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Suprema Corte está diante de um caso emblemático em que se cruzam a proteção à liberdade de expressão e de consciência e a oposição ao aborto | Ken Hammond/Divulgação USDA
Suprema Corte está diante de um caso emblemático em que se cruzam a proteção à liberdade de expressão e de consciência e a oposição ao aborto| Foto: Ken Hammond/Divulgação USDA

Até onde um estado pode ir para promover sua visão sobre aborto?

Pode obrigar centros de pré-natal que ajudam mulheres que passam por uma gravidez difícil ou não planejada a promover o programa de aborto gratuito do estado? Pode exigir que centros de recursos que oferecem aconselhamento, educação e suprimentos incluam nos seus anúncios um longo esclarecimento em até 13 idiomas? 

Essas são as questões que a Suprema Corte escutou na terça-feira (20) no caso National Institute of Family and Life Advocates vs. Becerra

Três advogados estiveram perante aos juízes. Um deles é Michael Farris, presidente da Alliance Defending Freedom, que representou os centros de pré-natal pró-vida que contestam essas exigências. 

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Alguns dos centros representados por Farris são provedores de assistência médica licenciados que fazem testes de gravidez, ultrassonografias e outros cuidados de pré-natal, e o estado da Califórnia está tentando obrigá-los a colocar placas com informações sobre abortos gratuitos. 

Outros centros não são licenciados e não oferecem assistência médica, mas oferecem recursos gratuitos para mulheres grávidas que precisam de ajuda. A Califórnia exige que eles incluam um esclarecimento com 29 palavras nos anúncios, abafando efetivamente sua mensagem. 

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Jeffrey Wall, procurador-geral adjunto dos Estados Unidos, representou o governo federal, que não registrou apoio a nenhum dos lados. Joshua Klein, procurador-geral adjunto da Califórnia, defendeu a lei estadual. 

Os juízes apresentaram perguntas para todos os três advogados. Aqui estão sete questões chave dos argumentos orais. 

1. Comparações com consentimento informado 

Durante a introdução de Farris, a juíza Ruth Bader Ginsburg entrou no debate, perguntando por que colocar um aviso não seria como exigir que um médico ofereça consentimento informado antes de fazer um aborto. 

Farris explicou que oferecer consentimento informado se volta para a existência de uma intervenção médica. Os estados podem exigir que os médicos discutam os riscos de um aborto antes de realizar o procedimento, como a Suprema Corte estabeleceu no caso Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania vs. Casey (1992), e isso pode incluir uma discussão sobre alternativas ao aborto. 

Porém, neste caso, os centros de pré-natal não estão realizando procedimentos médicos, mas ainda assim seriam obrigados a promover o programa de aborto gratuito ou de baixo custo da Califórnia para cada pessoa que entrar no estabelecimento. 

O juiz Samuel Alito perguntou se o estado poderia exigir que todos os médicos que tratam mulheres grávidas coloquem um aviso sobre a gama completa de opções disponíveis a elas, incluindo serviços que não são feitos naquele local. Farris explicou que isso poderia ser um problema se os médicos fossem contrários ao aborto, mas o que o estado fez aqui foi mirar nos centros pró-vida e obrigá-los a fazer propaganda de aborto. 

O juiz Stephen Breyer disse que viu esse caso como uma versão pró-vida do caso Casey. Breyer refletiu que uma decisão a favor da Califórnia seria justa porque “o molho para o ganso é o molho para o pato”. Farris explicou que isso politizaria a prática da medicina. 

2. Uma lei cheia de exceções 

Breyer apontou que existem entre 60 e 70 centros na Califórnia, e perguntou se o tribunal deveria registrar se a lei está mirando nessas clínicas antes da decisão da Suprema Corte. 

Farris respondeu que a manipulação é evidente na lei. Ele contém tantas exceções (para médicos em clínicas privadas, clínicas médicas gerais e clínicas de pré-natal que fazem abortos), que os centros pró-vida são praticamente os únicos que seriam obrigados a colocar os avisos sobre aborto do estado. 

Depois, quando Klein, da Califórnia, subiu na tribuna para defender a lei, Alito quis saber por que o estado isentou tantos outros médicos e instituições de saúde da obrigatoriedade do aviso. Apesar de a lei parecer neutra, segundo Alito, o número de exceções revelava um “padrão estranho” que poderia levar à discriminação intencional contra centros pró-vida. 

Klein disse que o aviso, que teria a intenção de informar mulheres de baixa renda sobre serviços gratuitos do estado, seria colocado em locais em que seria mais útil. Esses locais tendem a ser centros de pré-natal pró-vida, já que eles oferecem serviços gratuitos. 

Alito prosseguiu, apontando que um sumário concluiu que 98% dos locais que seriam obrigados a colocar o aviso eram centros pró-vida. Esse dado não é preciso, segundo Klein, mas o estado não tem um “número sólido”. 

3. Centros não licenciados enganam as mulheres? 

A juíza Sonia Sotomayor levou a discussão para os centros de pré-natal não licenciados. Ela sugeriu que esses centros poderiam estar enganando as gestantes. Ela visitou o site de uma clínica, que incluía uma foto de uma enfermeira com uma máquina de ultrassom e linguagem dizendo que seguia todas as regulamentações da HIPAA (sigla para Health Insurance Portability and Accountability Act, ou Lei de Portabilidade e Responsabilidade de Seguros de Saúde). 

Sotomayor queria saber se uma pessoa sensata pensaria que isso é uma instituição médica. Farris explicou que é ilegal praticar medicina sem licença médica, ou fingir ter uma licença médica para praticar medicina, e outras leis poderiam tratar dessas questões. 

A juíza Elena Kagan perguntou ao promotor do estado se a lei de 2015 foi criada para ajudar gestantes de baixa renda que talvez não tenham acesso a informações sobre os programas do estado ou se deveria impedir que os centros de pré-natal enganassem as mulheres. 

“O primeiro”, disse Klein. Nesse momento, o juiz Neil Gorsuch apontou que é “incomum” obrigar uma instituição privada a educar as pessoas sobre os seus direitos quando há diversas outras opções. 

Gorsuch perguntou se não seria melhor processar os centros não licenciados por enganar as mulheres de acordo as proteções de fraude ao consumidor do estado, em vez de limitar sua liberdade de expressão. 

Ginsburg prosseguiu, perguntando se a Califórnia teria acusações contra algum centro não licenciado por enganar as mulheres. Klein respondeu que não, mas que ele acredita que a cidade de São Francisco possa ter. 

4. Requerimentos onerosos para propagandas 

O juiz Anthony Kennedy perguntou a Farris se um centro não licenciado que fizesse um outdoor dizendo “Escolha a vida” também teria que incluir o esclarecimento com a mesma fonte e em diversos idiomas. Isso não seria um fardo excessivo? 

A pergunta surgiu depois na discussão, quando Sotomayor perguntou a Klein se um centro não licenciado que tivesse um outdoor que simplesmente dissesse “Pró-Vida”, e incluísse informações para contato, teria que incluir o esclarecimento. 

Antes que Klein pudesse responder, o presidente da corte, John Roberts, perguntou se uma agência de adoção que tivesse um anúncio teria que incluir o esclarecimento do estado. Klein disse que não, pois o interesse do estado estava em centros que oferecem cuidados médicos. 

“Em que ponto um centro de adoção teria que colocar o esclarecimento?”, perguntou Roberts. “E se o centro oferecesse testes de gravidez?” 

O  presidente estava tentando determinar o limite do argumento da Califórnia, e Klein respondeu que a agência de adoção provavelmente não teria que incluir o esclarecimento. 

Sotomayor apontou que um centro não licenciado teria que oferecer pelo menos dois tipos de serviços antes de o requerimento de esclarecimento se aplicar, incluindo cuidados de pré-natal, testes de gravidez e ultrassonografias. Ela então voltou ao outdoor “Pró-vida” hipotético. 

Klein disse que isso seria exigido apenas se o outdoor anunciasse um desses serviços. Talvez ele tenha se equivocado, mas Alito interrompeu, dizendo firmemente: “Não. (...) Me mostre onde isso está na lei. Se é uma instituição coberta pela lei, então qualquer propaganda que eles publiquem (…) tem de incluir o esclarecimento”. 

5. Anunciando serviços 

Quando Wall, o promotor-geral adjunto do governo federal, subiu à tribuna, Ginsburg disse que ela gostaria de saber se o estado poderia exigir que as clínicas colocassem uma placa listando todos seus serviços. Ela comparou isso a Food and Drug Administration (FDA) requerer que os produtores de alimentos listassem os ingredientes nos rótulos. 

Isso seria permissível, segundo Wall, porque se está simplesmente requerendo que os centros de pré-natal divulguem informações verdadeiras e factuais sobre seus serviços. 

Roberts interrompeu, perguntando se o estado poderia então exigir que os centros listassem outros serviços, estivessem eles disponíveis ou não. Wall respondeu que tal requerimento desencadearia maior escrutínio e isso não seria permissível. 

6. ‘Discurso profissional’ 

Alito pressionou Wall sobre qual nível de escrutínio se aplicaria aqui, apontando que o governo federal chama isso de uma regulamentação de “expressão profissional” – uma categoria que a Suprema Corte nunca reconheceu. 

Alito disse que haveria “consequências de longo alcance” se o tribunal adotasse um padrão mais baixo de escrutínio para “expressão profissional” que poderia afetar jornalistas, economistas, cientistas do clima e muitas outras profissões.

Wall respondeu que um nível mais baixo de escrutínio dev   eria ser aplicado a profissionais como médicos, advogados e contadores quando se exige que eles façam esclarecimentos relacionados aos seus serviços. 

Wall concluiu: “Colocar essas regulamentações em um padrão mais alto de revisão [escrutínio rígido] as diluiria e enfraqueceria a Primeira Emenda”. 

7. Anúncios em 13 idiomas 

Ginsburg perguntou sobre o requerimento da lei da Califórnia de que o esclarecimento seja publicado em diversos idiomas (até 13). “Uma coisa é você dizer que não é licenciado, mas em 13 idiomas?”, disse Ginsburg. “Isso é oneroso.” 

Klein reconheceu que esse requerimento “poderia ser inconstitucional”, mas disse que os centros de pré-natal precisariam abrir um processo e oferecer evidencias desse ônus. 

Kennedy replicou: “Você quer que eu lhes faça um pedido para que digam à corte o que é um outdoor?”. 

Após uma hora de argumentação, alguns juízes pareciam estar preocupados com o ônus que a lei da Califórnia coloca sobre a liberdade de expressão, e o fato de que mira claramente nos centros de pré-natal pró-vida. Até mesmo os juízes de esquerda pareciam incomodados com os requerimentos complicados desta lei. 

Agora, os juízes deliberarão como decidir e emitirão uma decisão até o final de junho. Espera-se que o tribunal decida a favor dos querelantes e reconheça que os estados não podem impor suas visões sobre questões políticas controversas, como aborto, a entidades privadas. 

Elizabeth Slattery escreve sobre o papel adequado dos tribunais, nomeações judiciais e a Constituição como associada jurídica na Heritage Foundation. Leia aqui sua pesquisa. É coapresentadora do SCOTUS101, podcast sobre tudo que acontece na Suprema Corte.

©2018 Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Andressa Muniz.
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