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| Foto: Luis Macedo/Agência Câmara

Atualizada em 21 de setembro de 2017, às 9h25.

A ideia inicial era apenas estender o período de licença-maternidade para mulheres com filhos prematuros, por meio da Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 181/2015. O voto do relator da matéria, o deputado evangélico Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), em comissão especial formada para analisar o tema, porém, pretende impedir também o aborto nos casos em que hoje o Código Penal prevê a não penalização do ato. Isso porque ele acrescentou à PEC duas propostas de alteração na Constituição, no inciso III do artigo primeiro e no artigo quinto, indicando que a vida deve ser respeitada “desde a concepção”. O conjunto estava previsto para ser apreciado nesta quarta-feira (20), em comissão especial na Câmara dos Deputados, mas a sessão foi remarcada para 4 de outubro.

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A justificativa de Mudalen é a de que assegurar a defesa e o acompanhamento das crianças prematuras não teria sentido se não houvesse a mesma garantia e proteção para as que estão ainda “no ventre materno”. Contrapondo o Código Civil – que em seu artigo 2º afirma que “a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” – a decisões recentes como a do ministro Luís Roberto Barroso, de permitir o aborto em até três meses em um caso concreto analisado no STF, o deputado levantou a necessidade de que a Constituição seja mais específica nesse ponto.

“Estamos hoje sujeitos a uma ditadura dos entendimentos individuais – haja vista a preponderância das decisões monocráticas, seja mediante sentenças, seja mediante a concessão de liminares”, escreveu.

O voto de Mudalen desencadeou diversas manifestações contrárias. Além do pedido de vista conjunta dos deputados Flavinho (PSB-SP), Jean Wyllys (PSOL-RJ) e João Campos (PRB-GO), outros parlamentares, como Pollyana Gama (PPS-SP) e Jô Moraes (PCdoB-MG), criticaram a tentativa de incluir o tema do aborto na discussão sobre a extensão da licença-maternidade.

Repercussão

A dúvida é se, caso seja aprovada em plenário, a PEC revogaria os artigos do Código Penal que não penalizam os casos de aborto quando a mulher sofreu estupro ou há risco de vida da mãe. Para o jurista Ives Gandra da Silva Martins, a resposta é sim. Como o Código Civil, no artigo segundo, garante que os direitos do nascituro estão assegurados desde a concepção, afirma, seria estranho não incluir entre eles o direito à vida.

“Na verdade, o Código Penal não penaliza dois casos de aborto, o terapêutico [risco de vida da mãe] e o sentimental [em caso de estupro], o STF criou um terceiro, o eugênico [casos de anencefalia]. Em recente decisão no Supremo, o ministro Luís Roberto Barroso colocou a possibilidade de o aborto até o terceiro mês de forma indiscriminada”, explica, “o que vale dizer que todos os seres humanos não o seriam até 90 dias, para depois serem seres humanos”. Fato, segundo o jurista, que não tem respaldo científico. “O certo é que, se essa PEC passar, equaciona de vez toda essa discussão, porque coloca na Constituição o que está no Código Civil. Com isso, é evidente que toda a legislação anterior cai por terra e a partir daí não haverá mais a possibilidade de aborto”.

A professora de Direito da FGV-SP, Eloísa Machado, acredita, por outro lado, que a mudança poderia dificultar o aborto, mas não impedi-lo, já que muitas regras da Constituição são flexibilizadas. Além disso, ela acredita que a PEC seria facilmente derrubada pelo STF.

“O próprio STF já disse que demandas constitucionais [como a PEC] podem ser inconstitucionais”, afirma, recordando casos como a da decisão já citada de Luís Roberto Barroso e o da permissão do uso de células-tronco embrionárias para pesquisa. “Teria uma vida curta essa emenda constitucional”, conclui. Na visão dela, seria uma invasão desproporcional à autonomia da mulher.

Ativismo do Judiciário

Outros juristas, como o professor da USP e procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, avaliam que, como a proposta amplia a tutela da vida, seria “pouco jurídico” se o STF declarasse inconstitucional a PEC, caso ela seja aprovada no futuro. Seria mais um caso de ativismo judicial, ou seja, de o STF tomar decisões fora da sua alçada, já que a Constituição prevê que as leis sejam feitas por representantes eleitos pelo povo – sendo o órgão o guardião dessa norma. Elival recorda que, no caso da permissão do aborto de anencéfalos, por exemplo, ao qual pessoalmente o professor não é contrário, a decisão deveria ter sido tomada no Congresso e não no STF.

“O que eu sempre tenho criticado é que o STF de hoje é extremamente ativista, ele assumiu no sistema brasileiro, muitas vezes, o papel de representação política. Ele decidiu essa questão do aborto como se estivesse fazendo uma nova Constituição”, afirma Elival. “No caso do aborto do anencéfalo, o STF teve uma atitude ativista, com uma hipótese nova de aborto sem legislação, foi uma canetada”.

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