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| Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Nos últimos dias, tentativas de sequestro de criança têm assustado moradores de Curitiba e Região Metropolitana, aliadas a informações sobre os casos – nem sempre verdadeiras – repassadas via WhatsApp. Mas como o assunto pode ser tratado a partir do viés jurídico? 

Marcelo Lebre, professor da Escola da Magistratura do Paraná (Emap), explica que, em teoria, o sequestro é crime que admite tentativa. Na prática, porém, é bastante difícil caracterizar essa modalidade do delito. Isso porque, muitas vezes, é bem tênue a linha que separa a tentativa de sequestro de alguém que apenas queria “mexer” com a criança. 

“É um crime que se consuma quando há a efetiva impossibilidade de locomoção da vítima, quando ela fica impedida de ir e vir”, afirma Lebre. O professor atenta para o fato de que o sequestro, trata-se de um crime permanente. Significa dizer que enquanto a vítima estiver com sua liberdade privada, o crime está acontecendo, e é possível dar voz de flagrante. 

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Com previsão no artigo 148 do Código Penal (CP), o crime de sequestro tem pena de reclusão que vai de um a três anos para quem o comete. Quando a vítima é criança, porém, a modalidade é qualificada, com prisão que pode variar de dois a cinco anos. 

Acontece que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê um crime que pode ser confundido com o de sequestro, mas que tem suas particularidades. Segundo o artigo 237 da legislação, “subtrair criança ou adolescente ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou ordem judicial, com o fim de colocação em lar substituto” é crime que pode render reclusão de dois a seis anos para o ofensor, além de multa. 

A advogada e professora do Unibrasil Mayta Lobo esclarece que, em regra, quem comete sequestro busca obter uma vantagem patrimonial com o crime, pedindo resgate, por exemplo. Já o delito do ECA ocorre com um fim específico, pois o sequestrador tem o intuito de ficar com a criança e registrá-la como se fosse dele, ou colocá-la na companhia de outra família. De acordo com Mayta, somente a investigação é que conseguirá apurar qual era a finalidade do sequestro. 

“Clamor popular” 

Sempre que crimes envolvem crianças, existe o perigo do excessivo clamor popular, que pode vitimar pessoas inocentes. Ao mesmo tempo em que é preciso tomar cuidado para proteger as crianças, também deve haver precaução para não imputar um crime a alguém que não fez nada de errado. Um exemplo clássico é o caso da Escola Base, na década de 1990, quando os donos e funcionários de um jardim de infância de São Paulo (SP) foram acusados erroneamente de abuso sexual contra alunos do local. A história foi amplamente divulgada na imprensa e a escola acabou fechando. Posteriormente, foi apurado que os acusados eram inocentes.  

Recentemente, em 2014, uma mulher do Guarujá (SP) morreu após ser linchada por causa de um boato falso espalhado via Facebook de que estaria sequestrando crianças para usá-las em rituais de magia negra. No início deste ano, três homens envolvidos na morte da mulher foram condenados à prisão pela Justiça – dois a 40 anos e um a 26 anos de reclusão. 

Lebre aponta que quem comete linchamento está sujeito a ser acusado pelos mais variados crimes, dependendo da situação jurídica específica. A hipótese mais comum é a de lesão corporal, mas também pode ser configurada a ameaça, o constrangimento ilegal e até mesmo a tentativa de homicídio. “Se você pega um grupo de pessoas que atingem alguém em órgãos vitais, reiteradamente, pode-se entender que essas pessoas estão assumindo o risco da morte”, observa o professor. 

O advogado atenta para o fato que espalhar notícias falsas também pode ser considerado crime. O autor, porém, deve ter a consciência da inveracidade da notícia. “Se for constatado que quem propagou a notícia [sobre um falso sequestro] sabia que se tratava de fato inverídico, foi cometido o crime de calúnia”, diz Lebre. A pena varia de seis meses a dois anos de detenção. 

Sequestro ou rapto? 

Se no jargão popular é comum usar rapto e sequestro como sinônimos, no direito não é bem assim. Até 2005, o Código Penal previa o crime de rapto, com a seguinte redação: “raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso”. Para o legislador, “mulher honesta” era aquele que não se prostituía, não mantinha vários parceiros sexuais ou se preservava virgem até o casamento. 

O anacronismo do termo – afinal, o CP é de 1940 – levou o crime de rapto a ser revogado da legislação brasileira, e ao crime de sequestro foi incluído o inciso “se o crime é praticado com fins libidinosos”. Juridicamente falando, portanto, não é possível que uma criança seja “raptada”.

Colaborou: Mariana Balan.

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