim.

Acreditamos que sempre carregaremos essa sensação, que será assim para sempre. Portanto, saber que alguém passou por isso e conseguiu encontrar motivação para alcançar outros objetivos na vida trouxe conforto ao meu coração.

Além de conversar com a Inês, também tive a oportunidade de falar com a Sirlei, uma mãe que perdeu a filha quando, esta, tinha sete anos de idade. Fiz as mesmas perguntas que havia feito para a Inês.

Tive uma bela surpresa, um presente em sua resposta, pois a Sirlei mencionou: "Fique tranquila, nos primeiros três meses é assim mesmo, tudo muito turbulento. Após esse período, você vai começar a viver sua vida".

Ao ouvir essas palavras, meu coração se sentiu ainda mais aliviado, pois eram duas mães que haviam perdido seus filhos e compartilhavam seus sentimentos e as mesmas percepções. Essa conversa foi extremamente importante para que eu pudesse reorganizar a minha mente.

Após conversar com as duas mães, cheguei em casa, peguei um calendário e marquei a data que fecharia os três meses. Assim como as crianças fazem quando estão aguardando a viagem dos sonhos.

Cada vez que se aproximava da data para chegar aos três meses, meu coração já ficava mais tranquilo. Claro que não foi só o calendário, mas todas as atitudes que tínhamos diariamente tentando o fortalecimento da vida para continuarmos a caminhada. O calendário ajudou muito como uma forma de visualizar e trabalhar o emocional, diante dos sentimentos que afloravam a cada dia que passava.

Em dois de julho de 2022, em um passeio, encontrei a Sirlei. Manifestei para ela que estava fazendo cinco anos de falecimento do Caio. Aproveitei a oportunidade e disse o quanto foi importante a fala dela para mim quando o Caio partiu.

Ela, com a sua experiência de mãe, acalantou o meu coração e me deu força e coragem para eu seguir em frente. Por esses e por tantos outros motivos que, mesmo passando pela partida do Caio, preciso agradecer muito a Deus por todas essas pessoas que são verdadeiros presentes em nossas vidas.

Como não tínhamos outros filhos naquela época, tínhamos medo dos caminhos que seriam trilhados dali em diante. Então, quando chegava alguém com tranquilidade que vivenciou essa experiência, narrava a sua trajetória e nos aconselhava a seguir em frente, isso era muito valioso.

Muitos medos tocavam a nossa alma, nos perguntávamos se seriamos novamente felizes, se conseguiríamos seguir a nossa vida profissional com dedicação e ânimo. Olhávamos para as pessoas e a sensação era a de que estávamos em mundos diferentes.

Conversar com a Sirlei e a Inês não significou que as nossas dores e medos eram os mesmos. Cada uma viveu a suas experiências de acordo com a sua trajetória de vida. Porém, considero que trocar ideias, vivências com pessoas que passaram pela mesma situação, colaborava.

Quando eu parava para pensar a respeito de toda essa experiência de morte e vida que eu havia passado, logo lembrava do professor Jorge Larrosa, da Universidade de Barcelona. Ele mencionava, em suas obras, que a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece. Portanto, perder um filho é comum para várias mães, porém, a experiência de cada uma é individual.

As crianças podem ter as mesmas doenças, fazer os mesmos tratamentos, ter o mesmo diagnóstico, porém, não significa que cada mãe, cada pai, passará pela mesma experiência. Cada um é tocado de forma diferente. Portanto, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não têm a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é singular.

“A dor que não tem nome”, relato de uma mãe diante da partida prematura de seu filho, é o título do livro escrito por Maria Eugênia de Azevedo, em 2010. Ela narra a partida do jovem Duda, seu filho, de apenas 16 anos.

O que temos em comum é a perda de um ser tão amado, no entanto, cada uma ressignificou de uma forma essa experiência dolorosa. A partir de nossas memórias colecionadas com os nossos filhos, apoio da família e dos amigos, cada uma segue a sua caminhada.

Maria Eugênia menciona sobre essa dor que não tem nome. Podemos dizer que não tem nome e não tem o mesmo sentimento. Cada uma pode, com o seu olhar empático, conseguir observar o que acontece com outra mãe.

Porém, isso não é definitivo, porque o acontecimento, como menciona Larrosa, é o mesmo, mas a experiência que nos toca, o que nos atravessa, é singular. Impossível de ser repetido em sentimentos e pensamentos, pela individualidade de cada ser. Depende muito da forma singular de como estamos vivendo nesse mundo.

Aproveito para pensar nesse conceito e refletir que as experiências que tivemos ao longo desses dez anos e meio foi tão intensa que, mesmo diante da sua partida, continuaríamos sendo três. Tudo o que vivemos ficou registrado no nosso corpo e na nossa mente.

Então, é impossível dizer que ficamos em dois após a morte do Caio. A experiência foi tão grande que nos atravessou e fez uma linda morada no interior do nosso ser. Portanto, sempre seremos três pelas singularidades do viver.

Depois de viver intensamente cada dia da existência do Caio, nada volta ao que era antes. Todos esses registros afetivos auxiliam para termos, inclusive, uma vida melhor com o Samuel e o Gabriel. Então, não somos mais três, somos cinco.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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