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A costureira Adelaide dos Santos Silva recorreu ao juizado especial para resolver impasse com mecânico | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
A costureira Adelaide dos Santos Silva recorreu ao juizado especial para resolver impasse com mecânico| Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo

Para boa parte da população, o Poder Judiciário ainda é um enigma. Advogados e juízes parecem usar um dialeto diferente do idioma falado nas ruas e o emaranhado de instituições e recursos parecem algo difícil para qualquer cidadão comum desvendar. Após a Constituição de 1988, houve um esforço de popularização, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. O que poucos sabem é que há situações em que a população pode acessar a Justiça sem a necessidade de um advogado. Em um desses casos, um presidiário redigiu de próprio punho um habeas corpus e conseguiu mudar a jurisprudência para condenados por crimes hediondos, algo que os maiores especialistas do país haviam tentado sem su­­cesso há anos.

No Brasil, a presença de advogado não é obrigatória em juizados especiais, para pedir habeas corpus, em processos trabalhistas e em alguns procedimentos admi­­nistrativos. Mas a desobrigação levanta questionamentos, já que o advogado tem conheci­men­to sobre a legislação e capacidade para avaliar qual a me­­lhor alternativa para o cliente. Em casos de ações trabalhistas, por exemplo, dificilmente alguma empresa abri­­rá mão dessa prerrogativa.

A questão da necessidade ou não de um advogado esbarra também na precariedade da defensoria pública no Brasil. No Paraná e em Santa Catarina, o órgão nem existe oficialmente. Dados do Ministério da Justiça apontam que há apenas 1,8 defensor para cada 100 mil habitantes, contra 7,7 juízes em todo o país. A média nacional mostra que cada profissional cuida de 1,5 mil atendimentos por ano.

O desembargador Ivan Cam­­pos Bortoleto, 2.º vice-presidente e supervisor-geral do Siste­ma de Juizados Especiais, lembra que a ideia de popularizar a Justi­ça já estava presente no direito romano, com os chamados juízes peregrinos, que atendiam aos anseios da população em praças. Para ele, ações como os juizados contribuem para derrubar o mito de que a Justiça é in­­tangível. "Este ano, levamos juizados para os estádios e, durante a temporada, para o litoral."

Juizados especiais

Uma das maiores inovações no acesso à Justiça foi a criação dos juizados especiais no âmbito estadual. Os juizados são espaços onde não há a formalidade dos tribunais e não é necessário ter um advogado em causas que envolvam até 20 salários mínimos. A quantidade de recursos e o tempo de tramitação são mínimos se comparados a um processo que segue o trâmite da Justiça comum. Os processos devem ser pautados pela oralidade, simplicidade e celeridade. Também não há custos processuais. Há atuação nas áreas cível e criminal e qualquer pessoa maior de 18 anos pode entrar com uma ação.

O aposentado Izael Índio de Souza, 58 anos, resolveu procurar o juizado para resolver o problema com um consórcio bancário. Ele tentava transferir a carta para seu nome, mas o banco fez a transferência para um desconhecido. Souza já havia usado o sistema. "O processo foi rápido. Durou apenas três meses. Fiquei com receio somente de não saber negociar por não ter o auxílio de um advogado."

A costureira Adelaide dos Santos Silva, 51, também procurou os juizados cíveis de Curitiba para solucionar o problema com o conserto do carro, que depois de R$ 6,8 mil pagos a um mecânico, ainda apresenta problemas. Restam R$ 1 mil de dívida e Adelaide quer negociar o pagamento mediante a revisão do conserto. Vim indicada por uma amiga que utilizou e ficou satisfeita. Espero resolver o problema rapidamente.

Para o vice-presidente da Co­­missão de Juizados Especiais da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Alberto Rodrigues Alves, esses órgãos fo­­ram criados para permitir o acesso do cidadão comum à Justiça. "É a efetivação da cidadania", diz. Ele explica que, caso não haja conciliação, é marcada uma audiência e ainda é possível recorrer.

INSS e universidades

Juizados especiais federais foram criados em 2001 para atender causas de competência da Justiça Federal que tenham menor potencial ofensivo e não ultrapassem 60 salários mínimos. Os processos podem envolver, por exemplo, autarquias como universidades, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e bancos como a Caixa Econômica Federal. Podem entrar com ações pessoas físicas e empresas de pequeno porte.

Um dos maiores usos dos juizados especiais federais são processos contra o INSS, relacionados à previdência social. Mas especialistas afirmam que, quando a aposentadoria está em jogo, compensa ter o auxílio de um advogado. Para a presidente em exercício do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, Jane Lúcia Wilhelm Berwanger, já é difícil para o profissional que atua na área se atualizar constantemente e acompanhar os decretos, portarias e instruções normativas. Um leigo pode colocar a aposentadoria em risco caso haja algum erro no processo.

Pedidos são feitos até da prisão

Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que um condenado por crime hediondo teria direito a progressão no regime de prisão. Até então quem cometia um ato como homicídio qualificado, latrocínio ou estupro tinha de cumprir toda a pena em regime fechado. O pastor evangélico Oséas de Campos foi o responsável pela mudança. Acusado de estupro, enquanto estava preso, redigiu um pedido de habeas corpus. Na prisão, ele – que se declarou inocente – passou a estudar a legislação e conseguiu uma vitória que muitos advogados criminalistas desejavam.

O recebimento de habeas corpus (HC) escritos pelos próprios presidiários não é novidade no STF. Um dos ministros chegou a declarar que até pedidos em “pa­­pel de pão” foram recebidos. Quan­­do o tribunal passou a usar somente processos eletrônicos, foi permido que os pedidos de HC continuassem em papel. Quase um quarto desse tipo de solicitação chega por carta, por meio da Central do Cidadão.

Nos presídios, é comum que os presos letrados e com maior co­­nhecimento se tornem “escribas” e redijam pedidos para os colegas. Para a Justiça, o habeas corpus pode ser impetrado sem a obrigatoriedade de um advogado porque está diretamente ligado ao direito de ir e vir, considerado fundamental. Na internet há, inclusive, modelos e o próprio STF disponibilizou um vídeo com instruções.

Professor da Pontifícia Univer­sidade Católica do Paraná (PUCPR) e advogado criminalista, Adriano Bretas afirma que o HC dispensa formalidade, mas deve ter o linguajar técnico adequado e vir acompanhado da documentação que comprova as alegações. Ele afirma que o pedido sofre toda a tramitação jurídica normal, que os advogados conhecem bem. É difícil para um leigo, por exemplo, saber a quem fazer o pedido e redigir a fundamentação correta. Bretas lembra que o HC ganhou amplitude com o passar do tempo e hoje pode ser usado para anular a ação penal ou provas.

Para ele, o acesso a advogados faz parte do processo de democratização da Justiça. “São necessárias ações para descomplicar os processos, deixando-os mais ágeis e com menos labirintos.” Bretas também afirma que é preciso mais estrutura. “Temos uma Cons­­tituição que garante vários direitos, mas, na pratica, há obstáculos estruturais.”

  • É a segunda vez que o aposentado Izael Índio de Souza entra com uma ação sozinho

Serviço:

Juizado Especial Cível (Rua Inácio Lustosa, 700, Curitiba). Telefone: (41) 3234-3600. Juizado Especial Criminal (Rua Fernando Amaro, 60, Curitiba). Telefone: (41) 3264-2008.

Juizados Especiais Federais (Rua Voluntários da Pátria, 532, Curitiba). Telefone: (41) 3219-7586.

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Interatividade

Você já recorreu a um juizado especial para resolver um problema? Conte-nos sua experiência.

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