"Acho que em qualquer época eu teria amado a liberdade; mas na época em que vivemos, sinto-me propenso a idolatrá-la"
(Tocqueville)

A retórica em construção na audiência pública de Rosa Weber

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Foto: Nelson Jr. - SCO - STF

Foto: Nelson Jr. – SCO – STF

Nos dias 3 e 6 de agosto o Supremo Tribunal Federal estará realizando audiência pública para instruir ação constitucional que busca reduzir a proteção legal da vida intrauterina, descriminalizando o aborto até a 12ª semana de gravidez.

A análise da cronologia do tema no STF e dos grupos convocados para o ato permite delinear a narrativa que está sendo desenhada pela relatora da ação.

A retórica abortista

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A retórica abortista trabalha com a difusão dos seguintes argumentos:

  1. haveria uma enorme taxa de abortos ilegais e mortalidade materna nos países que criminalizam o aborto, impactando principalmente mulheres pobres;
  2. o aborto seria uma questão de saúde pública;
  3. os fundamentos em favor da proteção penal da vida intrauterina seriam religiosos, não podendo ser utilizados no espaço público para fundamentar políticas estatais sob pena de violação da laicidade do estado;
  4. desumanização do nascituro e relativização da proteção humana desde a concepção.

Buscamos rebater esses pontos em nosso post6 coisas que você precisa saber sobre aborto“.

Essa argumentação foi elaborada por poderosas organizações estrangeiras pró-aborto na busca por fazer avançar sua agenda. A narrativa se repete com constância, sendo promovida e financiada basicamente pelos mesmos grupos, nos vários países. Essa retórica hoje é completamente dominante em grupos esquerdistas e espaços por eles dominados, como as disciplinas de humanas na academia, entidades internacionais e a grande mídia.

O enorme poderio econômico e o controle das instituições com domínio sobre a cultura e a divulgação de informações torna essa estratégia bastante poderosa.

O uso ilegítimo dos Tribunais para impor o aborto usurpando os mecanismos democráticos

Foto: Wilson Pedrosa - Estadão Conteúdo
Foto: Wilson Pedrosa – Estadão Conteúdo

A narrativa abortista, todavia, tem sido refutada com sucesso nos países que protegem criminalmente a vida intrauterina, especialmente em virtude do desenvolvimento tecnológico que permite contato visual com o nascituro tornando mais difícil sua desumanização; da percepção de uma crise de valores éticos nos setores sociais favoráveis à agenda abortista, inclusive nos países que optaram pela descriminalização; e do avanço dos estudos e do levantamento de dados que permitem revelar as inúmeras inconsistências naquele núcleo retórico pró-aborto.

Com isso, a agenda não tem conseguido avançar dentro da opinião pública, razão pela qual mesmo dominando a maioria dos setores da mídia, parcela majoritária da população permanece contrária ao aborto nos países em que a prática é atualmente prevista como crime. Aliás, a rejeição ao aborto tem crescido na sociedade.

Esse fato tem frustrado a aprovação de leis abortistas pela via democrática.

Por essa razão, os grupos contrários à proteção penal da vida intrauterina passaram a desenvolver uma retórica que trabalha com a ideia de que o aborto seria um “direito”. Esse direito jamais foi previsto, porém por subterfúgios argumentativos eles defendem que esse suposto “direito” poderia ser imposto ainda que antidemocraticamente por órgãos desprovidos de legitimidade para tal, como os Tribunais Constitucionais. A Cortes, então, deveriam plasmar artificialmente o fictício “direito” a partir de cláusulas vagas da Constituição.

Essa exata linha de argumentação pode ser percebida no voto do Min. Luiz Roberto Barroso em julgado (HC 124.306) que buscou declarar a inconstitucionalidade da proteção penal do nascituro.

Como dissemos, e repetimos agora, os argumentos são improcedentes, como demonstramos em nossos posts anteriores (aqui e aqui). Alguns dados também podem ser encontrados em post do Instituto Liberal de São Paulo, além de inúmeras outras fontes sérias e confiáveis.

De um modo ou de outro, a decisão relatada pelo ministro Barroso serviu como “sinal de fumaça” para organizações abortistas. Pouco tempo depois, o partido de extrema-esquerda PSOL ajuizou a ADPF 442, reiterando aquela argumentação.

No bojo do processo, distribuído para a Ministra Rosa Weber como relatora, ela convocou a mencionada audiência pública para ouvir supostas “autoridades” no assunto. Rosa Weber foi uma das que votou favoravelmente no HC 124.306, acompanhando o relator, de modo que seu entendimento sobre o tema já é conhecido.

A narrativa construída por meio da audiência pública

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A imposição do aborto pelo STF encontra uma dificuldade acima mencionada: a falta de legitimidade da Corte para legislar retirando a tutela penal da vida intrauterina. A razão é que a Constituição é muita clara ao estabelecer um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput), no qual “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Ou seja, a população tem poder de – por meio do Parlamento ou de consulta direta por plebiscito – legislar sobre a política que pretende adotar para proteger a vida do nascituro (conforme pontuei em artigo anterior, entendo que seria inconstitucional e inconvencional retirar toda e qualquer proteção  da vida humana em seus estágios iniciais).

Assim, totalmente descabida uma imposição pela Suprema Corte. O poder não emana dela; não somos governados autocraticamente por “juízes iluminados”. E ela também não é o meio pelo qual o povo se manifesta para decidir sobre qual política adotar, mas apenas eventual instrumento de enforcement da política previamente adotada. Em resumo: não cabe ao STF legislar nem governar o país.

Pois bem, a audiência pública visa exatamente tentar contornar o quanto possível essa dificuldade, dando a impressão de maior legitimidade, de que se estaria construindo a decisão mediante participação da “sociedade civil”. No despacho em que decidiu quais entidades seriam ouvidas, a ministra afirmou que buscava a “construção de um espaço deliberativo efetivo, no qual as manifestações realmente sejam consideradas no debate jurisdicional”.

Mas é apenas uma fachada. O que se tem percebido nessas audiências é que elas não mobilizam a opinião dos ministros: aqueles que são favoráveis permanecem assim, e vice-versa.

Ademais, caso a intenção fosse realmente construir essa decisão num espaço democrático, em que a sociedade pudesse ser ouvida, o tema seria simplesmente enviado para o Parlamento. Onde, aliás, nada impediria os ministros favoráveis ao aborto de atuarem enquanto cidadãos: escrevendo artigos, contatando seus representantes, votando em candidatos favoráveis a essa pauta etc.

Além disso, no caso, as entidades não parecem ter sido eleitas para a “construção de um espaço deliberativo efetivo, no qual as manifestações realmente sejam consideradas no debate jurisdicional”, mas para reforçar aqueles argumentos pró-aborto narrados no início.

Primeiramente, dentre as entidades aceitas, a maioria é favorável ao aborto.

Em segundo lugar, é chocante o número de entidades estrangeiras abortistas que foram aceitas na audiência pública. Na cobertura ao vivo da Gazeta do Povo, em comentário postado às 15h56, ficou registrado que “Os grupos pró-aborto estrangeiros que foram aceitos na audiência pública estão concentrados na tarde hoje. Até agora, os expositores falaram em inglês e em espanhol“. Após esse comentário ainda fizeram uso da palavra: Human Rights Watch; Health, Access, Rights – IPAS; Rebecca Cook da Universidade de Toronto; e Women on waves.

O fato é chamativo, porém é natural tendo em vista que, como visto, essa é uma pauta internacional. Não se trata de uma demanda do povo brasileiro, mas de uma agenda estrangeira. O que cria um segundo problema na imposição arbitrária do aborto pelo STF: a violação da “soberania nacional” garantida pela Constituição (art. 1º, inciso I). A realidade do modo como a agenda penetrou e vem tentando se desenvolver no país, e esse dado da audiência pública, indicam que o Tribunal está sendo usado para submeter o povo brasileiro, sua legítima decisão e seu sistema representativo, a poderosos interesses internacionais.

Um terceiro ponto é que as entidades favoráveis ao aborto todas circulam em torno daquele núcleo argumentativo mencionado. Aliás, elas são extremamente repetitivas. Na cobertura ao vivo da Gazeta do Povo, ao final, em comentário publicado às 19h22, foi registrado que “os argumentos ao longo do dia tendem a se repetir, um problema muito apontado nas audiências públicas. O STF e a sociedade ganhariam muito se as audiências públicas tivessem um ganho de racionalidade”.

Porém, essa repetitividade tem um fim retórico: é passar a impressão de um suposto “consenso” entre supostos “especialistas”. Busca-se com isso reforçar, pela repetição, a autoridade de afirmações que não podem ser validadas pela solidez de suas fontes.

Por fim, como visto, uma das alegações que faz parte do núcleo da narrativa abortista é a invocação da laicidade de estado e acusação de que a proteção penal do nascituro seria baseada exclusivamente em motivos religiosos.

A alegação é obviamente falsa, não só porque a tutela jurídica da vida intrauterina pode ser solidamente sustentada em razões públicas, mas também porque, no Brasil, a maioria da parcela não religiosa da população é contrária à liberação do aborto.

Todavia, para sustentar essa retórica, boa parte das entidades pró-vida aceitas na audiência pública são religiosas. Exatamente o que ajudará a invocar a laicidade do Estado como argumento pró-aborto, e acaba por passar uma certa credibilidade à alegação. Como disse o jornal Gazeta do Povo, em editorial: “Que entidades religiosas fossem convidadas é natural – as religiões, como parte da sociedade civil organizadatêm todo o direito de participar do debate público nas questões que lhes interessam –”; porém, numa audiência pública em que “houve quase 200 pedidos de habilitação para participação na audiência, dos quais apenas cerca de 25% foram aceitos”, o perfil dos convocados parece indicar o direcionamento para construção de uma narrativa previamente concebida.

Por isso, só nos resta concluir com o desfecho do lúcido editorial da Gazeta do Povo sobre o tema:

A posição de Rosa Weber sobre a legalização do aborto já é conhecida, pois ela acompanhou Luís Roberto Barroso quando ele aproveitou o julgamento de um habeas corpus para decidir que os artigos do Código Penal que proibiam o aborto eram inconstitucionais. Mas esperava-se que, ao escolher os expositores para a audiência pública, a ministra promovesse um debate em igualdade de condições, com participantes comprometidos com o cumprimento da lei (e não que debochem dela), e sem dar margem para falácias laicistas. Infelizmente, não foi o que ocorreu. Só nos resta esperar que, durante a audiência, a posição pró-vida tenha em clareza e eloquência o que lhe foi negado em número.

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