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Segurança na internet, VPN
A crescente censura no Brasil elevou o uso de VPNs para acessar conteúdo restrito e garantir anonimato online, refletindo a tendência global em ditaduras.| Foto: Eli Vieira com Midjourney

Resumo da reportagem

  • Uso de VPN no Brasil: Devido à censura crescente, os brasileiros estão utilizando mais Redes Virtuais Privadas (VPNs) para acessar conteúdo restrito e manter o anonimato online.
  • Funcionamento da VPN: VPNs fornecem uma camada extra de segurança na internet, permitindo acessar conteúdo de outros países e esconder a localização do usuário.
  • Mercado de VPNs: Em 2022, o mercado global de cibersegurança era de US$ 222 bilhões, com VPNs representando US$ 44,6 bilhões. O uso de VPNs é particularmente alto em países com restrições de liberdade de expressão.

Com o avanço da censura no Brasil, mais brasileiros estão conhecendo uma ferramenta há muito usada em ditaduras para driblar o controle do governo sobre a expressão: a rede virtual privada (VPN). Além de anonimizar o usuário em seu próprio país, a VPN torna possível acessar conteúdo online a partir de computadores no exterior. Dessa forma, mesmo que o ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha suspenso os perfis de Rodrigo Constantino e Guilherme Fiuza nas redes sociais, ainda é possível acessá-los simulando presença no exterior. A solução também é popular para os preocupados com a coleta de seus dados por empresas, e para aqueles que querem acessar o catálogo de filmes e séries de outros países e até preços diferenciados para jogos.

Outras personalidades com a expressão suspensa nas redes sociais por ordem judicial no Brasil são o empresário Luciano Hang, a influenciadora Bárbara Destefani, os jornalistas Allan dos Santos (que é também foragido da Justiça brasileira) e Paulo Figueiredo e o apresentador de podcast Bruno Aiub (Monark). Alguns antes suspensos voltaram a poder se expressar no Brasil por esse meio, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL). Todos são apoiadores do ex-presidente Bolsonaro ou críticos de decisões do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O que é a VPN?

A internet é uma rede mundial de computadores aberta: qualquer dispositivo computacional é capaz de acessar a partir de um provedor. A VPN pode ser vista como um tipo de intranet (uma rede fechada de computadores, comum em empresas) que acessa a internet. Na verdade, existe dentro da própria internet, com um nível adicional de separação entre o dispositivo do usuário e os computadores onde está armazenado o conteúdo de seu interesse. É uma camada extra de acesso, pela qual a comunicação passa com encriptação, ou seja, com senhas longas automáticas difíceis de adivinhar, além da senha do próprio usuário. Para obter acesso com senha, geralmente é preciso pagar, mas existem algumas soluções gratuitas.

Uma forma de pensar na VPN é como uma rede de ruas de um condomínio privado conectada à malha viária geral fora do condomínio. O condomínio, ao contrário das ruas públicas, não necessariamente espiona os indivíduos por suas ruas, ou no mínimo tem um interesse maior de manter sua privacidade e proteger sua segurança, pois os usuários pagam para isso. Além disso, o condomínio troca o carro particular do indivíduo por um carro cuja placa, ao circular nas ruas públicas, não leva à descoberta da identidade do motorista. Como os condomínios literais, os serviços de VPN variam nessas proteções: há aqueles que se recusam terminantemente a colaborar com a polícia, por exemplo, e implementam tecnologias para apagar qualquer rastro dos usuários, e há os mais dispostos a entregar dados sob ordens de autoridades estatais.

Quando um usuário acessa a Netflix diretamente de seu dispositivo, a Netflix fica sabendo qual é o IP do dispositivo (a “placa do carro privado” na metáfora acima). O IP é como o CPF do computador, estabelece sua identidade e dá informações como a localização geográfica. Mas se o usuário se conecta antes numa VPN, a Netflix vê o IP de um computador pertencente ao serviço da VPN, não o IP particular do usuário. Dessa forma, o usuário fica anônimo para a Netflix, exceto pelo seu e-mail e informações de pagamento na própria. Como a VPN é uma camada extra pela qual os dados precisam passar, há uma penalidade comum na velocidade da conexão. Por isso, os serviços pagos de rede virtual privada costumam recomendar primeiro seus computadores no próprio país do usuário, que estão mais perto. Porém, para driblar a censura estatal, o melhor é selecionar computadores da “intranet” que estão em países mais livres como os Estados Unidos.

Para dar uma ideia da penalidade de velocidade, que tem diminuído conforme os serviços criam tecnologias em software, a reportagem acessou uma internet de bairro em Brasília. Sem a VPN, a velocidade para baixar foi de 434 mega (Mbps) e para subir foi de 209 mega. Com a VPN conectada a um servidor de Miami, nos EUA, as velocidades respectivas foram de 403 e 195: uma pequena penalidade média de 7%.

Há também cada vez mais versatilidade: uma VPN pode ser usada somente em um navegador com uma extensão, enquanto o resto da máquina acessa a internet diretamente. E os principais serviços oferecem aplicativo para celular.

O mercado global e regimes autoritários

O mercado da cibersegurança no mundo em 2022 foi estimado em US$ 222 bilhões (R$ 1,1 trilhão na cotação atual) pela firma de consultoria Next Move Strategy, que tem como clientes 90% das 500 empresas mais ricas do mundo segundo a revista Fortune. A expectativa é que esse mercado atinja a marca de 650 bilhões de dólares (R$ 3,2 trilhões) em 2030.

A fatia ocupada pelos serviços de VPN em 2022 foi de US$ 44,6 bilhões (R$ 221 bilhões). No mesmo ano, a proporção global de usuários da internet com VPN chegou a 27,2%, segundo o site de curadoria de dados Statista. Acima da média mundial estão países como Emirados Árabes Unidos, Singapura, Arábia Saudita e Rússia. O Brasil está abaixo da média mundial, com 17%; contudo, outra pesquisa, de 2018, realizada pelo GlobalWebIndex, estimava em um quarto a proporção de brasileiros que usa a ferramenta.

Em ambas as fontes os países da Ásia e do Pacífico dominam entre os usuários que optam pelo anonimato e driblam a censura ou a restrição regional de conteúdo. A China tem 31% de usuários da internet com VPN, na estimativa mais antiga. O Oriente Médio e a América Latina são as regiões que vêm em segundo e terceiro lugar, respectivamente.

A relação do uso da VPN pelos cidadãos com o autoritarismo estatal é clara. Em janeiro de 2022, o Cazaquistão sofreu uma série de repressões a protestos de massa que resultaram em centenas de mortes, milhares de prisões e um estado de emergência. Os protestos começaram no segundo dia do ano e foram motivados pelo aumento do preço do gás liquefeito, mas evoluíram sua pauta para o pedido de eleições locais e um retorno para a Constituição de 1993. No período, as buscas por VPNs no país aumentaram 3.405% em comparação ao mês anterior, segundo o site de comparação de serviços de rede virtual privada TOP10 VPN. Quando a Rússia invadiu a Ucrânia no mês seguinte, o aumento local nas buscas foi de 668% e 609%, respectivamente.

No Brasil, segundo o Google, as buscas por VPN atingiram seu maior recorde em março de 2020, mês em que a Covid-19 chegou a todos os estados do país — houve então uma intensificação de chamados por restrições e lockdown. A unidade da federação que mais teve interesse na busca nos últimos cinco anos foi o Distrito Federal. O segundo maior pico de buscas é referente aos dias entre 23 e 29 de abril deste ano — coincide com o período em que o próprio Google fez um alerta negativo a respeito do PL das Fake News (PL 2630/2020) e com a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram em todo o país por decisão do juiz Wellington Lopes da Silva, da Justiça Federal do Espírito Santo.

A empresa Atlas VPN, que oferece o serviço, criou um Índice de Adoção de VPN global, baseado em número de downloads de aplicativos para iPhone e Android de diversas marcas de rede privada virtual em 85 países. No período de 2020 a 2022, os downloads globais subiram de 277 milhões para 353 milhões. No ranking, o Brasil ocupa a 54ª posição, com quase 45 milhões de downloads nos três anos. Na liderança, mais uma vez, ficaram os Emirados Árabes Unidos — o país tem pesadas restrições de uso da internet, com bloqueio a muitos sites (por motivos como críticas ao islã e ao governo, além de conteúdo pornográfico) e serviços populares, inclusive chamadas via WhatsApp. A democracia liberal que mais faz download de VPNs são os Países Baixos, no sexto lugar. Rússia está em oitavo, e Ucrânia no 11º lugar.

É possível barrar acesso à VPN?

Para que uma ditadura como a China consiga impor censura sobre a internet apesar das VPNs, ela precisa fazer listas negras de IPs dos servidores (computadores) de cada serviço de VPN. Mas os serviços podem adquirir novos IPs, criando assim uma disputa de gato e rato. O mesmo acontece com provedores de conteúdo como a própria Netflix, que banem IPs das redes privadas virtuais de diversos serviços para evitar o acesso a conteúdo não licenciado para o país do usuário.

Outras formas de tentar evitar que os cidadãos driblem a censura incluem banir os serviços de VPN por decreto ou por lei, monitorar e espionar, controlar os provedores de internet, fazer propaganda desinformativa a respeito dos riscos das VPNs (de fato há riscos, especialmente se forem gratuitas e maliciosas), e até a medida drástica de desligar a internet inteira — o que já foi feito em Myanmar (2021), Belarus (2020), Índia (2019-2020), Sudão (2019), Irã (2019), Camarões (2017) e em múltiplas ocasiões na Etiópia.

Um dos mecanismos mais sofisticados de censura à VPN é a inspeção profunda de pacotes de informação. Os censores, no caso, examinam os metadados, já que não têm acesso aos dados. Metadados são informações como a origem e destino dos pacotes e o endereço dos sites sendo acessados. Apesar dessa maior sofisticação, já existem métodos conhecidos de evitar a inspeção, como esconder a conexão da VPN em um “túnel” seguro ou usar a rede Tor, recomendada por Edward Snowden, delator da vigilância em massa da inteligência americana na década passada.

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