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 | Marco André Lima/Gazeta do Povo
| Foto: Marco André Lima/Gazeta do Povo

Quando entrega as casas reformadas no quadro Lar Doce Lar, do Cal­deirão do Huck, Marcelo Rosen­baum realiza parte de um sonho particular: ver as favelas de hoje apenas como peças de museu no futuro. O quadro que o tornou famoso nacionalmente também abriu as portas para levar o que chama de "design útil" às classes C e D – ou­­tro desejo antigo. "Abriu-se um ca­­nal para que eu pudesse ser reconhecido e conseguisse me comunicar com essas pessoas."

A Rosenbaum de Coração, marca criada para este público, nasceu há cerca de dois anos. Mas é agora, segundo ele, que vai "deslanchar de vez". As peças de cama, mesa e ba­­nho são criadas a partir de es­­tampas nacionais em parceria com o grupo Cipatex e vendidas em varejistas de todo o país. Entre dezenas de projetos, Rosenbaum também assina peças para a Tok&Stok e fechou re­­centemente uma parceria com a rede de lojas Per­­nambucanas para vender sua marca popular.

Ao se apresentar em um evento em Curitiba na semana passada, Rosenbaum disse que é um "cara de colocar a mão na massa". Pro­clama-se como um "dislexo não-diagnosticado" e conta que não te­­ve paciência para terminar a faculdade de arquitetura – aprendeu fazendo. "Comecei a trabalhar muito cedo. Por meio do de­­sign e da arquitetura que me co­­munico com as pessoas. Criei mi­­nhas redes e me dediquei a criar um design útil."

Foi com a ajuda dessas "re­­des", e da notoriedade vinda da tevê, que Rosenbaum levou o design aos projetos sociais. Em 2009, de­­pois das enchentes que devastaram parte da cidade de Blumenau (Santa Catarina), criou um projeto em parceria com a fabricante de tintas Su­­vinil para levar ajuda aos desabrigados. "Tenho muitos amigos mo­­rando lá e fiquei chocado com a desgraça que vi. Que­­ria le­­var de volta a auto-estima para aque­­las pessoas."

Na época, as famílias foram abrigadas em galpões divididos em módulos de madeira com 25 me­­tros quadrados cada – a cozinha, área de serviço e banheiros eram comunitários. Rosenbaum e a fa­­bri­­cante de tintas pintaram os es­­paços e ofereceram cursos de capacitação em pintura para 80 famílias.

Em entrevista exclusiva à Ga­­zeta do Povo, Rosenbaum fala so­­bre o seu trabalho para as classes C e D, das dificuldades da in­­dústria em trabalhar para esse público e da "alma" por trás de um bom projeto.

Como surgiu a ideia de trabalhar com as classes C e D?

Começou há muito tempo, eu nem sei dizer quando, porque eu sempre tive essa vontade. Há muito tempo eu falo que meu grande sonho é desenvolver mó­­veis para as Casas Bahia – não para a loja em si, mas para o universo que ela representa. Minha vontade sempre foi trabalhar com a estética popular, levando qualidade para esse público de baixo poder aquisitivo. Essas lojas populares vendem, na verdade, financiamento. Elas não conhecem a casa dos brasileiros. Os sofás e os armários não cabem nas casas. Com a entrada na Rede Globo, no Caldeirão do Huck, abriu-se um leque para isso, um respeito e um canal para que eu pudesse me comunicar com essas pessoas. Foi aí que surgiu a Ro­­sen­baum de Coração. Mas ainda não fazemos mobiliários porque é muito difícil chegar à matemática dessa indústria e das lojas desse segmento. Mas estamos focados em cama, mesa e banho, o que é muito legal. Trabalhamos com estampas brasileiras levando os produtos não apenas para decorar, mas para educar, apresentando elementos da cultura popular brasileira. Estamos há dois anos batalhando neste projeto, mas acredito que é no começo do ano que vem que ele vai real­men­­­te deslanchar.

Onde os produtos estão à venda?

Fechamos uma parceria com as lojas Pernambucanas que vai ser lançada agora no segundo semestre. Além disso, trabalhamos com algumas indústrias brasileiras que fazem a distribuição para o Brasil todo em larga escala.

Você também tem uma marca premium, a Rosenbaum Design. Você percebe anseios parecidos das pessoas das classes A e B e aquelas mais baixas?

Todo mundo quer o bonito, mas cada um tem um jeito de olhar para esse bonito, até mesmo pela educação que as pessoas receberam. Mas eu também não acho que a nova classe A e AB brasileira tenha uma estética muito aprimorada. Não é uma questão de julgar se é bonito ou feio. Mas o que eles têm é uma estética que vem de fora, que simplesmente é incorporada. Mas sem dúvida a estética não é a mesma entre as pessoas de menor poder aquisitivo. E o trabalho é justamente este: uma pesquisa, um olhar para levar produtos de qualidade para a classe C e D de forma apropriada.

Você falou da dificuldade de fa­­zer móveis. A indústria brasileira não está preparada para atender esse público? Qual é o problema?

Na verdade é um conjunto de problemas. São poucos os designers no país que estão preparados para trabalhar em parceria com a in­­dústria e pensar nesta logística de desenvolver um móvel popular. Ele tem que ter um formato e um valor apropriado. Do outro lado, os empresários não estão preparados para investir neste potencial humano. Eles inventem muito di­­nheiro em equipamentos – nossa indústria é de ponta, de primeiro mundo –, mas nunca investiram no ser hu­­mano. A universidade coloca designers no mercado sem nunca ter mantido uma relação com a indústria, que, por sua vez, não absorve esses profissionais. Além disso, é tudo muito novo.

Você costuma dizer que seu conceito de morar inclui autoestima, cultura popular, memória e in­­clusão. Que a casa é um "corpo que abriga a alma das pessoas". Como deve ser essa corpo? O que tem um bom projeto?

Ele tem a identidade da pessoa, a sua verdade. Mas essa é uma questão que vai muito longe. Se você pensar em uma pessoa em uma favela, o que é alma nesta casa? Na verdade é a família, as relações com a comunidade, com o entorno. Pa­­ra cada ponto há uma necessidade. Não existe uma metodologia, uma regra. O que existe é o ser humano em um espaço. O grande sonho é imaginar, daqui a poucos anos, a gente ver essas moradias que existem em favelas hoje do país só em museu. Porque não dá para imaginar que seres humanos moram em lugares na situação que a gente encontra hoje.

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