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A atriz norte-americana Amber Heard (esquerda) e o ator norte-americano Johnny Depp durante o julgamento
A atriz norte-americana Amber Heard (esquerda) e o ator norte-americano Johnny Depp durante o julgamento| Foto: EFE/EPA/JIM LO SCALZO

A vitória alcançada pelo ator americano Johnny Depp no processo de calúnia movido contra a sua ex-esposa, a atriz Amber Heard, reacendeu o polêmico debate sobre falsas acusações de estupro e violência contra mulheres. Heard foi declarada culpada por unanimidade pelo júri do tribunal da Virgínia, nos Estados Unidos, por declarações falsas feitas em um artigo que escreveu para o Washington Post, em 2018, em que acusava Depp de violência doméstica, e terá que pagar a ele pouco mais de US$ 8 milhões  — equivalente a R$ 41 milhões na cotação atual.

Após quase seis semanas de batalha judicial, o julgamento ganhou destaque nas redes sociais devido à transmissão ao vivo por canais de televisão e de internet. A live do veredito final superou o recorde mundial de quantidade de espectadores simultâneos de 3,3 milhões de pessoas, conquistado pela cantora Marília Mendonça em abril de 2020. Para o público, ficou claro que as acusações feitas pelo ator eram verdadeiras, como a agressão feita por Amber com uma garrafa, que quase decepou o dedo de Depp; ou confissão de Amber de que defecou na cama do casal.

Depp conseguiu, assim, reverter um quadro extremamente desfavorável. O ator, que a partir do início das acusaçõe foi demitido de vários papéis que interpretava no cinema, como o de Gellert Grindelwald no filme ‘Animais Fantásticos’, agora recebe apoio de artistas de Hollywood, como Gina Carano, Robert Downey Jr, Jennifer Aniston e Eva Green; algo nunca ousado desde o início do movimento Me Too.

Amber, que se diz de coração partido e decepcionada com a decisão, acredita que esta se deve “ao poder e influência desproporcionais” de seu ex-marido, que teria subjugado “uma montanha de evidências”. Depp, que também terá que pagar à ex-mulher US$ 2 milhões por conta de declarações de um ex-advogado que chamou o relato de Heard de "farsa", comemorou o resultado, e disse esperar que sua busca para que a verdade seja dita tenha ajudado outros que se encontram na mesma situação. Em publicação no Instagram, logo após o veredito, o ator escreveu que se sente em paz por ter conseguido falar a verdade, pois isso era algo que devia aos seus filhos e a todos os que permaneceram firmes em seu apoio.

"Alegações falsas, muito sérias e criminosas foram feitas a mim através da mídia, o que desencadeou uma enxurrada interminável de conteúdo odioso, embora nenhuma acusação tenha sido feita contra mim. Isso já havia viajado ao redor do mundo duas vezes em um nanossegundo e teve um impacto sísmico na minha vida e na minha carreira”, escreveu.

Embora este resultado seja exceção e tenha acontecido fora do Brasil, poderá trazer luz ao debate sobre falsas acusações que, ainda que seja um problema grave, com potencial para destruir vidas, é um tabu ignorado por parte da mídia, ofuscado pela luta contra os abusos e estupros verdadeiros, e tido por militantes feministas como uma estratégia de descredibilizar as vítimas.

Falsas acusações podem ser comuns

Em dezembro de 2021, o jovem blumenauense João Philip Gonçalves Nunes, 23, foi surpreendido por quatro pessoas encapuzadas e espancado até a morte quando estava a caminho da casa da ex-esposa, em Curitiba, para buscar o filho de quatro anos. O casal brigava na justiça há anos pela guarda da criança e a mãe se negava a devolvê-la para o pai. Segundo investigação Polícia Civil, seis pessoas ao todo estariam envolvidas no homicídio, incluindo a ex-companheira de Nunes, Maria Eliza Moreira Marins, 27, que espalhou um falso boato na comunidade onde morava dizendo que ele teria abusado do próprio filho. Em 24 de janeiro um dos suspeitos de cometer o assassinato foi preso pela polícia, Após o crime, Maria fugiu com a criança e segue foragida da justiça até hoje.

Também na capital paranaense, em dezembro de 2018, o adolescente André Machado Kobus, 17, foi assassinado a tiros por traficantes, a mando de sua ex-namorada, Mayara do Rocio Wolfart, que o acusou falsamente de estupro. Além de Mayara, mais três pessoas se envolveram no assassinato, incluindo o atual companheiro.

Em Serra, no Espírito Santo, dois casos semelhantes vitimaram Antônio Batista da Fonseca, 74, e Miguel Inácio Santos Filho, 49. Ambos haviam sido falsamente acusados de pedofilia por mulheres com as quais se relacionaram. Na mesma cidade capixaba, em março de 2017, Cristiano Albano da Silva, de 31 anos, foi morto após ser falsamente acusado de estupro por uma conhecida com a qual teve uma desavença relacionada ao pagamento de certa quantidade de droga consumida pelos dois.

Além dos casos em que as vítimas perdem as suas vidas após falsas acusações, existem casos de danos em sua reputação e seus meios de sustento. Foi este o caso do motorista de aplicativo Paulo Sérgio Alves, 37, acusado em 2 de maio deste ano de usar “substância entorpecente” para dopar uma passageira, no Rio de Janeiro. O homem foi bloqueado sumariamente pela Uber logo após a denúncia, mas dias depois a Polícia Civil concluiu que a substância era apenas álcool 70%, aplicado pelo motorista no veículo como medida de prevenção contra a Covid-19.

A Uber, por meio da sua assessoria de imprensa, entrou em contato com a Gazeta do Povo e afirmou que a conta de Alves “foi temporariamente desativada após a denúncia para apurações, sendo normalmente reativada dias depois”.

Independentemente dos percentuais de ocorrência, falsas acusações de violência afetiva ou sexual podem destruir a vida das vítimas, de forma literal inclusive. Nos últimos anos, diversos outros casos de homens ilustraram o noticiário brasileiro, assassinados em função de falsas acusações, ou simplesmente tendo suas vidas e carreiras destruídas.

O debate sobre a ocorrência de falsas acusações de estupro, ou de violência doméstica, esbarra no problema da baixa elucidação das denúncias. Assim, podem estar escondidas tanto a quantidade de denúncias falsas quanto de denúncias verdadeiras. Estimativas divulgadas por diversos pesquisadores, profissionais e entidades envolvidos na investigação de casos de abuso sexual ou violência doméstica são variáveis.

Em se tratando de casos de estupro, uma revisão dos dados norte-americanos entre 2006 a 2010 apontou que este foi, junto com assalto, um dos crimes com maior prevalência de casos esclarecidos como falsos ou infundados, totalizando 5,57% dos casos naquela amostra. Entretanto, outro levantamento também nos EUA, publicado em 2018, revela que de 64 jurisdições policiais analisadas, em 36 delas a taxa de esclarecimento quanto a denúncias de estupro é inferior a 50%, com apenas 3% de casos elucidados na jurisdição de Salt Lake City, Utah.

"Epidemia de vingança"

Para a advogada Xarmeni Neves, 48, especialista em direito de família, que tem atuado em casos de falsa acusação e alienação parental, acontece hoje uma espécie de "epidemia de vingança", com as mulheres de hoje querendo vingar as mulheres de ontem através de falsas acusações. Ela acredita que este cenário, no Brasil, é agravado por um protecionismo legal que presume que o homem é sempre o culpado e não exige das mulheres provas para acusação.

Ela cita a Lei Maria da Penha, sancionada em agosto de 2006, com o objetivo de coibir atos de violência doméstica contra a mulher, e que, na opinião de Xarmeni, interferiu nas garantias constitucionais dos homens, tendo princípios do contraditório e da ampla defesa “exterminados” dos direitos destes. Assim, seria muito tentador uma mulher buscar vingança, porque o que ela disser sempre será verdade e o homem deverá provar que não é culpado, em um exercício de inversão do ônus da prova.

“Mesmo que a mulher diga ter sofrido violência doméstica física e não haja exame de corpo de delito, o homem responde pelo dano ou lesão corporal caso não prove que não fez. O mesmo para relatos de violência doméstica psicológica, onde mulheres podem receber medidas protetivas de afastamento apenas com seu relato”, diz.

O cenário descrito por Xarmeni não é uma especificidade brasileira. Instrumentos legais semelhantes têm surgido em outros países. Ao comentar a Lei de Violência de Gênero, em entrevista à rede de rádio Interconomia, de Madrid, a advogada espanhola Yobana Carril, especialista em defesa de homens que sofrem com violência de gênero, declarou que quando uma mulher denuncia um homem por violência de gênero, não precisa de provas e nem ao menos de indícios, “desde que não se contradiga em suas declarações à polícia e à justiça, isto basta para que um homem esteja condenado”.

Yobana cita que a lei espanhola nega aos homens o direito à guarda compartilhada dos filhos desde o momento em que é aberta uma denúncia contra ele, mesmo não havendo ainda condenação, e que este é um dos motivadores femininos para a realização de falsas denúncias. Além disso, ela diz que os casos de falsa denúncia raramente são punidos com a desculpa de que punir falsas acusadoras causaria temor de punições às vítimas reais.

“Os homens têm passado neste momento o que se passava ao princípio do século XX com as mulheres: os homens não podem se declarar abusados porque a sociedade aceitou que nós, as mulheres, somos seres frágeis e que somos portanto as únicas pessoas susceptíveis a ser maltratadas”, diz Yobana.

Aldir Gracindo, 50, jornalista paulista pioneiro no Brasil no ativismo de movimentos de direitos dos homens, e ex-editor do site A Voice For Men, acredita que o ativismo identitário, ao invés de defender vítimas, coloca todos os homens como pressupostos monstros criminosos e poderosos; e todas as mulheres como vítimas que nunca mentem.

“Casos como esses mostram praticamente uma psicose coletiva: as evidências não apenas não comprovam as acusações, como provam o contrário, Mesmo assim, ativistas gritam, choram, tiram selfies com maquiagem simulando ferimentos e dizem que ficou ‘fartamente provada’ a acusação que é falsa, caluniosa”, diz.

Retaliações 

Em publicação nas redes sociais, a juíza mineira Ludmila Lins Grillo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, disse estar sendo alvo de um processo disciplinar a partir de uma publicação que fez no Twitter, há dois anos, em que criticava prisões feitas na forma da Lei Maria da Penha com base em apenas na palavra da vítima. Na publicação ela dizia também que esta é “uma das coisas mais irresponsáveis que um juiz pode fazer no exercício de suas atribuições”.

“A gravidade disso demonstra o atual estado de coisas dentro do sistema de justiça no Brasil e, evidentemente, extrapola o meu campo particular de interesse. Acho que o público deveria saber”, escreveu.

Xarmeni conta que também já sofreu retaliações por sua atuação em casos de homens falsamente acusados. Em 2019, advogadas representaram contra ela na Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil que participava, alegando que estava fazendo captação ilegal de clientela por causa de uma fotografia publicada por ela saindo de uma Delegacia da Mulher afirmando "menos uma falsa acusação de violência doméstica".

“Não havia nome de cliente, referência a vítima, fotos, nada. Fui ‘expulsa’ da Comissão de Violência Contra a Mulher, onde era membro atuante, fazendo dezenas de palestras sobre o assunto. Não lastimo, nada disso me impede de viver de cabeça erguida e sentindo que faço meu trabalho ainda melhor do que antes”, diz.

Da mesma forma com que Xarmeni foi atacada por defender vítimas de falsa acusação, em 2019, uma entidade de advogadas feministas, expulsou Maíra Costa Fernandes, advogada que defendia o jogador Neymar quando este foi acusado de estupro pela modelo Najila Trindade em um encontro amoroso em Paris, apenas por ela ter aceitado o caso.

Em resposta a advogada, conhecida por ser engajada na causa feminista, declarou que registros falsos de estupro não ajudam em nada para diminuir ou combater esse crime. Maíra declarou também que o fato de Najla ter mentido a deixou confortável para exercer a defesa do cliente por “compreender que uma acusação criminal injusta destrói a vida de uma pessoa e por entender que uma falsa acusação de estupro não ajuda a causa feminista”.

Feministas contra punição a falsas acusações

Damaris Nunis, 23, catarinense bacharel em Direito, fundadora junto da estudante de Direito Karen Marins, 32, da página Manas & Manos, criada para expor falsas denúncias — como o caso da influenciadora Mariana Ferrer, que acusou o empresário André Aranha de tê-la dopado e estuprado no Cafe de La Musique, em Florianópolis, em 15 de dezembro de 2018 — diz ver semelhanças entre o caso de Depp e Aranha, pois em ambos os casos as pessoas teriam partido do pressuposto de que os acusados são da elite e os condenaram sem qualquer chance de contraditório.

No caso de Ferrer, de acordo com a coleção de provas analisadas pela Justiça de Santa Catarina, não há evidências de que o abuso de fato aconteceu: exames toxicológicos deram negativo para todas as substâncias rastreáveis; o comportamento, da mulher segundo imagens de vídeo; conversas salvas de aplicativos de mensagem e testemunhas presentes à festa não indicavam alteração de consciência.

Após a absolvição de André em segunda instância, por unanimidade, a deputada Tabata Amaral publicou em seu perfil no Facebook: “Vamos falar de cultura do estupro? Mari Ferrer foi dopada e estuprada, mas seu abusador foi absolvido”, insistindo em afirmar a culpa do empresário mesmo após um juiz e três desembargadores analisarem as provas e indicarem não haver evidência de crime.

O processo ganhou notoriedade após a publicação do site The Intercept, pela jornalista Schirlei Alves, de uma reportagem que afirmava que o processo havia terminado com tese inédita de um “estupro culposo”, trecho que precisou ser retirado da matéria por ordem da justiça porque não houve, em nenhum momento do processo, menção a esta expressão. O site alegou que a expressão foi criada para “para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo”.

Outro ponto polêmico são os trechos de uma das audiências, editados e publicados e editados pelo The Intercept, de uma suposta humilhação de Ferrer pelo advogado de acusação, que geraram revolta, apesar da absolvição de Aranha, e a criação de uma nova lei que limita a atuação da defesa, em especial no caso dos crimes sexuais.

Para Damaris, o discurso dominante em casos como estes é o de que uma mulher não consegue ir contra a influência e poder de um homem branco e, em função desta narrativa, provas e evidências são deixadas de lado. Ela diz ter percebido em ambos os casos a falta de interesse das pessoas em compartilhar o outro lado quando a verdade vem à tona, com o ‘medo’ de calar mulheres que sofrem, como se a história de um homem vítima precisasse ser abafada em nome de bem maior.

No Brasil, não há punição específica para quem faça falsas acusações de abuso ou estupro, ainda que haja uma reação extremamente violenta a esse tipo de acusação e que, muitas vezes, leva inocentes à morte. E são vários casos, desde a fatídica história da Escola Base, em São Paulo, nos anos 90, quando os proprietários foram falsamente acusados de abuso – narrada no livro Escola Base, 20 anos depois, do jornalista Emilio Coutinho –, ao caso Neymar, em que as denúncias da polícia paulista contra Najila acabaram arquivadas.

Em 2017, foi criado pelo empresário Rafael Zucco, 39, atualmente pré-candidato deputado estadual por São Paulo, um projeto de iniciativa popular que propunha tornar hediondo o crime de falsa acusação de estupro. O projeto, que recebeu mais de 21 mil assinaturas, o suficiente para ir para apreciação na Câmara dos Deputados, caiu na relatoria da deputada Maria do Rosário (PT-RS), que o arquivou, argumentando que já havia legislação nesse sentido, o artigo 339 do Código Penal. Coletivos feministas, na época, argumentaram que criminalizar as falsas acusações iria coagir as vítimas, já que estas teriam um natural medo de denunciar.

No caso de uma denúncia ser formalizada, o autor da falsa acusação pode responder pelo crime previsto no artigo 339, que versa sobre denunciação caluniosa. Ele determina: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: Pena: Reclusão, de 2 a 8 anos, e multa”. Para muitos, no entanto, esta pena não condiz com a gravidade deste tipo de acusação.

Se uma acusação falsa for divulgada publicamente, mas não formalizada, a punição criminal passível é prevista pelo artigo 138 do CP, que versa sobre calúnia e indica penas ainda mais brandas: dois anos no máximo, podendo ser triplicado caso a divulgação dos fatos inverídicos tiver sido feita pela internet.

É o caso da jornalista e ativista política Patrícia Lélis, que foi indiciada pelas polícias civis de São Paulo e do Distrito Federal depois de acusar o deputado federal Marco Feliciano (PL), de tentar estuprá-la. Lelis também acusava o assessor de Feliciano, Talma Bauer, de ter a sequestrado; e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do qual Patrícia disse ter sido vítima de injúrias e ameaças. Em 2016, a Polícia Civil de São Paulo concluiu que Patrícia Lelis praticou o crime de denunciação caluniosa ao fazer acusações contra Marco Feliciano e seu assessor; e em 2021, a Polícia Civil do Distrito Federal chegou a conclusão semelhante quanto às acusações feitas contra Eduardo Bolsonaro.

Todos podem ser vítimas

Segundo a empresária, professora e ativista Thais Azevedo, 38, que há anos estuda o fenômeno, as falsas acusações não são novidade. Thais faz referência ao conceito criminológico da “síndrome da mulher de Potifar”. A expressão remete à história bíblica de José, filho de Jacó, que foi preso após ser acusado injustamente de estupro pela esposa de Potifar, capitão da guarda do palácio do faraó egípcio. Outra menção antiga ao tema está na tragédia "Hipólito", escrita em 428 a.C. pelo poeta grego Eurípides, que narra a história da jovem Fedra, que se suicida deixando uma carta relatando que ter mentido sobre um suposto abuso de Hipólito porque este a rejeitava. Teseu, o pai de Hipólito, que era apaixonado por Fedra, condena o filho à morte.

Em ambos os casos acreditou-se apenas no relato das supostas vítimas. Hoje, mesmo que séculos tenham se passado, tem acontecido a mesma coisa. No caso de Depp, Heard o desafiou, em áudio gravado durante uma briga do casal e transmitido durante a audiência: “Diga ao mundo, Johnny. Diga a eles: eu, Johnny Depp, um homem, sou uma vítima também de violência doméstica e veja quantas pessoas acreditarão ou ficarão do seu lado”.

Para Thaís, Heard estava certa sobre esta afirmação pois poucas pessoas acreditariam em Depp, como de fato não acreditaram em um primeiro momento. Além disso, diz ela, um homem afirmar ser vítima de abuso doméstico tendo uma mulher como abusadora é motivo de piada para a sociedade. Segundo Thais, isto acontece por pressão do Movimento Feminista, que desde o início vê o homem como o principal responsável pelas mazelas femininas: ou o homem é o abusador da mulher ou é aquele que a influencia a cometer atos reprováveis.

“Feministas retratam o gênero masculino como sendo o potencial abusador de uma mulher. ‘Todos os homens são estupradores’, disse a feminista Marilyn French. E esse pensamento está tão enraizado que dificilmente você encontrará pessoas afirmando temer mulheres em vez de homens”, explica.

Thaís destaca o discurso feminista, feito após o resultado deste processo, afirmando que a luta contra a violência doméstica saiu perdendo com a vitória de Johnny Depp porque a afirmação de que existem falsas acusações dificultará às vítimas reais denunciar seus abusadores. Ela lembra da frase da feminista Catherine Comins, que disse que homens acusados injustamente de estupro podem, às vezes, aprender com essa experiência.

“Feministas não aceitam que as vítimas – nesses casos, os homens – denunciem os abusos emocionais, físicos ou judiciais que sofrem. E quando um caso de falsa acusação é comprovado, elas não aceitam caladas. Então feministas não defendem vítimas, defendem mulheres, mesmo que elas sejam as agressoras”, diz.

Um comentário feito pela humorista Amy Schumer, citando uma frase da feminista Gloria Steinem, tido como uma resposta sutil ao resultado da decisão favorável a Depp, seria um exemplo claro desta questão: “Qualquer mulher que opte por se comportar como um ser humano completo deve ser avisada de que os exércitos do status quo a tratarão como uma espécie de piada suja. Ela vai precisar das suas irmãs”.

A britânica Erin Pizzey, 83, que fundou, na década de 70, em Londres, o primeiro abrigo destinado a mulheres vítimas de violência doméstica – instituição que deu origem à Refuge, principal organização e proteção a mulheres vítimas de violência doméstica no Reino Unido –, defende que homens e mulheres podem ser igualmente agressores e vítimas de violência doméstica. Por conta disso, poucos anos após a criação do abrigo, Pizzey foi afastada da instituição. A filósofa e cientista social argentina Roxana Kreimer, 62, se posiciona ao lado de Pizzey em seu artigo “A violência como fenômeno bidirecional: uma alternativa ao conceito ‘violência de gênero’ tal como é plantada pela teoria feminista padrão” defendendo que o problema da violência doméstica é um fenômeno multicausal e que suas vítimas são homens e mulheres.

Pesquisas realizadas por psicólogos e psiquiatras brasileiros interessados na investigação acerca da violência entre parceiros íntimos apontam resultados semelhantes. Em 2006 e em 2012 pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo conduziram dois estudos investigando a correlação entre o uso de drogas lícitas ou não e a prevalência doméstica: em ambos os estudos, os percentuais de mulheres agressoras na amostra foi ligeiramente superior ao percentual de homens perpetradores de violência doméstica.

Vítimas reais prejudicadas

No Brasil, a vitória de Depp foi comemorada em publicação feita nas redes sociais pelo ex-pastor Felipe Heiderich, 42, preso em 2016 após ser acusado pela ex-mulher, a cantora gospel Bianca Toledo, de abusar de seu enteado de cinco anos, mas inocentado três anos depois em primeira e segunda instância, com pedido de absolvição feito pelo Ministério Público. Heiderich afirma ter ganho esperança de que a verdade sempre vence com o resultado favorável à Depp.

“A maioria das mulheres é vítima, mas aquelas que se prestam a ser cruéis são diabólicas. Cada vez que uma denúncia falsa é feita, uma vítima real perde a voz”, escreveu o ex-pastor, que diz ter “sentido na pele uma falsa acusação perversa”. Para ele, é preciso que as pessoas aprendam a fazerem valer os seus direitos e levem à esfera judicial quando forem injustiçados, como ele fez.

Para a jornalista Angela Tucker, 69, paulista escritora do livro ‘Tudo por um Monstro - O outro lado do caso Roger Abdelmassih’ — obra publicada em 2019 que esmiúça o caso Roger Abdelmassih, médico condenado a 278 anos de prisão por mais de 52 estupros de suas pacientes — o movimento feminista conseguiu a duras penas equiparar o direitos das mulheres, com diversas conquistas: como terem sua palavra levada em crédito em casos de abuso. No entanto, diz ela, existem “más ovelhas”, mulheres que fazem falsas acusações, por motivos diversos, em um fenômeno crescente.

Desta forma, não apenas as pessoas falsamente acusadas sofrem com estas mentiras, também mulheres vítimas reais de violência, pois o fenômeno pode produzir implicações secundárias: como redução na credibilidade de vítimas e receio em vítimas reais em denunciar. E, considerando que em muitos casos a palavra das vítimas é a única prova de que o crime aconteceu, isto atrapalha que vítimas reais obtenham justiça.

Assim como é impossível estimar com certeza o percentual de falsas acusações, é impossível afirmar com certeza o número de vítimas reais que deixam de denunciar casos de violência, é o que esclarece o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em documento publicado sobre o tema: “O Brasil não conta com pesquisas periódicas de vitimização que permitam mensurar o percentual exato de casos de cada crime que é notificado às autoridades policiais”.

Delegacias de todo o país receberam, de acordo com o relatório “Violência contra mulheres em 2021” do FBSP, pouco mais de 61 mil denúncias formais de estupro ou estupro de vulnerável considerando apenas as vítimas alegadas do sexo feminino. Embora sejam diversos casos de vítimas reais de estupro em todo o país e de falsas acusações, há carência de informação sobre os desfechos das investigações de tal forma que se possa conhecer quantas das denúncias anuais são descartadas como falsas, confirmadas ou permanecem não elucidadas.

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