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Alunos em seminário de verão da Universidade de Austin: primeira turma de graduação a caminho.
Alunos em seminário de verão da Universidade de Austin: primeira turma de graduação a caminho.| Foto: Divulgação/Universidade de Austin

Nos últimos dias, as presidentes de Harvard e da Universidade da Pensilvânia — ambas integrantes da prestigiosa Ivy League — ganharam o noticiário por não responderem diretamente se permitiram a defesa do genocídio de judeus nas instituições.

Em depoimento em um comitê do Congresso americano, Claudine Gay e Liz Magill disseram que a resposta dependeria do contexto. A falta de um posicionamento claro diante de uma pergunta direta expôs um padrão duplo: as universidades que Claudine e Liz presidem punem professores que usam pronomes errados ao se dirigir a estudantes ou pisam fora da linha em temas raciais.

A falta de critério ajuda a explicar porque um grupo de acadêmicos resolveu criar uma universidade anticancelamento: a Universidade de Austin, no Texas. A iniciativa foi anunciada dois anos atrás. Agora, a instituição começa a ganhar corpo. Em novembro, ela recebeu o credenciamento que a permite receber os primeiros alunos. O processo de seleção já está em andamento, e as aulas de graduação vão começar em agosto de 2024.

A locação não foi escolhida por acaso: o Texas é um estado de inclinação conservadora e, ao mesmo tempo, Austin é conhecida por abrigar uma população mais à esquerda que a média dos texanos. Um ambiente propício para o livre debate de ideias.

Sem restrição ideológica

A Universidade de Austin é presidida por Pano Kanelos, um especialista em Shakespeare, doutor pela Universidade de Chicago e ex-professor da Universidade de Stanford. Ele concedeu uma entrevista à Gazeta do Povo.

Kanelos explica que a instituição — que não tem filiação religiosa — quer ter alunos de diversas matizes ideológicas. “Provavelmente temos mais candidatos que se identificam como conservadores do que a média das universidades, mas estamos longe de ser uma universidade exclusivamente para conservadores”, afirma.

O presidente também diz que a procura pela Universidade de Austin tem ficado acima do esperado. “A abertura de inscrições foi feita às 9h30 da manhã de 8 de novembro. No primeiro minuto, recebemos o primeiro candidato. Nós tivemos mais de 100 no primeiro dia, e estamos buscando apenas 100 estudantes para a primeira turma”, diz.

Ao contrário do que ocorre em outras instituições de ensino, o único critério de seleção é a competência. As normas da universidade estabelecem que “a admissão e as decisões sobre a graduação serão feitas sem qualquer consideração sobre raça, gênero, orientação sexual, filiação política ou fé religiosa.” O mesmo vale para as decisões sobre contratação e promoção de professores.

Currículo incomum

A Universidade de Austin busca retomar a tradição de artes liberais – modelo de educação superior em que o estudante recebe uma formação em diversas áreas em vez de focar desde o início em um campo estreito do conhecimento. Por isso, o único diploma oferecido inicialmente será o de "estudos liberais".

O currículo tem três componentes principais. Nos primeiros dois anos, a prioridade são as "fundações intelectuais": a ideia é apresentar os alunos à tradição intelectual do Ocidente. Eles lerão autores como Homero, Euclides, Descartes, e George Orwell — além do livro de Gênesis e do Evangelho de João.

Nos dois anos seguintes, os alunos passarão adiante para o “Centro de Investigação”, onde vão se dedicar a um campo mais específico do conhecimento. Os universitários terão de escolher dentre três áreas do conhecimento. A primeira é a de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática. A segunda é a de Economia, Política e História. A terceira, a de Artes e Letras.

Os alunos da Universidade de Austin também vão participar, do ano 1 ao 4, do “Projeto Polaris”, em que cada estudante vai liderar um projeto "para construir, criar ou descobrir algo que supra uma necessidade humana urgente."

Se o roteiro funcionar conforme o planejado, os estudantes sairão da universidade com uma fundação intelectual sólida e uma formação prática orientada para a resolução de problemas. Isso deve evitar dois problemas comuns no modelo acadêmico predominante: o do aluno que ignora tudo o que não pertence à sua disciplina de escolha e o do aluno que se forma sem ter uma habilidade capaz de lhe assegurar um emprego.

Custo reduzido

Não é só o perfil acadêmico que distingue a Universidade de Austin das demais. O custo também é menor: US$ 32,5 mil (R$ 160 mil) por ano. A Universidade do Texas em Austin, por exemplo, custa US$ 78,2 mil (R$ 390 mil) anuais para moradores do Texas e US$ 90,7 mil (cerca de R$ 450 mil) para quem é de fora.

A Universidade de Austin não terá, por ora, os penduricalhos que são tratados como obrigatórios em outras instituições americanas — como as instalações esportivas grandiosas e uma ampla burocracia para implementar ações de “diversidade e inclusão”. Com isso, o custo de operação será mais baixo.

“A educação superior se tornou tão cara porque ela foca mais, nesses dias, na experiência dos estudos e não na missão fundamental, que é educação, acadêmica”, afirma Kanelos. “Vamos ter salas de aula, um monte de livros por toda parte e alguns dormitórios espartanos. Os alunos vão cozinhar a própria comida”, exemplifica.

Mas a primeira turma não vai ter de se preocupar com a mensalidade. Todos os alunos que ingressarem em 2024 terão quatro anos de bolsa garantida. Ou seja: o curso simplesmente vai sair de graça — o que é uma raridade nos Estados Unidos. Os dez melhores candidatos também ganharão um auxílio de US$ 100.000 (cerca de R$ 500.000). O valor foi bancado com doações de grandes empresários que apoiam o projeto.

Se tudo ocorrer conforme o planejado, as aulas continuarão acontecendo no centro de Austin por cinco anos. Depois, a universidade vai se mudar para uma área maior nos arredores da cidade. “Provavelmente vamos ser uma universidade pequena ou média, tendo entre 5 e 7 mil estudantes”, afirma Kanelos.

Padre ortodoxo como professor

O grupo de professores da Universidade de Austin reúne intelectuais que questionaram a radicalização ideológica da academia nos Estados Unidos — como o historiador Neil Ferguson, a jornalista Bari Weiss e o padre ortodoxo Maximos Constas, que pediu demissão do posto de professor em Harvard para viver por sete anos em um mosteiro na Grécia. A universidade terá ainda uma cátedra de "Política, Censura e Liberdade de Expressão", chefiada pelo escritor Michael Shellenberger.

A rejeição à cultura do cancelamento, aliás, é uma das prioridades na Universidade de Austin. Com cada vez mais frequência, as grandes universidades têm se tornado reféns de grupos que impedem eventos e, por diferentes meios, censuram a opinião de grupos conservadores. Já na Universidade de Austin, as regras preveem uma proteção ampla à liberdade de expressão.

À Gazeta do Povo, Kanelos afirmou que o objetivo é permitir o debate franco e aberto que costumava caracterizar as universidades ocidentais até a emergência do politicamente correto. Ele diz que um protesto a favor da Palestina seria permitido no campus da Universidade de Austin — mas não uma manifestação que defendesse o genocídio de judeus. “Não é possível pedir por um genocídio sem ameaçar outros seres humanos, implicitamente ou explicitamente”, afirma.

No universo das quase 4.000 instituições de ensino superior americanas, a maior delas com tendência progressista, o impacto da Universidade de Austin deve ser modesto. Mas, se suceder, a instituição terá demonstrado que é possível sobreviver sem ceder à agenda politicamente correta.

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