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Demagogia e contratos de parceria: a lição que teimamos não aprender

Posta a premissa, o particular que presta serviços públicos só pode ser um usurpador, que – ora veja – ganha dinheiro cobrando por algo que deveria ser grátis

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(Foto: Reprodução/Pixabay)

No Brasil, as concessões são mal vistas. As pessoas gostam de “serviços públicos, gratuitos e de qualidade”, não de privatização (seja lá o que isso seja). Foram habituadas a acreditar que o Estado é uma espécie de “Porta da Esperança” que se abre para distribuir felicidade para os necessitados. É uma visão ingênua, mas poderosa. Os slogans são bons porque não precisam lidar com as inconveniências da realidade.

Posta a premissa, o particular que presta serviços públicos só pode ser um usurpador, que – ora veja – ganha dinheiro cobrando por algo que deveria ser grátis. Assim, na hipótese de se tolerar a transferência de atividades públicas para a iniciativa privada, o benevolente Estado deve manter o particular na linha. Uma rápida consulta aos comentários das notícias sobre o tema, prova que temos uma tradição de demonizar os investidores que atuam no setor de infraestrutura. 

Esse modo de pensar tem um efeito indesejado. Ele justifica que em nome da opinião pública alterem-se as regras que pautam os negócios público-privados. Basta apelar ao interesse público e, pronto, o administrador pode desconsiderar as regras do jogo. Em nome do tal interesse público admite-se qualquer heterodoxia. Negam-se reajustes, baixam-se tarifas, alteram-se cronogramas de investimento, etc. 

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Do ponto de vista do cálculo político não há dúvida: é melhor garantir votos do que manter regras que não agradam à população. 

Políticos são especialistas em ignorar a realidade em matéria de prestação de serviços públicos, prometendo utopias. Como ensina o economista Thomas Sowell: “A primeira lei da economia é a escassez: nunca há o suficiente de alguma coisa para satisfazer todos que a querem. A primeira lei da política é desconsiderar a primeira lei da economia”. 

Cria-se assim o ciclo vicioso. Políticos estimulam demandas irreais; a população as encampa; regras são alteradas; surgem problemas; os problemas são imputados ao particular; estimulam-se demandas irreais. 

O problema é que isso tem um preço. 

No plano micro, essas soluções costumam servir como um grande sistema de transferência de custos para o futuro. As perdas de rentabilidade impostas ao particular serão depois recuperadas, onerando os usuários do serviço (ou contribuintes). Esse processo é similar ao de um empréstimo: a receita frustrada ou os custos não programados serão pagos no futuro, com os devidos encargos. Portanto, essas medidas são usualmente péssimos negócios do ponto de vista financeiro. Mas, essa coisa de se preocupar com a realidade é coisa de gente chata. Importante é ter vontade política para mudar. 

No plano macro, essas excentricidades aumentam a percepção de insegurança para o investidor. O Brasil não é um país estável para investimentos em infraestrutura. E isso se reflete no custo do dinheiro. Quanto mais incertezas, maior será a exigência de retorno do capital por parte dos investidores. Esse clima de insegurança é ruim para o investidor local e péssimo para o investidor estrangeiro. 

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Preserva-se assim a cultura da demagogia em matéria de contratos públicos, que contribui para a insegurança nas relações público-privadas. O problema é que por mais que se queira acreditar que o Estado é um ente virtuoso, destinado a promover a felicidade de todos, fato é que serviços públicos têm custos. E gerir custos raramente é questão de vontade política. 

A verdade é que o Brasil precisa de investimentos em infraestrutura, mas não tem recursos para isso. A questão orçamentária é grave. Segundo o TCU, mantidas as coisas há risco de o Estado brasileiro não ter recursos para pagar o funcionalismo público já em 2024. Essa é a realidade. 

Postas as coisas como elas são, percebe-se que não se pode mais dar ao luxo de tolerar a insegurança jurídica decorrente da demagogia. A necessidade de atrair capitais privados para o setor de serviços públicos exige responsabilidade. É preciso começar a parar de estimular demandas irreais em matéria de serviços públicos e discutir com seriedade os custos das medidas reclamadas. Isso é especialmente importante em momentos de crise. A crise já é ruim ao natural. Temperada com medidas demagógicas em matéria de serviços públicos, ela fica ainda pior.

* Bernardo Strobel Guimarães é advogado, mestre e doutor em Direito do Estado pela USP. Professor da PUC-PR

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