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Paul Mugumya,  7, passou por três operações de hérnia até que os cirurgiões perceberam que ele tinha  tumores | CHARLIE SHOEMAKER/NYT
Paul Mugumya, 7, passou por três operações de hérnia até que os cirurgiões perceberam que ele tinha tumores| Foto: CHARLIE SHOEMAKER/NYT

Em uma iniciativa notável, inspirada na campanha contra a Aids na África, duas grandes empresas farmacêuticas, trabalhando com a Sociedade Americana do Câncer, vão reduzir os preços de remédios contra a doença em alguns países do continente africano.  

Sob o novo acordo, as empresas – a Pfizer, que tem sede em Nova York, e a Cipla, de Mumbai – prometeram reduzir os preços de 16 medicamentos quimioterápicos comuns. O acordo, fechado a princípio com meia dúzia de países, será capaz de oferecer tratamento necessário para dezenas de milhares de doentes que, sem essa negociação, poderiam morrer.  

A Pfizer garantiu que seus preços serão apenas um pouco acima dos custos de fabricação. A Cipla afirmou que venderá algumas das pílulas por US$0,50 e algumas perfusões a US$10, uma pequena parte do que custariam em países ricos.  

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O acordo de redução de preços vem com um bônus: importantes oncologistas norte-americanos vão simplificar as complexas diretrizes de tratamento do câncer para hospitais africanos pouco equipados, e uma equipe de programadores da IBM colocará essas regras em um equipamento online disponível a qualquer oncologista que tiver uma conexão de internet.  

"Ler isso me deu arrepios. É uma ideia fenomenal e acho que há uma boa chance de funcionar", afirmou o doutor Anthony S. Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas, depois de ver um esboço do acordo.  

O acordo o lembrou do trabalho que fez em 2002 na preparação do Plano de Emergência Presidencial para o Alívio da Aids. O PEPFAR (da sigla em inglês para President’s Emergency Plan for AIDS Relief), como ficou conhecido, tem sido um sucesso: mais de 14 milhões de africanos agora têm acesso a drogas anti-HIV, muitos deles graças à ajuda norte-americana.  

"É exatamente o que aconteceu naquela época. Encontrar os países mais afetados, descobrir como abordar o tratamento de maneira diferente em cada um deles e conseguir diminuir os preços", contou.  

O Instituto do Câncer no Hospital Mulago, em KampalaCHARLIE SHOEMAKER/NYT

Hoje, o câncer mata cerca de 450 mil africanos por ano. Até 2030, causará a morte de quase um milhão de pessoas por ano, segundo previsões da Organização Mundial de Saúde. Os cânceres mais comuns na África são os mais tratáveis, como tumores nas mamas, cervicais e prostáticos.  

Mas aqui, em geral, eles são letais. Nos Estados Unidos, 90 por cento das mulheres com câncer de mama sobrevivem por cinco anos. Em Uganda, esse número cai para 46 por cento. Na Gâmbia, fica somente em 12 por cento.  

O complicado acordo foi firmado pela sociedade de câncer, com a Iniciativa Clinton de Acesso à Saúde; a IBM; a Rede Nacional Abrangente de Câncer, uma aliança de importantes hospitais de câncer norte-americanos; e a Coalisão Africana de Câncer, uma rede de 32 oncologistas em 11 países da África.  

"Tenho um amigo na minha cidade cuja filha sofre de câncer, e não pude acreditar na quantidade de apoio que ela conseguiu, como jogos especiais de lacrosse e camisetas", diz Meagan O-Brien, diretora de tratamento global de câncer da sociedade e principal organizadora do acordo.  

"Não há nada parecido na África – mas posso salvar uma criança com leucemia por US$300. Essa é uma doença que tem 90 por cento de taxa de cura nos Estados Unidos, e mata 90 por cento dos doentes na África."  

Flavia Anyesi, 4, trata de um linfoma de Burkitt no Instituto do Câncer no Hospital Mulago, em KampalaCHARLIE SHOEMAKER/NYT

Sem recursos

À medida que os africanos sobrevivem até a meia idade ou se tornam idosos, o número de afetados pelo câncer cresce rapidamente. Mas a maioria dos países aqui está mal equipada para a batalha.  

Existem poucos oncologistas, máquinas de radioterapia ou conjuntos cirúrgicos avançados. Os tumores em geral têm diagnóstico errado ou são até considerados casos de feitiçaria, e 80% não são detectados até se espalharem para os gânglios linfáticos ou para órgãos distantes.  

Os médicos frequentemente veem casos muito piores dos que os profissionais ocidentais: bebês com tumores do tamanho de metade de suas cabeças, mulheres com tumores no seio que parecem bolas de golfe e que partiram a pele, de onde escorre um sangue pútrido.  

Em um dia de julho, Brenda Nakisuyi, de 17 anos, sentou-se quieta e desanimada em um quarto escuro do Kawempe Home Care, um albergue para crianças com câncer em Kampala, Uganda. Um linfoma de Burkitt havia aberto sua bochecha, deixando uma cratera como se uma bomba houvesse explodido em sua boca.  

"Em nossa vila, as pessoas conhecem malária, HIV e febre tifoide – mas não conhecem câncer. Eles falavam que a Brenda estava enfeitiçada e começaram a evitá-la", contou a mãe da garota, Florence Namwase, de 48 anos.  

Brenda Nakisuyi, 17, também tem linfoma de BurkittCHARLIE SHOEMAKER/NYT

Mesmo quando estão sofrendo, as vítimas muitas vezes são pobres demais para viajar atrás de tratamento. Os pacientes que conseguem o dinheiro para chegar aos hospitais urbanos frequentemente dormem em tapetes nas varandas ou nos parques quando não estão tomando suas perfusões diárias, ou enquanto esperam pelos resultados das biópsias, que podem levar semanas.  

"Quando você não está se sentindo bem e precisa dormir sob as árvores, você acha que é realmente possível descansar em paz?", pergunta Proscovia Mutesi, de 50 anos, ex-secretária de escola que perdeu um olho e parte da mandíbula por causa de um câncer.  

Sentada em uma cama que conseguiu recentemente na Fundação de Caridade de Câncer, um albergue para adultos em Kampala, ela se lembrou da batalha de sete anos para retardar o tumor que estava acabando com seu rosto. 

"Eu venho lutando", contou. Em alguns anos, conseguiu juntar US$110 para uma sessão de quimioterapia ou US$85 para a radiação. "Mas algumas vezes eu não tinha um centavo. E depois a máquina de radiação quebrou."  

Faltam especialistas

Um dos motivos de haver pouco tratamento é a falta de mais especialistas em câncer. A Etiópia, um dos seis países cobertos pelo novo acordo, tem apenas quatro oncologistas para seus 100 milhões de habitantes. A Nigéria tem cerca de 40 para uma população de 186 milhões de pessoas.  

O instituto de câncer do hospital nacional de Uganda, fundado em 1967, tem um edifício novo e impecável para ensaios clínicos, erguido pelo Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson. Mas o país possui apenas 16 oncologistas e sua única máquina de radioterapia – a que Mutesi usava – está quebrada há mais de um ano.  

Registos médicos arquivados no Institudo de Câncer no Hospital de Mulago, em KampalaCHARLIE SHOEMAKER/NYT

Antes que suas peças de 21 anos quebrassem, a fonte de cobalto da máquina se tornou tão fraca que as sessões que deveriam durar minutos demoravam uma hora.  

Os 16 medicamentos que Pfizer e a Cipla vão vender tem nomes pouco conhecidos como vinblastine, bleomycin e fluorouracil. Eles são remédios antigos de quimioterapia e hoje estão disponíveis como genéricos.  

"Esses 16 não serão suficientes – são cerca de metade do que precisamos", afirma Moses Kamabare, gerente geral das Lojas Médicas Nacionais de Uganda, o setor de compras do ministério da Saúde.  

"Mas em termos de valor, eles são cerca de 75% do nosso orçamento atual de oncologia. Então estamos muito, muito gratos por essa chance de conseguir remédios de qualidade por um preço melhor."  

Um aspecto inovador do acordo é a tentativa de superar a grave escassez de oncologistas. Na África, os profissionais da oncologia não podem se especializar. Cada um deles precisa saber tratar de câncer nos ossos, cervical, leucemia e vários outros. Mas cada protocolo de tratamento tem várias páginas – juntos, possuem muito mais informação do que qualquer médico consegue memorizar.  

Ratibu Asiligwa, 10, com sua mãe Jackline Kabeye, faz quimioterapia e toma morfina para aliviar a dor causada por rabdomiossarcoma, um câncer no músculo esqueléticoCHARLIE SHOEMAKER/NYT

Orientação online

Por isso, O-Brien também recrutou a Rede Nacional Abrangente do Câncer, que reuniu especialistas dos 27 principais hospitais de câncer norte-americanos que estão escrevendo diretrizes que vão publicar na internet para que oncologistas de todo o mundo possam usar.  

Agora, os membros estão dividindo essas diretrizes em quatro níveis para hospitais com capacidades diferentes, explica o doutor Robert W. Carlson, chefe executivo da rede.  

No câncer de mama, por exemplo, "se você não pode fazer uma mastectomia ou usar o tamoxifeno, talvez seja melhor nem tentar tratar", diz ele.  

O próximo nível inclui cirurgia para poupar tecidos, radiação e quimioterapia básica; um terceiro incluiria reconstrução com implantes e quimioterapia com anticorpos monoclonais como o Herceptin.  

Quando examinou pela primeira vez o tratamento na África, conta O-Brien, "Fiquei desesperada com a pouca atenção dada".  

"Nos Estados Unidos, desde os anos 1960, transformamos o câncer de uma doença assustadora e inevitavelmente fatal em algo que podemos vencer. Esse triunfo humano ainda não cruzou a fronteira da África", diz ela.  

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Publicado por Ideias em Quarta-feira, 18 de outubro de 2017
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